Seguindo
o debate iniciado no post anterior:
Anselmo, obrigado pelo comentário!Discordo da sua observação. O produto que você compra é o seu imóvel, no seu terreno. É possível comprar lotes em bairros privados e condomínios que garantem as decisões de um ambiente maior pelos proprietários. Não acredito que isso deva ser aplicado na cidade como um todo por uma série de motivos.
Primeiro, o que está no entorno do seu imóvel não é seu, não é o produto que você comprou, mas sim produtos que outras pessoas compraram e tem liberdade de alterá-los. A sua prerrogativa congelaria o mundo ao redor da sua propriedade considerando que você comprou o bairro inteiro, o que não é verdade. Caso você queira controlar o bairro inteiro, você deve comprar o bairro inteiro.Em seguida, é impossível dizer o que é uma mudança "aceitável" e o que não é no ambiente do seu entorno. Se você se mudou porque existe um restaurante que você gosta na frente do seu prédio, você vai proibir que ele deixe de existir para manter as "qualidades do lugar"? Claro que não. Assim como você usa o exemplo de abrir novos empreendimentos que você não deseja no seu bairro a situação também deve ser imaginada no sentido contrário, empreendimentos fechando ou indo embora.
Em seguida, se você está falando em externalidades, elas são muito mais impactantes por causa do zoneamento do que apesar dele. Trânsito é gerado pela necessidade de deslocamento gerado por bairros monofuncionais, o que também gera poluição. Bairros atraentes ficam cada vez mais caros e outros deixam de se transformar e morrem, porque estão congelados pelo zoneamento. Zonas industriais abandonadas existem exatamente por este motivo, assim como bolsões elitistas como os Jardins em São Paulo.Enfim, como você mesmo falou, a questão não é tão simples assim. Recomendo a leitura dos livros e deste blog, que talvez faça você entender melhor meus argumentos.
Abraços,
Anthony,
eu não vejo desta forma. Tua analogia sobre o impedimento de uma atividade sair
de um bairro ser tão danosa quanto à proibição de entrar não procede. Em
primeiro lugar, concretamente falando porque não é disto que se trata de um
zoneamento: de impedir a liberdade de extinguir um
negócio ou decretar falência, mas sim de impedir e/ou limitar a presença de
fatores indesejáveis ao que os moradores locais aceitaram como parte da
constituição da localização de seu imóvel. Este, o imóvel não existe solto no espaço, quando
se compra algum, se compra o mesmo com certas características. A questão não é
que “certas características o valorizaram”, mas que elas impediam a
deterioração do próprio imóvel. Não me refiro ao valor de troca deste, mas sim
ao seu uso. Não é justo que tais características sejam prejudicadas por
elementos que as transgridam sem ao menos alguém ter que pagar por isto.
Exemplos? Determinados tipos de poluição. Por isto o zoneamento é sensato, uma
vez que certas atividades, no atual estágio de desenvolvimento tecnológico em
que nos encontramos, poluem mesmo, seja atmosférica, sonora, visualmente, por
cheiro etc. se admite sua ocorrência em áreas apropriadas para tal fim. O que
não pode é se adquirir um imóvel e, de repente, a externalidade negativa nos
atingir dentro do lar e se alegar com isto que “está fora de teu imóvel, então
tudo bem”. Claro que não “está fora”, pois o fator impactante trouxe sua
consequência até mim, até o interior do mesmo imóvel. O zoneamento se configura
como consequência ‘natural’ (entre aspas) de uma cidade que é, dentre outras
coisas, um campo de conflitos de interesses e não um todo harmônico onde todos
concordamos com tudo. Sobre as aspas: não existe naturalidade em sistemas
sociais, por isto coloquei a expressão entre aspas, mas o zoneamento é tão
necessário que até mesmo cidades que não o têm (como Houston) apresentam
acordos com os vizinhos (veja a importância da base local, descentralizada)
que, em termos práticos, dá no mesmo, na restrição. Agora se eu fosse religioso e comprasse um imóvel
porque está próximo de uma igreja, para digressar mais no teu contra-exemplo...
E esta igreja abandonasse o bairro, eu não teria o direito de protestar, ao
menos legitimamente, porque o beneficio que o culto me trazia não era algo que
“entrava no meu imóvel”. Já, se eu fosse avesso a ideia, eu poderia reclamar se
o ruído (os cânticos) adentrassem no meu imóvel acima do permitido. “Acima do
permitido...” Qual o nível tolerável? Depende da zona em que teu imóvel está
inserido. Quanto ao outro exemplo de que o tráfego intenso existe porque há
bairros monofuncionais... Também discordo porque a cidade não é, mesmo onde não
há ou não houve zoneamento, cidades com bairros auto-suficientes. Ela reflete o
mercado e o centro (ou centros) tendem a concentrar atividades variadas que
levam ao tráfego devido à demanda por seus produtos. Mesmo porque, a
auto-suficiência de bairros não impede deslocamentos porque pessoas vêm e vão
trabalhar em diferentes bairros mesmo que houvesse vários tipos de atividades
em seu próprio bairro. Não há como ter uma VW em cada bairro de São Bernardo do
Campo, p.ex. É diferente de ter padarias ou super mercados em cada bairro...
Mesmo tendo bairros completos, no sentido de oferta de serviços teremos,
obviamente, trânsito intenso conforme a oferta de trabalho aumentar na
metrópole. Que é metrópole, justamente, por isto, por atrair gente em busca de
trabalho em diferentes pontos da cidade gerando tráfego e mais tráfego. E, além
de tudo há zonas de uso misto justamente para suprir esta lacuna para quem
assim prefere. Jane Jacobs & Cia estão na moda, muito bem, mas para
além da downtown existe outro tipo de mundo com
necessidade de outro projeto. Afinal, mesmo ela tinha um conservadorismo
adequado para uma Manhattan que devido ao liberalismo econômico que defendia
pode não ser a Manhattan de amanhã. Sua visão de bairros diversificados e com
comércio intenso pode dar lugar à grandes shoppings que porão abaixo a
convivência dos pequenos empreendedores devido à ausência de zoneamento. Nem
defendo isto, mas pode ocorrer, por que não? A esta altura tu deve estar
pensando “o sujeito quer engessar toda a cidade...” Não. O zoneamento pode ser
flexível e mutável como, na verdade, já é. E, mais do que isto, o zoneamento
pode ser substituído por um tipo de legislação mais inteligente... Vejamos o caso
dos condomínios: no caso de Jacobs, os passeios públicos, o espaço de convívio
não é “socialismo”, mas uma necessidade do liberalismo (econômico), uma vez que
só os espaços privados limitam o fluxo, o comercio e, por fim, a liberdade. Por
isto, a ideia de que condomínios preencheriam a necessidade que um zoneamento
se propõe me traz desconfiança. Não vejo a defesa dos condomínios como solução
para acabar com o zoneamento, mas vejo sim, o zoneamento como podendo ser
alterado e adequado às novas necessidades. Admito, no entanto, que o zoneamento
possa ser substituído por uma legislação eficiente que impeça que
externalidades negativas atinjam o interior do imóvel, mas isto vai depender de
adaptações tecnológicas não totalmente disponíveis que não provoquem a poluição
indesejada que atinge moradores estejam onde estiverem.
Grato
pela atenção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário