Quando eu tinha 18 anos, no início do meu curso de Geografia, na UFRGS visitei o acampamento do MST, na Fazenda Annoni, próximo a Passo Fundo, RS. Aquilo era o embrião do que seria um pólo nacional de um dos mais influentes movimentos sociais da política nacional, o que não é necessariamente um elogio porque não explica que tipo de influência se trata. Antes de migrar filosófica e ideologicamente, eu, como a maioria dos jovens de nossa geração tínhamos desprezo pela ditadura no poder e ignorávamos solenemente a história do país, exceto aquela contada maniqueisticamente por nossos professores… De História. Então é claro que ao visitar o acampamento de sem-terras, nós fomos com o olhar totalmente enviesado, mente doutrinada e sentimento condicionado.
O acampamento me impressionou, pois vi um nível de limpeza que não via em outro lugar. Os cães de guarda (sim, eles tinham um esquema de vigilância) não andavam soltos e, os que vi, ficavam na corrente. Também vi escolas e postos de saúde e perguntei de onde tinha vindo dinheiro — de fora, de grupos, associações no estrangeiro — foi a resposta. Mais tarde entendi perfeitamente o porquê, com o nível de ingerência da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e diversas campanhas internacionais que a era da internet nos mostra, já dá uma ideia do que ocorria nos bastidores em que não participávamos, embora com menos velocidade e interação múltipla do que ocorre em nossas páginas e sites de hoje em dia.
Sabe… Quando Paulo Freire, Frei Betto, Leonardo Boff e todo esse pessoal se aproximou da Esquerda, este foi um presente dos céus (ou dos infernos) para ela. Sem o apelo religioso, nada disso teria atingido o sucesso que conhecemos. Quer, portanto, achar um grande culpado por nosso estado de coisas não olhe apenas para a CUT, o PT e os sindicatos, mas para os padres de esquerda. Foram eles que permitiram este salto quântico na força da esquerda latino-americana. Como uma força de reação a evangelização missionária dos americanos, a Igreja Católica se repaginou se vestindo com as cores, uniforme, boina e discurso automático dos companheiros de Fidel.
Só para ilustrar um fato curioso desta época, quando estive no acampamento da Fazenda Annoni, as crianças de lá me seguiam e riam, pois nos anos 80 não era comum ver um sujeito com cara de hippie e cabelo até a cintura no interior. Daí, em meio ao alvoroço ouço uma dizendo “judeu!” Quase brinquei respondendo “judeu não, só ateu!”, mas deixei quieto. Vai que me chutam de vez dali. Na época achei estranho, mas depois entendi claramente, as aulas deles eram doutrinação explícita e a “visão social” associada à religião precisa de um bode expiatório. Até chegar no Capitalismo e a “zelite”, a doutrinação começa culpando os judeus por tudo que há de ruim no mundo. E vocês sabem onde isso acaba…
Quando migrei para S. Paulo para ingressar no mestrado em geografia na USP, me afastei gradualmente desse pessoal de Esquerda. Quanto mais eu convivia com eles, mais me dedicava a conhecer visões alternativas e opostas. O resto da história é conhecida de muitos, de esquerdista se passa a moderado e depois a anti-esquerda. Hoje migro para o equilíbrio moderado novamente devido ao crescimento de estupidez que vejo nos extremistas, mas isto fica para outro artigo.
Com o tempo, o MST se expandiu e agregou mais militantes que não tinham raízes, nem conhecimento, nem experiência na atividade agrícola. Ou seja, eram “sem terra” tanto quanto eu e você. Mas a rigor, como se definia um “sem terra”? Alguém que trabalhava na agricultura e não tinha mais propriedade ou nunca teve? De Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST ficou mais conhecido pela sigla e não pela pureza de sua causa, também equivocada, diga-se de passagem. Porque não é importante ter terra, mas sim ter renda, trabalho e a maneira de obtê-la pela atividade na terra é uma visão condicionada por uma atividade do passado.
Aprendi a repetir muitas mentiras de meus professores, como arrendatários e empregados rurais terem pior condição de vida do que posseiros, como se o simples acesso à terra para trabalhar te elevasse a uma condição de vida superior. O que é um mito, o mito da “terra liberta”. Com o tempo, o MST se tornou uma indústria, a “indústria dos títulos de propriedade” adquiridos em conluio com agentes do estado que criaram critérios de produtividade que não condiziam com a realidade rural. Em um país com a 5ª maior extensão territorial do planeta, se briga pelo acesso a terras trabalhadas por quem chegou primeiro e que muitas vezes não tem seu título de propriedade por razões óbvias, a burocracia dificulta. E é claro que em um país de insegurança jurídica como o Brasil, a população se arma na medida do possível, os conflitos e choques são compreensíveis, mas não justificáveis. A ausência do estado e de leis corretas induz ao conflito e ele acontece.
Com a maior Reforma Agrária do Ocidente já feita no governo FHC (os petistas foram medíocres perto dele), a pobreza no campo não diminuiu, pois não há mais espaço para o sonho de uma agricultura de subsistência onde o produto excedente vale cada vez menos. Isto é condenação a morte por inanição a prazo. E o agricultor não o percebe, mas o líder do MST sim. Essas lideranças de movimentos usam e abusam deles com manifestações e cobrança de parcelas dos subsídios governamentais para seus assentados. Só que os governos doam dinheiro no primeiro ano de assentamento, depois cobram 20% de volta aumentando essa parcela gradualmente com o passar dos anos. E o MST é contra isto, é contra a inserção do assentado no mercado, como um produtor normal que toma crédito e paga por ele. Quando o MST fala em “ampliar recursos” entenda como “não pagar dívidas”, pois os recursos já existem. E nunca são suficientes.
O que não se divulga (e a oposição ao PT foi trouxa de não explorar o fato) é que há uma grande evasão de terras para assentados. Como a maioria dos sem-terra hoje já não tem mais nada a ver com agricultura, o pobre ou remediado das periferias urbanas preenche o exército de reserva para os movimentos sociais. São perfeitamente manipulados e tomam parte nisto porque há um claro incentivo governamental para tanto. É um jogo em que produtores reais perdem e pagam o pato pelos outros, oportunistas.
Colocados na parede, MST, sindicatos, teólogos de esquerda, “da libertação”, deputados e senadores petistas, professores universitários, estudantes que não estudam, artistas que não leem, toda essa horda irracional só terá uma saída: endossar a violência e o caos, pois já perderam na racionalidade.
Mais histórias tenho para contar e elas virão…
Anselmo Heidrich
18 ago. 2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário