domingo, fevereiro 21, 2016

Microcefalia: dados sumiram - FERNANDO REINACH


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Microcefalia: dados sumiram

20 Fevereiro 2016 | 03h 00
Como o governo federal afirmou de forma taxativa que o zika causa microcefalia, é natural que milhares de famílias estejam preocupadas com a possibilidade de seus filhos nascerem com a má-formação. Apesar de ainda estarmos navegando em um mar de perguntas sem resposta, de conjecturas e de cenários possíveis, existe um fato aparentemente inquestionável. Nos últimos meses, foram identificados 41 crianças e fetos com microcefalia nos quais foi detectada a presença do vírus zika. Esse número, apesar de pequeno, vinha crescendo nas últimas semanas. Numa decisão incompreensível, o Ministério da Saúde resolveu não divulgar mais esse número.
Quando se enfrenta um novo problema, o importante é coletar cada vez mais dados, examinar o problema de vários ângulos e aos poucos compreender o que está acontecendo. E, a partir dessa compreensão, tomar as decisões necessárias para resolver ou minimizar o problema.
Com a decisão de esconder dados, o Ministério da Saúde abandonou o caminho da ciência. O esperado é que a cada semana mais dados, de diversos tipos, fossem acrescentados aos relatórios semanais. E que os que já vinham sendo coletados fossem atualizados.
Ninguém sabe o verdadeiro motivo para essa decisão. Uma possível razão é que os números não estão comprovando a teoria endossada apressadamente pelo sr. ministro. Mas, se isso for verdade, é a melhor notícia que o ministério poderia dar às mães preocupadas.
Outra possibilidade é que os dados estavam errados e que, ao analisar novamente as amostras, o ministério tenha descoberto que uma parte dessas crianças na verdade não carrega o vírus (o PCR é um método conhecido por gerar falsos positivos). Se isso é verdade, também seria uma boa notícia.
A última possibilidade é que esse número seja muito maior, e que o problema é mais grave do que se imaginava. Nesse caso, não divulgar é de uma irresponsabilidade inimaginável.
Em vez de retirar dados dos relatórios semanais o ministério deveria divulgar novos tipos de dados. Neste momento, o mais importante é identificar mulheres que tiveram zika durante a gravidez e descobrir quantas dessas mulheres deram à luz crianças normais e quantas deram à luz crianças com microcefalia. Se apenas uma pequena fração das mães infectadas pelo vírus durante a gravidez teve crianças anormais, o problema não é tão sério.
Por outro lado, se grande parte das mães infectadas teve crianças com má-formação, o problema é extremamente preocupante. Onde estão esses dados, eles estão sendo coletados? Quando estarão disponíveis? Laboratórios privados já têm testes capazes de determinar se uma pessoa teve zika no passado. Era de se esperar que o Ministério da Saúde já estivesse coletando e iniciando a divulgação desses resultados.
Outro dado importante é a estimativa do porcentual da população das cidades mais atingidas que já foi infectado pelo vírus. É fácil entender por que esse dado é importante. Numa cidade em que todos estão com gripe, é de se esperar que grande parte das pessoas atropeladas no trânsito tenha o vírus da gripe no seu corpo. Isso não demonstra que a gripe causa o atropelamento. Numa cidade em que o zika corre solto e infecta grande parte da população, é de se esperar que pessoas com todos os tipos de doenças também tenham zika no seu corpo. Com essa informação é possível investigar se pessoas já infectadas pelo vírus se tornam resistentes a uma segunda infecção.
Na medida em que a epidemia se espalha, o Ministério da Saúde tem o dever de informar. Erros de estratégia, de interpretação ou mesmo de execução acontecem, como foi o caso da confusão sobre o número de microcéfalos que existiam no Brasil antes da epidemia. Um governo responsável tem o dever de explicitar as incertezas, aceitar e explicar seus erros, e deixar claro o caminho que está trilhando. Omitir dados, não reconhecer erros e não explicitar as incertezas, atitudes comuns na política mas pecado mortal entre os cientistas, não vão contribuir para entender o problema e acalmar as famílias que queiram ter filhos. Onde estão os cientistas do Ministério da Saúde?

FERNANDO REINACH É BIÓLOGO

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