quinta-feira, janeiro 30, 2020

O que um Ministro da Educação deveria fazer


Anselmo Heidrich[i]
Com a troca do Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez por Abraham Weintraub se esperava substituir um intelectual inapto para as atividades administrativas por um exímio gestor. Esta era a expectativa, esta foi a narrativa, mas passados nove meses não foi o que aconteceu, longe disso.
Na semana que passou, estudantes relataram erros na divulgação das notas do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Após o Ministro minimizar o problema atribuindo falhas a superlotação de inscritos, o Ministério Público Federal solicitou a suspensão das inscrições no sistema e alteração de seu calendário. Sobre as críticas ao Sisu, Weintraub reagiu dizendo que há “tem muita gente maldosa, que tem interesse em fazer terrorismo, espalhando mentira” ou são ligadas a um partido “radical de esquerda”.
Mas nada se aproveita do ministério sob comando de Weintraub? Sim, nem tudo foi em vão. Sua obsessão contra Paulo Freire é justificada. Freire era realmente péssimo, ele tinha uma linguagem diversionista, que não focava em seu objeto que, em tese, era educar dentro da compreensão e competência do ambiente escolar. Ao invés disso, fazia o que se convencionou chamar de “doutrinação”, mas que não passa da manipulação mais grotesca com mensagens subliminares (e às vezes nem tanto) em favor da revolução contra o capitalismo e a ordem democrática, aliada ao desprezo pelos métodos tradicionais de ensino, nem sempre defasados como dizem. Malgrado, isto por si só não justifica a inoperância e inépcia do atual Ministro da Educação.
O que se espera de um ministro de estado é que execute tarefas dirigindo sua área, no caso em questão, a educação, propondo algo a respeito e antes ainda, que tenha pesquisado sobre o assunto. Não é tão difícil quanto parece, existem dois temas que acho pertinentes e mais fáceis de executar. Comecemos com a pergunta: quais são os problemas e dificuldades que atingem a maioria dos professores?
A INDISCIPLINA
Claro que a maioria vai falar sobre salários, mas isto não é algo que seja da competência direta do MEC, como seriam outras demandas. E seja qual for a posição político-partidária ou ideológica dos professores, independente de qual seja sua visão de mundo, algo que os atinge em cheio, na sua maioria, é a malfadada indisciplina escolar.
Como se resolve isto? Como eu disse, o primeiro passo é a pesquisa. E há sim boas experiências no Brasil. Comecemos pelo óbvio, as escolas militares. Sei que alguns leitores irão se opor de imediato dizendo que não há como comparar, pois o militar é um indivíduo que tem todo um preparo prévio que permite a constituição de um ambiente educacional totalmente distinto. Minha discordância a este argumento é que eu não acredito que tenha que ser militar para aprender regras básicas de convivência no ambiente escolar. Eu poderia aqui dissertar em termos teóricos, mas vou ser mais direto: a escola no Brasil já foi muito melhor em termos disciplinares. Simplesmente, algo se perdeu ao longo de nossa história recente e eu tenho algumas dicas e uma delas é o poder de sanção atribuído ao professor.
Em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o promotor da Infância, Adolescência e Juventude do Ministério Público Estadual, Sérgio Harfouche criou um projeto, batizado de Programa de Conciliação para Prevenir Evasão e Violência Escolar (Proceve), que deu origem a um projeto de lei que consistia, basicamente, em obrigar os pais a assinar um termo de responsabilidade pela conduta de seus dependentes. Conhecida como Lei Harfouche, trata da indisciplina escolar. Na primeira ocorrência, o aluno recebe uma notificação, na segunda, alguma forma de ressarcimento deve ser estabelecida em atitudes compensatórias, seja pela depredação do patrimônio público, no caso, a escola, ou pela epidemia que assola o professorado, a ofensa pessoal.
Os opositores desse projeto insistem na tese de que “o aluno precisa ser conscientizado”. Deixe-me perguntar: quando vocês eram crianças mesmo, acham que os pais paravam no meio da rua e os conscientizavam de que era perigoso atravessar sem olhar para os lados ou acompanhado de um adulto? Antes de conscientizar, há o puro condicionamento por regras básicas de convivência. Depois de assimilado e reduzidas as chances de algo ruim acontecer é que se explica o porquê de se adotar um procedimento específico. Não há como, quando temos uma situação em que outros indivíduos podem estar em risco, explicar tudo a todos. Imagine você se cada um de nós tivesse que ter concordância e consentimento com regras de trânsito só após alguém poder nos explicar sua validade. Assim como temos a obrigação de saber determinadas regras de antemão no trânsito, como condutores ou passageiros, professores e alunos também têm este compromisso antes de pisar em uma sala de aula.
A “DOUTRINAÇÃO”
Outro ponto que considero fundamental em concordância com o Ministro e seu governo é o combate à doutrinação. Este sentido de “doutrinação” corresponde a uma narrativa e método de ensinar com fins escusos, normalmente, ideológicos e político-partidários. Pois bem, exceção feita àqueles legítimos casos de polícia em que professores são denunciados e, corretamente, expostos por fazerem clara apologia a um político, ideais utópicos ou pior, convocando os alunos à ação nas ruas, manifestações etc., há uma “doutrinação fina”, chamemos assim, que passa batido e nem sequer é percebida pela maioria de seus críticos: a que está nos livros didáticos.
Por que é importante combater esta? Porque o livro didático é uma espécie de manual para a maioria dos professores, que depende dele para orientar o conteúdo de suas aulas. Mas (isto é importante), também deveria ser a salvaguarda do aluno quando o professor estivesse fugindo do tema ou fazendo mal uso de sua posição privilegiada enquanto educador. Deveria servir como uma âncora ao aluno para não ser tragado pelas más interpretações e manipulações que alguns sedizentes professores lançam mão. O livro didático também deveria funcionar como aqueles códigos do consumidor que vemos depositados nos balcões das lojas para nossa segurança jurídica.
É difícil imaginar um ministro convocando uma equipe para analisar os livros que o próprio MEC indicou no passado, sugerindo retoques ou renovação de títulos a partir de critérios técnicos não doutrinários? Seis meses para isso, mais seis meses para confecção de novos materiais e em um ano temos uma produção realmente apropriada. Daí, a opção de colocar a bandeira ou o hino, tal como sugerido pelo Presidente da República, é secundária, pois enfatizar símbolos em detrimento do conteúdo literário, como se houvesse “muita coisa escrita” é prova de desconhecimento total do assunto, seus problemas, necessidades e soluções.
Há muito mais, evidentemente, que tem que ser discutido e proposto, mas só estas duas considerações já dariam uma nova cara à pasta e não fariam com que o MEC fosse um dos principais auto-sabotadores deste governo. Ficar batendo o pé ao dizer que quem nos critica é de Esquerda só prova uma coisa, que esse povo da Direita não é tão diferente assim de seus opositores, pois afinal, vivem de propaganda enquanto os problemas permanecem os mesmos. E já que o Ministério é o da Educação, uma boa forma de educar nossa sociedade é mostrar como se respeita o dinheiro público, não perdendo tanto tempo em redes sociais, como faz nosso ministro em seu Twitter. Ninguém precisa vê-lo tocando algum instrumento musical, como se isso fosse uma qualidade para um homem público, sobretudo quando ocorrem tantos sobressaltos em sua administração.

[i] Professor de Geografia e Mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo e coautor do livro Não Culpe o Capitalismo.

Imagem “Abraham Weintraub” (fonte): https://www.flickr.com/photos/palaciodoplanalto/47961129173/

Nenhum comentário:

Postar um comentário