Diferente de Avatar, a arte de Roger Dean na qual foi inspirada, não te doutrina, mas te permite imaginar outros mundos por si próprio. |
Recentemente, um amigo
comentou que seus colegas de esquerda se animaram a criticar a desigualdade
imposta pelo capitalismo conforme a veiculação da série brasileira 3% no
Netflix ganhava audiência. Eu assisti um pedaço do primeiro episódio e não resisti
ir até o fim de tão ruim, fake que era. Claro que qualquer filme de ficção científica
apresenta um cenário e contextos falsos, mas não a atuação dos personagens que,
no sentido diametralmente oposto precisa ser convincente de tão realista para
nos trazer um mundo de fantasia como algo crível. A trama toda se passa em uma
sociedade distópica, cujos membros tem que passar por um processo seletivo que
exclui a imensa maioria dos participantes (97%) permitindo que pouquíssimos possam
migrar e viver em uma ilha com boa qualidade de vida, distante do ar favelado
de seu continente. E quem lembrou de nossa paisagem urbana ou da famosa foto do
prédio com piscina na sacada ao lado de uma favela no bairro do Morumbi, bairro
rico da capital paulista acertou em cheio. Foi este o recado que os criadores
da série quiseram dar, o Brasil não passa de uma sociedade injusta,
tremendamente desigual, na qual dificilmente seus membros tem alguma chance de
ascender socialmente de modo que se fosse contado como uma ficção no futuro
distante soaria mais realista do que realmente é. Só tem um detalhe... E tomo
esta crítica justamente de meu colega, cujo olhar incisivo matou a charada logo
de cara: não é o capitalismo que porta tais características e sim uma sociedade
onde a principal e mais desejada forma de ascensão social se pauta em concursos públicos. Note que se trata
de um processo de seleção imutável determinado por uma banca que, no caso da
história ficcional é uma elite, mas na realidade brasileira é uma elite
nababesca que determina, quando se trata do poder judiciário, os próprios ganhos!
Diferentemente, no capitalismo, esse processo de seleção se dá pela dinâmica e
diversidade constantemente produzidas e reinventadas pelo mercado onde quem, em
última instância “redige as questões da prova” é uma massa anônima e ávida por
novidades que lhe sejam úteis. Massa essa que de forma mais democrática possível
se organiza para demandar o que quer, seja um bem material ou imaterial, fruto
de suas necessidades prementes ou simples desejo fugaz, não importa. A tal organização
chamamos por mercado.
Bem, já faz alguns
anos, uma produção de orçamento elevado fez muito sucesso e continha,
implicitamente, uma crítica similar, se chamava Avatar. Neste filme, um planeta pleno em vida selvagem, cujo equilíbrio
nem por isso deixa de ser delicado é vilipendiado por um exército inimigo da
Terra. Sim, nós... E para entender os motivos e métodos de um movimento
rebelde, um soldado com paralisia é escalado para se infiltrar em meio a eles através
de sua incorporação no corpo de um desses nativos. A produção é fantástica e,
claramente, inspirada na obra e estilo de Roger
Dean, o criador das fantásticas capas de álbuns da banda Yes (a quem não é dado o devido
crédito, diga-se de passagem). Entre outras referências à clássicos (uma delas
é Alien – o 8º passageiro), Avatar é
um belo filme, mas de mensagem para lá de enviesada. Praticamente todos que saíram
das salas de cinema onde o filme foi exibido devem ter tido a sensação de puro
desconforto, uma náusea civilizacional pelo que “fizemos à outros povos”, pois
é disso que trata a história, da exploração colonial. Mas, ora! O capitalismo não evoluiu por causa disso. Para qualquer
um que tenha um mínimo de conhecimento de história colonial (que não tenha sido
distorcida pelos seus doutrinadores marxistas e leninistas), o colonialismo foi
um péssimo negócio e, tão logo as nações imperialistas se desfizessem dos territórios
ocupados puderam avançar economicamente, como foi o caso da Inglaterra e
Holanda. Então, por que mantinham tais territórios sob pesada ocupação e
domínio? Porque acreditavam em uma teoria econômica equivocada, o metalismo, tal e qual hoje se sofre com
crises desnecessárias porque também se acredita em outra teoria econômica equivocada,
o keynesianismo. Só mesmo marxistas não
creem que ideias determinam ações e são a causa última de nossos erros. Só mesmo
doutrinados pelo marxismo ainda acreditam que somos reflexos de uma mola econômica
inconsciente que age por si só como um deus ex machina.
Há detalhes saborosos
de doutrinação em Avatar... Lembram-se dos nativos em torno de uma árvore-mãe,
todos ligados a ela por uma espécie de sensor-cordão umbilical? Recordo vagamente
de algo assim. Alguém ainda quer melhor referência à perda da vontade
individual e conexão com uma massa homogênea do que melhor alusão a um “comunismo
primitivo” ou se preferirem a reedição do “bom selvagem” rousseauniano? Vejam...
Não é que seus autores tenham, maquiavelicamente, nos pregado essa peça. Ninguém
planeja um erro colossal na cosmovisão de nossa época, apenas reflete um
pensamento corrente que se tornou forte moda de 1968 até nossos dias, cada vez
mais presente em visões de mundo que sobrepõem a massa, o coletivo ao
indivíduo. E quando teu professor de geografia te explica algo como se fossem autômatos
reféns de uma globalização insana pode saber que lá em seu subconsciente existe
esta visão estereotipada de nossa civilização e quando teu professor de direito
repete automaticamente como se fosse a voz da razão universal que direitos
coletivos devem se sobrepor aos individuais, podes saber que ele também foi uma
peça de doutrinação que reproduz o que decorou, assim como um fiel que se
ajoelha em direção à Meca faz todos os dias colocando sua individualidade
abaixo do solo onde se ajoelha perante o todo poderoso deus, seja Alá para ele
ou Jesus para os outros ou uma árvore para os nativos da ficção em Avatar.
Mas quem cria e muda o
mundo é um indivíduo sempre, que marcha contra as forças da natureza e intempéries
produzidas pelos agregados humanos de raças, classes ou religiões. É ele, o que
tem a vontade como meta e a liberdade como combustível que mantém nossa chama e
nossa esperança nesse nau chamada Terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário