As pessoas, em todos os cantos do mundo, estão mais ricas, gozam de mais saúde, são mais livres, têm mais educação, estão mais pacíficas e desfrutam de uma maior igualdade do que nunca antes.
Os Anjos Bons da Nossa Natureza, Steven Pinker
Anos atrás, quando eu ministrava aulas numa escola em S.Paulo, ao comentar os crimes praticados em nome do Comunismo, uma aluna que poderia ser caracterizada perfeitamente como uma antifa (ideias, estilo, retórica) me fez uma pergunta que me pegou de surpresa:
“E os crimes do Capitalismo, também tem…”
Fiquei ligeiramente chocado por alguém poder pensar assim, mas respirei e respondi:
“O sistema capitalista não tem um autor, mas interações e muitos dos seus resultados não são fruto de uma intenção. É diferente do caso em que uma cúpula dirigente que veste uma camisa ideológica comete um crime em nome de um ideal.”
Eu concordo que ficou muito genérica como resposta, mas tentei aprimorar o raciocínio após este episódio. Se o capitalismo é um sistema, sua antípoda não seria o comunismo e sim um sistema que partisse de um princípio oposto, i.e., que não defendesse a propriedade privada: o socialismo.
Assim, analogamente, a oposição ao comunismo não seria o capitalismo que, inclusive, pode sofrer maior intervencionismo estatal do que gostaríamos, mas sim o liberalismoenquanto ideologia e a democracia (representativa) enquanto regime político. Claro que o que vemos sendo chamado de “democracia popular” não é a democracia que realmente representa de forma, ainda que imperfeita, a maioria da população. As versões ditas “populares”, geralmente ignoram a necessidade de dissenso partindo do pressuposto de que há uma consciência e desejo que corresponde aos “reais interesses” da população. Daí sua organização em comitês, representantes de movimentos que se arrogam falar em nome da população, notadamente, milhões de habitantes. Simplesmente, não funciona e serve como garantia aos interesses de uma cúpula dirigente que se torna, paulatinamente, mais e mais autoritária.
Assim como Steven Pinker, citado na epígrafe acima tem se notabilizado pela avaliação positiva de nossa civilização ao longo dos séculos, uma série de outros autores tem se chamado atenção em suas diferentes áreas de atuação para os ganhos que o Capitalismo nos trouxe, Bjørn Lomborg, um professor de estatística dinarmaquês que escreveu um livro fantástico, O Ambientalista Cético em que contesta a maior parte das pesquisas em tons alarmistas sobre as questões ambientais, mas que também não o leva a ignorar problemas que ainda existem. A diferença é que procura dar suas dimensões exatas sem com isto criar uma falsa percepção de declínio irreversível de nossa qualidade de vida; Hans Rosling, sueco, divulgador de dados estatísticos que se tornou conhecido por suas apresentações na plataforma de palestras TED; Hernando de Soto, economista peruano que escreveu O Mistério do Capital, livro que caminha na linha do peso e influência das instituições no desenvolvimento econômico. Chama atenção em suas análises, como países pobres como o Haiti têm muito mais recursos “mortos”, i.e., sem a devida legalização e segurança jurídica do que toda ajuda que organismos poderosos como a ONU já lhe proveram em toda sua história; Carlos Rangel, venezuelano que escreveu clássicos domo Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário e O Ocidente e o Terceiro Mundo, cujas teses procuram avaliar as raízes do subdesenvolvimento na cultura e mitos que são perpetuados contra o livre-comércio e empreendedorismo. Antes das bases econômicas serem fincadas, os sentimentos e percepções compartilhadas foram os responsáveis pela adulteração e comprometimento de qualquer inovação que pudesse vir alavancar a economia. Pensou em criação de sindicatos para o Uber no Brasil acertou. Este é um exemplo de como deturpar uma boa iniciativa e não é novidade na história de países pobres.
Por que tais definições conceituais são importantes? Não é raro confundir críticas que deveriam ser endereçadas à sociedade que abriga determinado sistema econômico, modo de produção na linguagem marxista, como se fosse parte intrínseca da “essência capitalista”. Em um exercício de retórica imagine o Capitalismo como música, qualquer estilo, não importa… E a sociedade hipotética em que este sistema econômico está operante como um estúdio de gravação. Nesse estúdio temos uma mesa de som, obviamente e nela, controles que têm que estar bem equalizados. São eles:
- O grau de livre-comércio dessas sociedades;
- Sua segurança jurídica;
- O acesso à propriedade privada;
- O grau de burocratização;
- A criminalidade;
- A transparência pública;
- A liberdade de expressão etc.
Quando leio alguns críticos do capitalismo é como se estes itens não importassem, como se só a existência de propriedade privada, mesmo quando predomina a posse fosse prova inconteste de que o capitalismo está ali, em toda sua plenitude. Mas o que é a “plenitude”, quando não temos graus minimamente razoáveis em que as supracitadas características de nossa “mesa de som” não estão corretamente ajustadas? Por isto é importante definirmos de que tipo de sociedade falamos, não bastando defini-la como “capitalista”. Capitalismo por capitalismo temos países com baixíssimo grau de segurança jurídica, altíssimas cargas tributárias, enormes dificuldades para empreender etc. e nem por isso são exemplos do que poderíamos considerar como “sociedades sadias” do ponto de vista econômico.
Apesar desses índices serem bem conhecidos, sempre é bom reiterá-los, tamanho grau de desinformação que vivemos, seja na mídia em geral, na academia ou no sistema educacional como um todo. De 1900 até 2014, o percentual de analfabetos no mundo caiu de 80% para 15%; do início do século XX até as primeiras décadas do século XXI, o número de anos que as mulheres tiveram acesso à educação passou de pouco mais de 80% nas economias avançadas para praticamente 100%;Enquanto isso, considerada a região mais pobre do globo, a África Subsaariana passa de pouco mais de 15% de mulheres com o mesmo grau de escolaridade em relação aos homens para 80%.
