Eu não acredito em carta de intenções, em discursos treinados e resumos ideológicos adaptados a situações complexas. Mas… Um discurso, uma carta podem ser úteis para detectarmos certos elementos do que está por vir, ao menos parcialmente… Vejamos aqui, o famoso artigo do futuro Ministro da Educação, Ricardo Vélez-Rodríguez “Um Roteiro para o MEC”. Vai aqui, o link que eu recomendo que leiam (não é muito extenso):
Vou descartar de minha análise toda a justificativa de porque ele, Ricardo preferia votar e fazer campanha para Jair Bolsonaro, que não é o objeto de discussão aqui e sim, especificamente, os temas propriamente educacionais. Então vamos ao que interessa…
No terceiro parágrafo diz:
“Enxergo, para o MEC, uma tarefa essencial: recolocar o sistema de ensino básico e fundamental a serviço das pessoas e não como opção burocrática sobranceira aos interesses dos cidadãos, para perpetuar uma casta que se enquistou no poder e que pretendia fazer, das Instituições Republicanas, instrumentos para a sua hegemonia política. Ora, essa tarefa de refundação passa por um passo muito simples: enquadrar o MEC no contexto da valorização da educação para a vida e a cidadania a partir dos municípios, que é onde os cidadãos realmente vivem. Acontece que a proliferação de leis e regulamentos sufocou, nas últimas décadas, a vida cidadã, tornando os brasileiros reféns de um sistema de ensino alheio às suas vidas e afinado com a tentativa de impor, à sociedade, uma doutrinação de índole cientificista e enquistada na ideologia marxista, travestida de ‘revolução cultural gramsciana’, com toda a coorte de invenções deletérias em matéria pedagógica como a educação de gênero, a dialética do ‘nós contra eles’ e uma reescrita da história em função dos interesses dos denominados ‘intelectuais orgânicos’, destinada a desmontar os valores tradicionais da nossa sociedade, no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em soma, do patriotismo.”
Há uma crítica ao uso das instituições republicanas, “uma casta”, como diz e ele está se referindo a funcionários que adentram a estrutura do estado aparelhando-o para projetos próprios. Sua perspectiva de “enquadrar o MEC (…) para a vida (…) a partir dos municípios” revela o tom descentralizador deste artigo como ficará evidente ao final “menos Brasília e mais Brasil”. Isso é muito bom, a possibilidade de termos programas mais adequados à realidades regionais e infra-regionais e não ter que seguir bases curriculares nacionais extensas e altamente ideologizadas, o que têm sido a tônica do MEC nos últimos tempos.
Agora nem tudo são flores, o que ele deixa claro que a ideologia marxista corresponde a uma “doutrinação de índole cientificista”. Isso é bobagem. “Cientificista” não é científico, ciência é ciência e só. Se eu ensino a Teoria da Evolução por Darwin e suas correções críticas posteriores como a de Stephen Jay Gould, isto não é imposição sobre a maneira de ver o mundo das pessoas, sobre a metafísica ou o que elas acreditam que existe além de nosso mundo físico. A ciência não entra neste campo, não a que é e que deve ser ensinada nas escolas. Como dizia Sagan, “a ausência da evidência não significa evidência da ausência”. O fato de pensarmos em como ocorreu a evolução da vida não me dá elementos para dizer o que iniciou a vida, qual a força ou intencionalidade desta força. “Cientificista” seria estender uma filosofia particular a partir do conhecimento científico, mas que em si não é a própria Ciência. Esta confusão pode levar nosso futuro ministro a tomar uma posição anti-científica porque desconfia que a ciência carrega em si um potencial confronto com sua visão da vida, religiosa no caso.
“Valores tradicionais…” Não há uma composição familiar uniforme, embora haja um padrão majoritário. Cuidado ao tomar o conceito de “família” de modo homogêneo porque pode se estar falando em nome de algo mais dinâmico do que se desejaria. A religião também não é “A” religião, mas religiões. Um ambiente civil ordeiro deve contemplar diversas religiões que podem até ser concorrentes, mas sempre dentro de bases civilizadas. Claro que aquele tipo de culto que atenta contra vida alheia tem que se submeter ao nosso estado de direito e se adequar. Acredito que o futuro ministro concordaria comigo na última consideração, mas não sei se ele tem clareza das outras duas, sobre a família e as religiões.
Ricardo Vélez-Rodriguez tem razão ao criticar o Enem, com a imposição de um modelo de pensamento que se diz “crítico”, mas tudo que faz é abafar a crítica. Balela! Quando se tratam de questões objetivas como em exames vestibulares, como os alunos farão explanações críticas, com exceção das redações? Então, para se respeitar o máximo de autonomia de pensamento, as questões têm que se limitar ao mais consensual e objetivo possível.
Agora, há uma passagem que me assustou sobremaneira:
“Outra proposta apareceu, afinada com as empresas financeiras que, através dos fundos de pensão internacionais, enxergam a educação brasileira como terreno onde se possam cultivar propostas altamente lucrativas para esses fundos, mas que, na realidade, ao longo das últimas décadas, produziram um efeito pernicioso, qual seja o enriquecimento de alguns donos de instituições de ensino, às custas da baixa qualidade em que foram sendo submergidas as instituições docentes, com a perspectiva sombria de esses fundos baterem asas quando o trabalho de enxugamento da máquina lucrativa tiver decaído. Convenhamos que, em termos de patriotismo, essas saídas geram mais problemas do que soluções.”
Eu li errado, eu entendi errado ou o futuro ministro se mostrou pessimista com a atuação de empresas que queiram investir em programas educacionais no Brasil? Quer dizer que mal sentimos os efeitos desses empreendimentos que teriam muito a contribuir para expansão do mercado educacional e já temos um ministro bem antipático a sua atuação. Este “patriotismo” que tanto fala me parece mais do mesmo, uma máscara para o velho estatismo. Sua crítica ao modelo varguista, ao janguismo, ao pretérito e atual patrimonialismo brasileiro e, recentemente, ao petismo são todas justas, mas não adianta substituir seis por meia dúzia propondo outra forma de monopólio estatal na educação.
Como eu já disse alhures, melhor que o #EscolaSemPartido é o #EscolaSemEstado. Mas seu detalhamento fica para outro artigo.
Anselmo Heidrich
23 nov. 18
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