A ajuda externa tem raízes no conceito de justiça internacional e em seu corolário de reparação. A questão é quão eficaz ela realmente é? Imagem: shadow.foreignpolicy.com |
“Justiça”,
hoje em dia, tornou-se um termo inflacionado na cultura política nacional e
internacional ultrapassando o âmbito propriamente jurídico, se estendendo para
o econômico e o cultural. Na verdade, uma grande fonte de irracionalismo, a
palavra “justiça” tem sido mal utilizada e soa como mero clichê, cujas
premissas se assentam em meros ressentimentos para uma falaciosa compreensão
dos problemas mundiais.
Vivemos
tempos confusos, neste “Bravo Novo Mundo” onde a cultura ocidental é posta em
cheque, de dentro de sua própria sociedade, como se o germe da desconstrução
partisse de sua própria sanha civilizatória. Para seus críticos, a busca de “um
outro mundo possível” significa revolucionar o modelo vigente e não apenas
reformá-lo. O fato de que preocupações com a questão social internacional
partam de setores dos pólos capitalistas mundiais, não significa que devam
admitir qualquer culpa por fatos passados que, uma vez mal explicados, atribuem
à Europa e, mais ostensivamente, aos Estados Unidos toda a carga de
responsabilidade pelos insucessos cometidos no chamado “Terceiro Mundo”. As
causas para tanto são várias, complexas e nem este conjunto de países mais
pobres do globo apresenta qualquer homogeneidade que não sejam índices
econômicos tomados superficialmente. Reivindicações até justas de países em
desenvolvimento não devem ser confundidas com um “tribunal imaginário”,
substancialmente ilegítimo, que pretende julgar a História como se nela
houvesse “réus” e “vítimas”. Não raro, fenômenos culturais complexos e
abrangentes são enfiados nesta equação simplista entre “explorados” e
“exploradores”. Um mecanismo teórico-ideológico análogo é a oposição Ocidente
VS. Islã... Huston Smith em The World's Religions[1]
indaga por que a Cristandade teve tantos choques com o Islã, uma vez que tais
crenças têm uma origem comum no Judaísmo e não se observa o mesmo com, por
exemplo, Cristianismo VS. Hinduísmo. A razão é mais simples do que podemos
imaginar: domínio territorial, um imperativo
geopolítico, cuja proximidade entre os grupos gera tensões. Muito antes das
Cruzadas, os árabes já chegavam às portas francesas nos Pirineus para estender
a influência do Crescente. Seria justo por isto condenar a civilização islâmica
pelo seu longínquo passado? Julgarmos toda uma complexa teia de relações
históricas a partir de um único vetor, como rotineiramente se faz com, por
exemplo, a igreja católica subentende que esta tenha sido a única a ter culpa
no “cartório das humanidades”. Isto é, no mínimo, desrespeito pelo intelecto,
para não dizer pura má fé mesmo.
Há várias
formas de procurar atingir um objetivo não tão evidente por si. Um deles é
fingir desejar algo, como uma sociedade mais justa enquanto que, na verdade, se
trabalha arduamente para acabar com esta sociedade. O teor de muitas das
críticas “contra o sistema” não procura resolver antigas querelas
sócio-civilizacionais, mas tem seu combustível ideológico na própria
desconstrução do capitalismo. No atual cenário mundial, a maioria dos protestos
tem seu epicentro na Europa. É neste mesmo continente, onde cerca de ¼ dos
trabalhadores são compostos por funcionários públicos e segurados que vivem de
transferências de renda[2], também
são assolados pelas recorrentes revisões da máquina pública européia em
transformação. No Reino Unido, mesmo com uma oposição episódica como foi a de
Tony Blair, os fundamentos das reformas implementadas por Margaret Thatcher não
foram revistos. Seu espectro ainda ronda e assombra os revolucionários
europeus... Na Alemanha, Helmut Kohl não foi exatamente o que poderia se chamar
de um bem sucedido reformador do país, mas sua contribuição para afastar a
antiga Alemanha Oriental da órbita soviética, unificar o país e ainda se manter
aliado a OTAN foi inegável.[3] No geral,
aos trancos e barrancos podemos dizer que a evolução do Ocidente foi positiva
sim.
Lembramos
com facilidade de conflitos sangrentos, sejam de ordem externa ou interna, mas
são esses processos de longo prazo, morosos e incertos que desmotivariam várias
situações de beligerância. Apesar de certas incongruências contábeis que mais
tarde cobrariam seu preço através dos inexoráveis déficits públicos, pode-se
dizer que foram menos perniciosas do que teriam sido uma guerra civil. Não
podemos nos esquecer que até bem pouco tempo em termos históricos, nos países
capitalistas, as muitas reivindicações trabalhistas tiveram efeitos benéficos
através de um processo contínuo de negociações. Esta tensão bipolar entre mais ou menos estado dá a tônica da
evolução do Ocidente, ao contrário da deturpação anticapitalista que processa
uma leitura unilateral, ora com a construção do estado de direito a partir de
conquistas populares, ora a partir da espoliação de povos por grandes
conglomerados industriais, como se não houvesse uma sinergia entre diversos
setores da sociedade.
Os
sucessivos fracassos revolucionários que se sucederam a partir do pós-guerra,
muito antes da derrubada de qualquer muro, bem entendido, mas justamente pela
ineficácia econômica comprovada,[4] a
estratégia dos órfãos do estatismo como panacéia civilizacional passou a se
denominar “socialismo democrático”. A forma mais palatável com que se tenta
ressuscitar o socialismo, falsamente democrático, parte de uma concepção programática
nova. Ao invés de simplesmente se tomar o núcleo de poder estatal para suprimir
a oposição e dominar por completo a economia, se busca a ocupação de instâncias
estratégicas com diversos cargos de confiança e instauração de programas
clientelistas. Estes até podem trazer benefícios políticos no curto e médio
prazo, mas no longo não visam mais que criar uma massa de dependentes de
favores estatais, a qual será, obviamente, objeto de manipulação política.
Mas, quando
a economia cobrar seu preço no longo prazo pela farra do desequilíbrio das
contas públicas? Aí entra em cena a retórica de clichês que brada contra as
“injustiças históricas”, o “passivo civilizacional” etc. Mais do que “justiça
internacional”, o bode expiatório se configura, recorrentemente, no “Tio Sam”,
o arquétipo do vilão, cuja conveniência satisfaz o tirocínio de intelectuais com
discurso datado. O roteiro é conhecido, a locomotiva capitalista desacelera,
inflação e estagnação econômica se tornam mais presentes para, no day after, o intervencionismo estatal
passe de causa para solução da crise. Como isto é possível? Basta uma boa
campanha de marketing, manipulação estatística e inversão entre causa e
efeito... Não é estranho que sociedades que mantém altíssimas cargas
tributárias tenham suas crises diagnosticadas como “excesso de neoliberalismo”?
Como um problema econômico pode ser explicado justamente pelo que não tem como
característica? Um estado agigantado com impostos escorchantes ser visto como
seguidor do neoliberalismo não faz o menor sentido.
Questões
inescapáveis como a maior produtividade e criatividade inerentes ao capitalismo,
as quais já tinham sido propostas por Schumpeter há mais de meio século
permanecem soterradas por um manto de irracionalismo que põe a eficácia
econômica como um verdadeiro palavrão. Quando jovens, muitos dos quais segurados
pelo Welfare State,[5] saíam às
ruas em Londres ou Davos para protestar contra a Globalização[6] estavam,
tal qual movimentos sindicais do século passado, fortalecendo grandes
corporações que recebiam apoio privilegiado de aparelhos estatais. A título de
salvar os empregos da classe operária, os sindicatos não raro fortaleceram
empresas que fugiam da concorrência e recebiam polpudos fomentos para sua indústria
através do erário, isto é, de recursos federais constituídos com os impostos de
cidadãos sem ligação com os postos de trabalho em questão. Analogamente, os
jovens que acreditam protestar contra um sistema explorador estão, na melhor
das hipóteses atuando em prol de burocracias estatais e seus privilégios[7] e na
pior, ainda fortalecendo mais a maquina estatal e seus braços armados com apoio
a setores antiglobalizaçao, antimercado e pró-intervenção, inclusive armada.[8] Não é
difícil entender a ligação quando se pensa que países com menor atividade
comercial internacional são os mais propensos a entrar em guerra uns contra os
outros.[9]
Do outro
lado do Atlântico, no país mais conhecido (e incompreendido) do mundo, os
Estados Unidos, o movimento sindical teve a chance de escapar, afortunadamente,
do controle de socialistas e anarquistas dogmáticos, com o objetivo de melhorar
a situação material dos operários, através da redução da jornada de trabalho e
aumento real da renda.[10] A
pressão sindical econômica e não ideológica consagrou a seleção natural do
empresariado americano. É verdade que cidades como Detroit pagaram com a
desindustrialização, mas não servem como parâmetro para o boom econômico que se seguiu no país, em especial no sul e oeste
americano. O caso de Detroit serve, justamente, como exemplo oposto ao que
falamos, pois se trata de uma metrópole na qual o empresariado ficou a mercê
dos políticos com propostas regulamentadoras do trabalho e mais fortemente
tributaristas, como os Democratas.[11] Mesmo
com fatos que desaprovam os resultados e benefícios alegados ao longo da
história, como este tipo de retórica estatista ainda apresenta tantos adeptos? Não
por acaso, destas mesmas hostes saíram os discursos de palanque que mascararam
nossas mazelas ao atribuir responsabilidades a outrem, “países centrais”, as
multinacionais, o FMI etc. Por outro lado também existe uma verdadeira
submissão intelectual de nossos homens públicos às contingências de um discurso
de ocasião que procura opor Norte VS. Sul, sem que de fato, o “Sul” tenha
efetivamente chegado a enxergar como o “Norte” funciona. Tudo ancorado num
raciocínio simplista de “jogo de soma zero”, segundo o qual alguns ganham porque
outros perdem. Nada mais conveniente do que atribuir nossas mazelas e o
ressentimento fundamentalista de regiões como o Oriente Médio à pujança capitalista.
Assim, é chegada a hora de cobrar a conta pelo serviço não prestado:
“Ressentidos do mundo: uni-vos!”
A produção em
larga escala popularizada por Henry Ford desperta menos interesse do que aventuras
de Guevaras, demagogias Castristas, ódios de Husseins e Ladens, esses sim, são
valorizados e tomados como palavra última e, em nome deles, multidões
amedrontadas com a dinâmica produtiva se levantam e clamam pela manutenção da
estagnação tecnológica. A “tecnofobia” mistifica problemas reais, seja a produção
agrícola, a geração de energia e preservação de recursos naturais, entre
outros, os temas têm seu significado e conceito deturpados, a começar pela sustentabilidade.[12] Esta simplesmente
inexiste sem incremento tecnológico e adequação produtiva, mas para a
militância ambientalista não se trata disto e sim de uma “ruptura com o atual
sistema”.
Tudo vale
no discurso persecutório que procura culpar não um, alguém, mas uma entidade, o
“Capital”. A estratégia consiste em demonizar uma bárbara realização da
Civilização e esquecer-se de sua relação destruidora/criadora. Os críticos do
Ocidente não desejam mais que destruí-lo, sem perceber que nunca sequer chegariam
a ter os instrumentos materiais de comunicação que utilizam de modo paranóico,
não fosse por ele. Alguns desses críticos que ocupam cátedras universitárias,
não desejam verdadeiramente soluções pacíficas para os problemas do mundo
subdesenvolvido, mas apenas disseminar sentimentos de frustração e rancor para
com o mundo capitalista desenvolvido. Odeiam o que desconhecem.