Dados inegáveis de melhorias sociais como estes são descritos pelos críticos do capitalismo como “conquistas sociais” insinuando que foram frutos da militância de esquerda, costumeiramente, socialista. Mas quando os problemas se avolumam em sociedades capitalistas, o mesmo recorte não é feito, sendo avaliados como “consequências”, “efeitos perversos da ordem social”, “contradições do capitalismo” etc. ORA! Decidam-se! Ou essas externalidades são intrínsecas ao Capitalismo ou não são! O que não é possível é se eleger apenas as negativas como tendo relação com o modo de produção que abominam e aquelas (intimamente) ligadas a um sistema que permitiu a acumulação de capitais e seu investimento como não tendo. Este artifício retórico é, normalmente, inconsciente, o que só pode ser efeito de anos e anos de doutrinação educacional e uma cultura geral propagandeada por meios de comunicação em canais ditos como “alternativos” e que promovem a “conscientização”, seja em documentários, noticiários, filmes ou mesmo em opiniões de pessoas com projeção que apenas repetem sem questionamento algum o que ouviram.
Se o capitalismo não se opõe necessariamente ao comunismo e exemplo da China atual está aí e não me deixa mentir, o socialismo enquanto controle absoluto dos chamados “meios de produção” é que é sua verdadeira antípoda. Então, o que seria e onde estaria exatamente o Comunismo? Seria a negação do dissenso e de seu instrumento de regulação do poder, que é o sufrágio universal. Este regime de poder passa pelo controle político total, que vai além do autoritarismo personalista, ele se inclui e se mantém nas regras, nos padrões de comportamento, na cultura e na visão ideológica da sociedade como um todo: é o que chamamos de Totalitarismo. Outros regimes amparados por ideologias, como foi o próprio Nazismo também eram exemplos de totalitarismos.
Nazismo, fascismo e comunismo, embora tivessem suas diferenças ideológicas ou premissas teóricas nas quais baseavam toda sua narrativa de sua superioridade (raça, estado e partido, respectivamente) ou justificativa para agressão externa e opressão interna apresentavam métodos similares, como reconhecemos no chamado totalitarismo.
Seja na propaganda anti-semita que os nazistas espalharam pela Europa Oriental, seja nas mentiras comunistas após os expurgos feitos por Stálin em 1938, toda intensificação de narrativas totalitária se baseia na mentira, distorção e frequência intensa com que é repetida até que os fatos sejam tão nítidos quanto uma nebulosa. Por isso tão importante quanto lutar contra o genocídio é a resistência que se impõe contra a perda da memória feita por partidos, ministros de propaganda e simples ignorância. E é através dessa cultura de negação que se passa a aceitar a adesão às regras autoritárias permeadas na cultura de um povo, o que chamamos de totalitarismo, algo que vai muito além do mero autoritarismo personalista.
A apatia gerada por uma transferência do indivíduo ao estado, um organismo que prega sua antecedência à mente humana é que faz com que se justifique campos de concentração nazistas e gulags soviéticos. Assim que se aceita um profissional graduado na China ser obrigado a trabalhos braçais “para apagar qualquer traço de sua cultura burguesa distintiva” ou eliminação física de 20% da população do Camboja pelo facínora Pol Pot para dar passagem ao “novo homem do comunismo”. Planos economicamente irracionais como a coletivização de terras na antiga União Soviética ou o chamado “Grande Salto para a Frente” durante o governo de Mao Tsé-Tung na China que ceifaram a vida de mais de 40 milhões de chineses ao forçar a migração para as cidades para formação de mão de obra industrial acabou evacuando agricultores do cinturão alimentício e sua rede de distribuição urbana entre centros menores, médios e maiores. Resultado óbvio: escassez de alimentos. Um pouco menos óbvio, no entanto, era viver sob um planejamento central de planos quinquenais(!) em que o excedente em uma fazenda de tomates era esmagado sob as pesadas rodas de tratores para que administradores das unidades produtivas não fossem questionados sob sua capacidade de previsão. A falta de tomates seria apenas um “problema menor”.
O que não se via, e salta-nos aos olhos é como pode um país que produzia e ainda produz sob herança tecnológica da antiga URSS, caças em estado de arte como os MIGs não fazer nada melhor como veículo do que um Lada (que era um projeto adaptado da Fiat). E a resposta não poderia ser outra: no que fosse resultado da corrida armamentista, os soviéticos eram muito bons porque competiam com seu rival, os EUA, mas no que dependesse da demanda controlada e reprimida de seu mercado interno, não havia estímulo no universo que fizesse os burocratas se mexerem para melhorar. Piadas como um bilhete deixado pelo cosmonauta russo “mãe vou orbitar em torno da Terra, volto em uma semana”, ao que a senhora deixava outro “filho, fui ao mercado comprar pão, não sei quando volto” dão uma ideia do que era o conflito entre planejamento e necessidades na antiga URSS.
Foram dezenas de milhões de mortos sob ação direta do monopólio do poder político encarnado no partido comunista, não há razão nenhuma para culpar o capitalismo por tamanho fracasso. E muito embora, países capitalistas ainda sofram com graves distorções econômicas, elas não existem porque “o mercado é excludente”, mas porque regras sociais impostas por estruturas estatais excluem milhões de indivíduos a tentarem, testarem e se soltarem nas interações individuais mais conhecidas como economia de mercado e que eu não faço cerimônia de chamá-la de Capitalismo.
Anselmo Heidrich
2017-12-04
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