Um amigo já falecido me dizia que a
fronteira cria dois tipos de homens, aquele que olha ao horizonte e pergunta
como é lá e aquele que faz o mesmo, mas afirma que não há nada de bom para
saber indo além. Eu sempre desconfiei de certezas categóricas ou das almas sem
uma réstia de dúvida. No fundo, eu sempre afastei deste tipo de pobreza
espiritual.
Mas quando uma frase cala fundo em mim, me trazendo o incômodo de que
talvez tenha alguma verdade, por mais simples e generalista que pareça, não
consigo deixar de considerá-la e testá-la. Não são os lugares, nem os “pedaços
do mundo” que tem mais lucidez, são pessoas. E dentro desses “pedaços” há
sempre dissenso. Ignorá-lo é o primeiro passo ao obscurantismo, que vem a
galope novamente vibrando o solo como se avançassem sobre toda e qualquer forma
de vida, desde que esta pense e divirja.
Cerca de 3,5% da população brasileira, se não mais... Esteve às ruas em
uma de nossas últimas manifestações Brasil afora. Sem patrocínio estatal, sem
vínculo partidário. Não querer entender a legitimidade desse processo é uma
prova de suma ignorância individual e só com este tipo de mentalidade, que
procura pelo em ovo, que procura atacar a coerência alheia com fabulosas
teorias conspiratórias é que se pode construir a massa de manobra de um partido
como o PT.
Antes de continuar que fique claro que não são “nós contra eles”, isto
não é uma cruzada ideológica contra infiéis, mas sim uma guerra cultural que se
busca libertar consciências para que decidam por si e não por “movimentos de
massa”, pela intimidação ou discriminação em seu ambiente de trabalho e estudo.
Em que pese nossas diferenças, se adotarmos as mesmas táticas nos tornaremos
iguais ao que condenamos, com uma ou duas diferenças como defender a
propriedade privada, ao passo que eles defendem o monopólio estatal. Isto
basta? Não para mim. Por isto é importante que nos afastemos de agressões
gratuitas, cuja forma e estética não se distingue de um cão da CUT. Para quem
não captou o recado: temos que nos
afastar de admiradores de Bolsonaro e excluí-los de nossas ações. Este tipo
de ação até infantil, de birra e troça em detrimento da seriedade com que se
deve tratar questões pertinentes serve, em primeiro lugar, ao inimigo, pois
denigre nossa imagem.
O potencial da fúria, o potencial do ódio existe em todos nós, isto é
óbvio. Tem que ser muito amorfo e insensível para não ter tido seu dia de fúria
uma vez na vida. Na votação do impeachment pela Câmara dos Deputados, eu estava
na lateral do telão, com amigos quando uma voz quase histérica nos atingiu “SAI
DA FRENTE!” Isso não é exatamente o tipo de educação que se espera de quem
demanda pela ética dos representantes públicos, mas esperar por um purismo
ideal seria uma grosseira ingenuidade de minha parte. Há gente de todos os tipos
de ambos os lados, o que nos distingue nesta disputa política é a defesa da Lei
e da Constituição porque há uma razão implícita nisto. Ou se acredita nisto ou
basta ser mais uma terra de ninguém, ou como um “pedaço não inteligente do
mundo”. Ou construímos um sistema político pautado na lógica em acordo com a
ética ou abortamos tudo e depois não venham reclamar, pois sobrará somente a
força. E vocês petistas, já devem ter visto quem tem mais. Tudo que posso dizer
a vocês, não apostem nisto que perderão. Embora eu saiba, no fundo que muitos
de vocês desejam isto para concretizarem sua profecia (auto-realizável) que se
trata de um “golpe”, já que todo seu discurso e raciocínio sempre foi pautado
nisto, no auto-vitimismo sem estudo e propostas.
Na fronteira se cruza para conhecer, crescer com o comércio ou atacar.
Neste front que nos instalamos, a batalha é iminente e pode ser dissuadida. A
questão é permanecer com a razão, só que para tanto, não podemos, em hipótese
alguma deflagrar uma “guerra preventiva”, como tantas vezes se viu. Neste tipo
de conflito mantém razão quem usa os recursos necessários como defesa e nunca, como ataque. “O ataque é a melhor defesa”
quando estivermos em luta contra exércitos e não se trata disto, quem está do
outro lado não passa, na pior das hipóteses de um pobre ignorante que bem
poderia ser teu filho, irmão ou amigo, não te esqueça disto. Aqueles que
chutaram as costas de teus amigos, que te representaram são inimigos, não
ignoro, mas nem todos com a mesma camisa vermelha o são. Conheço outros que
falam em “golpe” que nunca pegariam em um canivete para manter sua falsa
consciência tranquila. Se nós somos contra os coletivismos, não ajamos como
coletivistas atacando o gado por causa de alguns touros.
Para quem conhece (e quem não conhece deve conhecer), a fantástica série
Vikings do Netflix, no episódio 6, da 3ª temporada, o rei Ragnar é acometido
pela dor de perder seu amigo, o padre ex-escravo Athelstan, morto por Floki, um
típico xenófobo intolerante. Este devoto dos deuses vikings acreditava que os
percalços de sua saga eram punição por seu povo guardar um infiel e o mata com
prazer. Trata-se de uma época em que a conquista e anexação territorial eram
tão legítimas quanto inquestionáveis. A diferença estava no tipo de estratégia
adotada e o fruto que advinha do conhecimento de outras culturas. Isto fica
claro com o passar do tempo, quando Ragnar prefere estabelecer acordos e se
pautar pela coexistência pacífica, para decepção de alguns de seus súditos. No
entanto, a violência não deixa de existir, pois ela é apenas o tempero da
vingança pela traição.
Bem, quem discorda da Constituição tem todo o direito de fazê-lo, mas
para mudá-la tem que se observar o método dentro da própria lei. Se você é mais
um daqueles que endossa a força e a pressão fora desses limites da civilidade
estará atraindo para si uma resposta similar e talvez, desproporcional. Se
quiser trair o que acreditamos ser nosso meio de convívio para regular nossas
diferenças, que é a Constituição, não se esqueça: estará atraindo a vingança e
com ela, a violência. Portanto, quando nos olhar, para além das fronteiras que
te cercam, venha em paz, como um mensageiro. Mas não se esqueça, se vier com as
lanças em riste, esta pode ser a última vez que tua bandeira balançou ao vento.
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