Aí Moniz, eu curti tua entrevista, velho! Vejo tudo daqui do além, meu... |
CC: Fala-se muito a respeito da emergência da China como potência. As intrínsecas relações econômicas entre as duas partes podem servir para moderar a rivalidade entre Pequim e Washington?
MB: Sim, as relações econômicas moderam a rivalidade, mas não a eliminam. Grandes corporações americanas entre as quais Boeing, Caterpillar, General Motors, 3M, United Technologies, DuPont, Apple, Qualcomm, Intel Corp e IBM estão a depender do crescimento do mercado na China. E a economia dos EUA, como um todo, depende fortemente do influxo de capitais de outros países, como a China. O Banco Central chinês, em setembro de 2013, possuia reservas da ordem de 3,6 trilhões de dólares. Um calote dos EUA, cuja possibilidade não se pode descartar, abalaria profundamente a China. O governo de Beijing passou a acelerar a estratégia para destituir o dólar do status de moeda de reserva mundial, impulsionando a globalização do yuan. Enquanto o dólar for moeda internacional de reserva, os EUA manterão a supremacia mundial. A economia de “free markets” no estilo que os Estados Unidos querem manter engata os países a um sistema de força, compelindo-os a aceitar dólares sem limites. E há no mínimo cerca de 20 trilhões de dólares, valor muito superior ao PIB americano, em circulação no mundo. A China e demais países têm de comprar esses dólares sem lastro (US Treasury Bond) apresentados como os investimentos mais seguros, porque não há alternativas, e assim eles voltam aos Estados Unidos, para financiar o consumo do povo americano, o déficit orçamentário e suas guerras. E a China quer libertar-se desse sistema, assim como a Rússia, Brasil e outros países.Existem também fatores geopolíticos que aguçam a rivalidade. Através da rota marítima, ao sul da China, circula cerca de um terço do comércio mundial e a região possui reservas inexploradas de gás e petróleo. A essa região do Pacífico o presidente Barack Obama deu "máxima prioridade" na política externa dos Estados Unidos e lá aumentou sua presença militar, inclusive com o envio de 2,2 mil soldados para o norte da Austrália, o que provocou forte reação da China. Os Estados Unidos temem o rápido crescimento e militarização da China. Porém, nada podem fazer para impedi-lo. Com o desenvolvimento tecnológico e a globalização da economia, a possibilidade de guerras entre grandes Estados virtualmente desvaneceu. E os Estados Unidos, com todo o seu potencial bélico, dificilmente prevaleceriam sobre um país cuja população é cinco vezes maior do que o tamanho da população americana.
CC: O senhor acha que os EUA podem sofrer do mal classificado por Paul Kennedy como “excessiva extensão imperial” e eventualmente perderem seu status de única potência?
MB: Os Estados Unidos intoxicaram-se com a vitória na Segunda Guerra Mundial e julgaram, após o fim do regime soviético, que seu império ainda poderia durar 300 anos. Porém, o militarismo sempre constituiu o meio pelo qual todos os impérios se suicidaram. Em agosto de 2007, David M. Walker, chefe do Government Accountability Office (GAO), órgão do Congresso americano encarregado da auditoria dos gastos do governo, advertiu que o país estava sobre uma “plataforma abrasante” de políticas e práticas insustentáveis, escassez crônica de recursos para a saúde, problemas de imigração e compromissos militares externos, que ameaçavam eclodir se medidas não fossem em breve adotadas. Sem um estado de guerra permanente a economia dos Estados Unidos deixa de funcionar. O mesmo aconteceu com o Império Romano. Mas não será nenhuma outra potência que derrotará o Império Americano. Ele há de desmoronar, ao longo de algumas décadas, sob o peso de suas contradições econômicas. Os Estados Unidos não podem aumentar, indefinidamente, a dívida pública, que já se tornou impagável, emitir dólares sem lastros para comprar petróleo e outras as mercadorias – commodities e manufaturas – e importar capitais de outros países, mediante a venda de bônus do Tesouro, para financiar o déficit orçamentário, o consumo, que excede a produção, e as guerras que empreende a fim de sustentar a indústria bélica e sua cadeia produtiva, da qual sua economia tanto depende.
[Em guerra contra todos http://www.cartacapital.com.br/internacional/em-guerra-contra-todos-1004.html via @cartacapital]
É impressionante como a realidade muda e o discurso surrado se
adapta, como um camaleão no ambiente diverso. Há poucos anos, este mesmo
tipo de análise permaneceria igual sem, no entanto, se mencionar a expressão
"dívida pública" porque ela sequer tinha sido divulgada como
problema, ao contrário, nem era vista como sendo um problema, tal como era a
dívida externa. Alguém aí se lembra de ouvir dizerem que "a dívida externa
americana era a maior do mundo"? E aí, ela deixou de ser ou apenas se
mudou o foco? Agora, que os EUA enquanto formação social pode se alterar,
chegando mesmo a se fragmentar, bem, nada é impossível e o que parecia
totalmente inviável até bem pouco tempo atrás se revelou plenamente viável.
Agora, não é interessante esta relação dramática, este quadro lúgubre pintado
por Moniz Bandeira no qual há uma vítima e um estuprador? Por que a economia
internacional "ao estilo free market" é uma imposição e o litígio no
Mar da China Meridional do qual os tubarões de Pequim querem extrair até a
última gota e molécula de hidrocarbonetos é um direito? Onde estão as Filipinas,
Indonésia e Malásia aí, totalmente ignoradas? Quem é que age e é o verdadeiro
imperialista, cara pálida? Internamente, pode se dizer o mesmo do tratamento
dispensado por Pequim aos tibetanos e uigures do que faz Washington com sua
oposição? Mas é muita cara de pau mesmo... Escrita quilométrica combinada com
argumentos fossilizados não mudará o fato de que a atração de imigrantes eleva
sim os gastos com saúde, mas enquanto um sistema público não for imposto, os
estados se sustentam nos EUA. E a questão da segurança também tem que ser vista
sob as frias lentes da estatística e não pelo clamor e prato (plenamente
justificados) de quem perdeu seus entes amados em um tiroteio, sinto muito.
Choca, sem dúvida, mas tome o índice de homicídios mensal de Curitiba e compare
com o anual de Los Angeles para ver como se aproximam e terá uma pequena ideia
do que digo. Há muito por melhorar? Claro que sim, mas faço minhas as palavras
sobre este assunto, que B. Lomborg utilizou para a questão ambiental mundial, "apesar
de estarmos muito longe do que seria uma situação ideal, não estamos tal mal
como se diz e acredita". Em se tratando de violência, o mundo melhorou
(cf. o vídeo da palestra de S. Pinker divulgado aqui na lista), assim como os
EUA que saíram de crises muito piores. Lembrem-se que nos anos 50 e 60, o
'clima' nos EUA era tão ou mais atordoante: ataque nuclear, expansão do
comunismo, reflexos da II Guerra Mundial, teor de outra crise de 29, rápida
urbanização e mudanças de padrões comportamentais, "explosão demográfica"
das metrópoles, seus guetos e crime em geral, drogas, paranoia ambiental etc.
Isto para não falar nos ETs apreendidos pelo governo (mundial) no Novo México
ou outra bobagem similar que ainda conquista tolinhos mundo afora. Por que será
que o mundo não acabou e os EUA seguiram firmes? Não é porque não houve crises,
mas a visão delas impede de se ver transformações de longo prazo, a maioria
associada à demografia. Agora, antiamericanistas ingênuos, qual é o país que
apresenta significativo decréscimo populacional mundial? RÚSSIA. Qual é o país
que apresenta significativo desequilíbrio entre os sexos, com mais homens que
mulheres? CHINA. Qual é o país que a população idosa aumenta vertiginosamente
em relação aos jovens? JAPÃO. E Moniz Bandeira vem me dizer que os EUA estão
perto de seu fim?!