Mesmo que
muitos digam que a saída não se daria mais por vias “socialistas tradicionais”
e que esse sistema não mais se configura como uma alternativa, a verdade
desagradável é que uma boa parte dos países atrasados (me perdoem a ausência de
eufemismo), por razões ligadas a sua cultura política – neopatrimonialismo,
nepotismo, clientelismo, corrupção pura e simples etc. – pouco fizeram para a
adoção de medidas que resultassem em desenvolvimento econômico. Não vejo
possibilidade de que uma justiça calcada em princípios universais se realize em
escala global quando ao lado de direitos, não haja constituição simétrica de um
corpo de deveres, dentre os quais figurem o equilíbrio fiscal e a busca pela
eficiência produtiva com apoio da segurança jurídica e transparência contábil.
Isto pode parecer pessimista, mas como sabemos a história já nos pregou
diversas peças, e não seria agora que surpresas como a que vimos no século
passado e o poder do acaso se esgotariam. Afinal, como alguém já disse há
milênios, a necessidade é a mãe da invenção.
[1] SMITH, Huston. The World’s Religions. Harper San Francisco. 1991.
[2] DAHRENDORF, Ralf. O Conflito Social Moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; São
Paulo: Edusp, 1992, p. 139.
[3] GEDMIN, Jeffrey. Helmut Kohl, giant. Disponível em: <http://www.hoover.org/publications/policy-review/article/6283>.
Acesso em: 23 nov. 13
[4] ROSA, Alexsander. O colapso da URSS. Disponível em:
<http://alexrosa.blogspot.com.br/2007/08/o-colapso-da-urss.html>.
Acesso em: 14 nov. 13.
[5] MITCHELL, Daniel J. English riots, moral relativism, gun control, and the welfare state.
Disponível em: <http://www.cato.org/blog/english-riots-moral-relativism-gun-control-welfare-state>.
Acesso em: 18 nov. 13; HEATH, Allister. Britain’s
in crisis: the real causes of chaos on streets. Disponível em: <http://www.cityam.com/news-and-analysis/allister-heath/britain-s-crisis-the-real-causes-chaos-streets>.
Acesso em: 18 nov. 13.
[6] O GLOBO. Davos, Londres, Praga, Gotemburgo: protestos explodem no rastro de
Seattle. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/davos-londres-praga-gotemburgo-protestos-explodem-no-rastro-de-seattle-10337463>.
Acesso em: 19 nov. 13.
[7] DiLORENZO, Thomas. O funcionalismo público e seus sindicatos. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=916#.Uo4LpQ4w1kc.twitter>.
Acesso em: 21 nov. 13.
[8] SYLVESTER, Petro. Definindo a liberdade. Disponível em: <http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=667>.
Acesso em: 21 nov. 13.
[9] ADORNEY, Julian. Want Peace?
Promote Free Trade. Disponível
em: <http://www.fee.org/the_freeman/detail/want-peace-promote-free-trade#axzz2j2McKFje>.
Acesso em: 1 nov. 13.
[10] ALMEIDA, Carlos Fernandes de. O sindicalismo nos países industriais.
Disponível em: <http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224161582B5aYZ8dg3Hs99DT2.pdf>.
Acesso em: 23 nov. 13.
[11] AHLERT, Arnold. How the Democrats destroyed Detroit. Disponível em: <http://frontpagemag.com/2013/arnold-ahlert/how-the-democrats-destroyed-detroit/#.UTTxYjiu5gl.blogger>.
Acesso em: 23 nov. 13.
[12] DRIESSEN, Paul. Real susteinability VS. Activist sustainability. Disponivel em:
<http://townhall.com/columnists/pauldriessen/2013/02/02/real-sustainability-versus-activist-sustainability-n1502612>.
Acesso em: 23 nov. 13.
Nenhum comentário:
Postar um comentário