Imagine
que tivéssemos uma máquina do tempo e viajássemos para qualquer lugar do Brasil
no início do século XX. E chegando nesta época conhecêssemos um cidadão de
classe média, que vivesse em uma cidadezinha afastada sem acesso a um serviço
médico permanente, sem água tratada e tivesse que içar um balde de
um poço para encher sua tina d’água diariamente, sem sistema de coleta de
dejetos, que com muito custo e dificuldade conseguisse poupar um dos
filhos da lida rural e o pusesse na escola para garantir uma vida melhor
(enquanto que todos os outros, normalmente mais de seis) o financiassem com seu
trabalho bruto. Este cidadão, no entanto, contava com uma casa humilde, porém
sua, mas tivesse que fazer uso de tração animal para se deslocar ao trabalho e
levar sua produção ao mercado local, pois não havia ainda veículos motorizados
que reduzissem o tempo e, portanto, o custo da produção e distribuição. Veja...
Este indivíduo, em relação à imensa maioria da população pobre era considerado “classe
média” e, nos comovendo com sua situação penosa de vida lhe propuséssemos o
seguinte “o Sr. gostaria de viajar conosco uns 80 anos para a frente e
desfrutar de uma vida muito, mas muuuiiitooo mais cômoda, com água quente e
frequente, luz ao simples toque, carroças que andam tão veloz quanto um pássaro,
todas as crianças com direito aos estudos, grandes armazéns com tantos produtos
que perderíamos dias contando seus itens e a mágica da cura e do tratamento na
maioria disponíveis em ‘balinhas’ etc.?” O cidadão, caso acreditasse em nós e não
tentasse nos internar, muito provavelmente aceitaria a oferta de pronto. Daí,
sabendo da posição que iria deter na escala social achamos por bem lhe dar o
aviso “mesmo estando em uma posição bem melhor que a atual neste bravo novo
mundo que irá se descortinar perante o Sr., devemos lhe informar que vossa
família estará situada em um dos níveis mais baixos de nossa sociedade. Mesmo tendo
todos estes itens de conforto disponíveis e de fácil acesso, alguém em situação
média deterá um nível socioeconômico muito superior ao Sr. e seus dependentes”.
Surpreso com esta informação, o cidadão pensa um pouco e diz “preciso refletir
melhor e consultar minha esposa...”
Caso
tenha entendido o que se passou aqui, o grande problema não é a desigualdade socioeconômica
e sim a pobreza absoluta, mas não é isso que, infelizmente, é percebido com
clareza. Para a maioria da sociedade,
uma situação melhor para cada unidade familiar não é percebida como tal se não deixamos
nosso vizinho “comendo poeira”, isto é, se não nos destacamos na escala social
porque, simplesmente, nossa percepção é relativista, toma parâmetros em comparação.
A desigualdade significa, em termos simples, em diversidade e o problema real é
a igualdade que nivela todos por baixo. O mau uso das palavras, seja na mídia,
seja na academia, no dia a dia enfim é que impede que tenhamos o foco nos reais
problemas dificultando o entendimento desta sociológica porque, na verdade,
somos reféns de uma psicológica, que tem a inveja como ponto nevrálgico: eu me comparo ao vizinho e não comigo mesmo,
eu quero demonstrar aos outros que estou melhor e não provar para mim mesmo que
lutei, cresci e venci.
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