O fracasso das ideologias de esquerda
no Séc. XX não pode ter contra-exemplos do Séc. XVIII, com a Rev. Francesa e
Americana a Rev. Gloriosa, no Séc. XVII por serem resultados dos movimentos “de
esquerda” de sua época, contra uma aristocracia e estado que subjugavam as
liberades. O século passado teve o lugar da esquerda tomado por movimentos de
ideologia coletivista diferente daqueles anteriores pautados nas liberdades
civis, individuais. Se ainda flexibilizarmos mais o conceito abarcando a
Social-Democracia, o primeiro país a aplicá-la teria sido a Nova Zelândia, país
colonizado por muitos britânicos do movimento operário, cujo governo surgiu no
último ano do Séc. XIX. A Social-Democracia fortalecida no século seguinte era
vista, no entanto, como um "desvio à direita" pelos mais puristas dos
movimentos comunista e anarquista, tanto que socialismo passa a se definir como uma oposição dentro do
movimento operário. A definição marxista de socialismo como um 'estágio' para o
comunismo não era consensual dentro do movimento operário, lembremos, mas ela
se tornou hegemônica na interpretação intelectual latino-americana devido a sua
formação sectária.
Tais observações se fazem necessárias
para contextualizarmos o que vem a ser ‘direita’ ou ‘esquerda’. Dependendo do
contexto histórico podemos ser uma coisa ou outra... Eu não me defino como
"de direita", embora não me sinta incomodado em ser chamado assim por
um esquerdista, de jeito nenhum. Acho didático, aliás, apesar de
empobrecedor... Quando vemos a miríade de movimentos direitistas, muitos dos
quais de tom claramente estatistas (proibição das drogas, contrários ao casamento
gay, antiambientalistas etc.) me posiciono, claramente, como um
"acorde dissonante". Recentemente fui chamado de 'comunista' por uma
fanática, porque muito do que vem a se chamar de 'direitista' hoje em dia é uma
massa acéfala de naipe religioso que transmutou deus e diabo para a esfera
política resumindo tudo em Ocidente vs. Comunismo ou, para alguns ainda,
Ocidente (cristão) vs. Islã. Ignoram solenemente a contribuição (decisiva) do
Renascimento e do Iluminismo à formação do Estado Laico que permitiu um maior
desenvolvimento do capitalismo. Esquecem, alguns convenientemente... Que o
capitalismo não iria longe sob o peso da Igreja devido à oposição desta ao
comércio fora de sua direção e restrição:
“(...) Decididamente os comerciantes ocupam grande espaço na Idade Média desejosa de mutação. Apesar da Igreja. Sejamos justos: o preconceito anticomercial não é unicamente dela. Vai ao encontro de uma inveterada desconfiança popular contra o intermediário, que vende o que não foi produzido por ele mesmo: ‘Capelista que vende de tudo nada faz’, diz o provérbio. A Igreja não se priva de ir ainda mais longe.“Ela decreta a proibição da atividade ‘comercial’ a seus próprios membros. O cânone 142 do Código de Direito Canônico é drástico: ‘É proibido aos clérigos exercer, para si ou para outrem, atividade nos negócios ou no comércio, seja em seu benefício, seja em benefício de terceiros’. “A proibição não tem em mira os leigos, mas predomina a ideia de que não se pode ser, ao mesmo tempo, comerciante e bom cristão: ‘Raramente, talvez nunca, um comerciante pode agradar a Deus’” (Alain Peyrefitte. A Sociedade de Confiança: ensaio sobre as origens e a natureza do desenvolvimento. Rio de Janeiro : Topbooks : IL, 1999, p.90. Grifos meus).
Acho importante estudarmos as
ideologias, mas mais como representações e entendimento do mundo pelos diversos
grupos do que explicações de fato. Ideologias podem ser poderosas forças
motivacionais, mas o curso dos acontecimentos dificilmente sai como previsto
idealmente. Por isto, o que quer que o movimento operário tenha defendido
durante os séculos XIX e XX não foi obra de sua exclusividade, mas resultado de
uma conjunção de forças que sem a acumulação capitalista da qual muitos se
opunham, não teria sido possível realizar. Avanços legislativos tais como horas
trabalhadas, direito à férias, licença-maternidade etc. atribuídos como
resultado dos movimentos de esquerda não teriam sido possível sem o avanço
daquilo que os comunistas mais demonizavam: a acumulação capitalista. Se isto
pode ser visto como “mérito da esquerda”, também o é todo resultado disso desalinhado da produtividade, isto é, sem preocupação com o caixa,
a responsabilidade fiscal e a capacidade de distribuir após o crescimento sustentável economicamente. Preceitos caros à chamada 'direita' são consenso hoje no mundo
desenvolvido, mas não para sociedades marcadas pelo populismo.
E o Brasil sofre com essa sanha
legiferante, na qual uma casta informal, os juristas definem para si o que é o
desenvolvimento. Se há um lugar onde o ethos capitalista não chegou, foi neste
cancro estatal brasileiro.
Bastante esclarecedor, como todos os seus artigos, e especialmente reflexivo. Você está repensando e redefinindo os conceitos HISTÓRICOS de direita e esquerda em seus MÉRITOS enquanto agentes transformadores (políticos, econômicos, sociais, filosóficos). Um caso de estudo acadêmico. Os luminares do Instituto Liberal PRECISAM ler isto.
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