Por conta do meu penúltimo texto, sobre a Suécia, eu recebi um comentário:
As elites as quais a esquerda se refere são os verdadeiramente ricos, os que dão as cartas, não á classe média que compra carro e casa á prestação e pensa que é elite. As cotas são um meio ineficiente de diminuir o gap social entre etnias historicamente desprivilegiadas, escravizadas no caso do Brasil. Isso é diferente de imigração, portanto, o problema sueco é completamente diferente. Lá existia um equilíbrio que foi quebrado com a imigração, no Brasil nunca houve equilíbrio a ser quebrado. A sociedade sueca sempre foi igualitária até a chegada dos refugiados, enquanto a sociedade brasileira foi construída em torno da desigualdade, com base na mão de obra escrava, de uma escravidão que foi abolida sem levar em consideração as massas de desempregados que veio com ela. O problema sueco está na incapacidade de fazer prevalecer a sua cultura, enquanto o Brasil precisa consertar erros do passado pra que sua cultura seja construída de forma igualitária. Não gosto de cotas, penso que essas perpetuam a desigualdade, mas reconheço que algo precisa ser feito pra mudar essa condição, pra que no futuro possamos nos orgulhar de ter construído uma sociedade justa…
Antes de mais nada, independente do teor da crítica ou comentário, eu aprecio o tipo que ataca o conteúdo e não apela para a forma ou desvirtua denegrindo seu oponente. Eu discordo do comentário acima, em quase tudo, mas o ponto é que vale a pena discutir com gente assim. Simplesmente, vale a pena, pois se aprende mutuamente ou, se no limite, não se aprende com o ponto de vista adverso, se aprende ao tentar rebuscar nosso argumento. Então vamos lá…
Quem são os ricos que a Esquerda destesta?
A Esquerda se refere a ricos, ricos sim quando pensa em termos marxistas, como uma classe detentora dos meios de produção extraindo a mais-valia de outra, ou seja, explorando-a. Mas isso que está fundamentalmente errado, pois não há uma classe com posse de meios de produção necessariamente com maior renda que aqueles que não os têm. Por duas razões: a composição e o modo como as classes se estruturam mudou bastante desde a época de Karl, hoje em dia nós temos muito mais gerentes e grandes acionistas que dividem seus investimentos em vários fundos sem, necessariamente, deter os meios de produção de grupos industriais, agrícolas ou extrativistas específicos. Em se tratando de Brasil, a burocracia governamental ou para-governamental tem muito mais poder e dinheiro do que empreendedores privados, o que denota que este terceiro elemento, o estado não é levado na devida conta pelos marxistas (basicamente porque Marx não tinha uma Teoria do Estado). Veja aqui quem pertence a posição dominante na estratificação social brasileira:
Elite estatal ocupa 6 das 10 profissões mais bem pagas @estadao: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,elite-estatal-ocupa6-das-10-profissoes-mais-bem-pagas,10000081214
Por outro lado, os esquerdistas de hoje estão mergulhados de tal forma em um mar de ignorância e imbecilidade que seus argumentos (se é que se podem chamá-los disso) beiram o puro preconceito e antipatia irracional. O caso mais conhecido é de Marilena Chauí, professora de filosofia da USP e típico exemplo de elite estatal, muito bem remunerada, diga-se de passagem. Vejamos o que ela diz:
https://youtu.be/svsMNFkQCHY
Entre outras asneiras, a professora opõe a classe média aos “trabalhadores”, como se ela própria não fosse constituída, majoritariamente, por membros da População Economicamente Ativa (P.E.A.), isto é, trabalhadores de fato. Marilena Chauí perdeu uma maravilhosa chance de calar a boca e demonstrou toda sua ignorância em (a) termos marxistas, pois as classes médias não faziam parte do “motor da história”, não executavam a exploração, nem eram exploradas; (b) em termos conjunturais, pois contradiz a própria alegação auto-meritória de seu partido, o PT, que diz “ter aumentado a classe média brasileira” ao colocar milhões de brasileiros no mercado consumidor com seu Bolsa-Família:
35 milhões de pessoas ascenderam à classe média https://exame.abril.com.br/brasil/35-milhoes-de-pessoas-ascenderam-a-classe-media/ via @exame
Muito embora, a incorporação dessas dezenas de milhões a um estrato social intermediário tenha sido mais a um estratagema estatístico do que à distribuição de renda compulsória:
Depois de inventar a classe média dos R$ 300, PT está prestes a declarar oficialmente o fim da miséria que, a rigor, já não existia. Veja como e por quê https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/depois-de-inventar-a-classe-media-dos-r-300-pt-esta-prestes-a-declarar-oficialmente-o-fim-da-miseria-que-a-rigor-ja-nao-existia-veja-como-e-por-que/ via @VEJA
As cotas raciais criam uma elite entre negros, pardos e indígenas
Até do ponto de vista esquerdista, que se apoia basicamente na ideia de transferência de renda, as cotas raciais para serviços públicos ou universidades é um anacronismo. Em primeiro lugar porque no Brasil, pardos não são minoritários. Então, as cotas seriam para a maioria e não para um “grupo desprivilegiado”. Para ser coerente com seu propósito, negros, pardos e indígenas teriam que somar cerca de 12%, como é nos EUA, de onde foi importada a ideia. Em segundo, quando se facilita a entrada desses grupos em universidades concorridas, se privilegia negros, pardos e indígenas que já concluíram o ensino médio, ou seja, justamente aqueles que já se encontram melhor situados do que a imensa maioria que sequer termina o ensino fundamental. Estes, especificamente, não têm nada, não ganham nada e ainda têm que sofrer com um lixo de ensino, haja vista as péssimas colocações que a educação brasileira alcança em rankings e avaliações internacionais. Portanto, se quisessem, realmente, melhorar a condição de vida desses “desprivilegiados”, o ensino básico (fundamental e médio) é que deveriam ser melhorados, muito. Nada disso é feito porque, entre outros problemas, teria que se brigar com uma categoria organizada e extremamente avessa às mudanças formada pelos professores.
Ainda dentro da perspectiva de Esquerda, calcada na redistribuição compulsória de renda, se fosse para atingir resultados mais tangíveis e não estimular o preconceito e retórica racista de “eu sou negro”, “seu mérito e sucesso são herdados da exploração que seus antepassados cometeram contra os meus” ou argumentos similares, as cotas sociais seriam mais eficazes. Mas aí, nem sempre pardos, negros e indígenas seriam os maiores beneficiários. Basta pensar que em estados como Santa Catarina, com maioria absoluta de brancos, os pobres deste grupo é que seriam os mais atingidos por tais programas.
O passado de riqueza da Suécia pode não ser suficiente para garantir sua prosperidade
Muitos acham indevidas as comparações entre a violência étnica na Suécia após a inundação de sua população por refugiados e imigrantes. Deixe-me explicar um coisa, comparar é justamente o que se faz com realidades diferentes para se avaliar causas, processos e resultados similares e/ou distintos. Se procurássemos só realidades próximos estaríamos equiparando, o que não é o caso entre Brasil e Suécia. É claro que as causas da violência neste e naquele país são pra lá de diferentes, ninguém negou isto! O que se tem que avaliar é que há processos similares, quer seja pelo “garantismo jurídico” que trata bandidos como “vítimas sociais” aqui no Brasil, quer seja pelo ressentimento que povos de Primeiro Mundo têm com relação aos imigrantes por vê-los como “vítimas históricas” na Suécia e na Europa Ocidental, o resultado é um: o recrudescimento da violência.
Pode ser diferente? Sim, pode. Mas para tanto, imigrantes e pobres não têm que ter privilégios e benefícios têm que estar computados em um processo de crescimento intelectual e pessoal, isto é, como estudos garantidos para incorporação no mercado de trabalho. O resto da vida cada um resolve e desenvolve como quer, desde que não se agrida quem pensa diferente. Portanto, se a tua religião — ou a maneira como interpreta sua religião — atenta claramente contra o modo de vida do país que o recebeu ou se tua posição na escala social dificulta seu crescimento profissional e qualidade de vida, tu só pode ter um caminho: o trabalho independente com respeito às demais culturas todas sob a mesma lei. Se não for assim, meu caro, volte para o buraco de onde veio.
E, ironicamente, o que está na raiz disto tudo é uma forma inconfessa de elogio, a inveja. Quando eu invejo alguém, eu queria ser esse alguém, mas como não posso, quero destruí-lo. É isso que está na raiz de toda essa violência.
Abraço,
Anselmo Heidrich
16–08–2018
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