quarta-feira, janeiro 04, 2017

Se há algum mérito na esquerda...


O fracasso das ideologias de esquerda no Séc. XX não pode ter contra-exemplos do Séc. XVIII, com a Rev. Francesa e Americana a Rev. Gloriosa, no Séc. XVII por serem resultados dos movimentos “de esquerda” de sua época, contra uma aristocracia e estado que subjugavam as liberades. O século passado teve o lugar da esquerda tomado por movimentos de ideologia coletivista diferente daqueles anteriores pautados nas liberdades civis, individuais. Se ainda flexibilizarmos mais o conceito abarcando a Social-Democracia, o primeiro país a aplicá-la teria sido a Nova Zelândia, país colonizado por muitos britânicos do movimento operário, cujo governo surgiu no último ano do Séc. XIX. A Social-Democracia fortalecida no século seguinte era vista, no entanto, como um "desvio à direita" pelos mais puristas dos movimentos comunista e anarquista, tanto que socialismo passa a se definir como uma oposição dentro do movimento operário. A definição marxista de socialismo como um 'estágio' para o comunismo não era consensual dentro do movimento operário, lembremos, mas ela se tornou hegemônica na interpretação intelectual latino-americana devido a sua formação sectária.

Tais observações se fazem necessárias para contextualizarmos o que vem a ser ‘direita’ ou ‘esquerda’. Dependendo do contexto histórico podemos ser uma coisa ou outra... Eu não me defino como "de direita", embora não me sinta incomodado em ser chamado assim por um esquerdista, de jeito nenhum. Acho didático, aliás, apesar de empobrecedor... Quando vemos a miríade de movimentos direitistas, muitos dos quais de tom claramente estatistas (proibição das drogas, contrários ao casamento gay, antiambientalistas etc.) me posiciono, claramente, como um "acorde dissonante". Recentemente fui chamado de 'comunista' por uma fanática, porque muito do que vem a se chamar de 'direitista' hoje em dia é uma massa acéfala de naipe religioso que transmutou deus e diabo para a esfera política resumindo tudo em Ocidente vs. Comunismo ou, para alguns ainda, Ocidente (cristão) vs. Islã. Ignoram solenemente a contribuição (decisiva) do Renascimento e do Iluminismo à formação do Estado Laico que permitiu um maior desenvolvimento do capitalismo. Esquecem, alguns convenientemente... Que o capitalismo não iria longe sob o peso da Igreja devido à oposição desta ao comércio fora de sua direção e restrição:

“(...) Decididamente os comerciantes ocupam grande espaço na Idade Média desejosa de mutação. Apesar da Igreja. Sejamos justos: o preconceito anticomercial não é unicamente dela. Vai ao encontro de uma inveterada desconfiança popular contra o intermediário, que vende o que não foi produzido por ele mesmo: ‘Capelista que vende de tudo nada faz’, diz o provérbio. A Igreja não se priva de ir ainda mais longe.“Ela decreta a proibição da atividade ‘comercial’ a seus próprios membros. O cânone 142 do Código de Direito Canônico é drástico: ‘É proibido aos clérigos exercer, para si ou para outrem, atividade nos negócios ou no comércio, seja em seu benefício, seja em benefício de terceiros’. “A proibição não tem em mira os leigos, mas predomina a ideia de que não se pode ser, ao mesmo tempo, comerciante e bom cristão: ‘Raramente, talvez nunca, um comerciante pode agradar a Deus’” (Alain Peyrefitte. A Sociedade de Confiança: ensaio sobre as origens e a natureza do desenvolvimento. Rio de Janeiro : Topbooks : IL, 1999, p.90. Grifos meus).

Acho importante estudarmos as ideologias, mas mais como representações e entendimento do mundo pelos diversos grupos do que explicações de fato. Ideologias podem ser poderosas forças motivacionais, mas o curso dos acontecimentos dificilmente sai como previsto idealmente. Por isto, o que quer que o movimento operário tenha defendido durante os séculos XIX e XX não foi obra de sua exclusividade, mas resultado de uma conjunção de forças que sem a acumulação capitalista da qual muitos se opunham, não teria sido possível realizar. Avanços legislativos tais como horas trabalhadas, direito à férias, licença-maternidade etc. atribuídos como resultado dos movimentos de esquerda não teriam sido possível sem o avanço daquilo que os comunistas mais demonizavam: a acumulação capitalista. Se isto pode ser visto como “mérito da esquerda”, também o é todo resultado disso desalinhado da produtividade, isto é, sem preocupação com o caixa, a responsabilidade fiscal e a capacidade de distribuir após o crescimento sustentável economicamente. Preceitos caros à chamada 'direita' são consenso hoje no mundo desenvolvido, mas não para sociedades marcadas pelo populismo. 

E o Brasil sofre com essa sanha legiferante, na qual uma casta informal, os juristas definem para si o que é o desenvolvimento. Se há um lugar onde o ethos capitalista não chegou, foi neste cancro estatal brasileiro.



Um comentário:

  1. Bastante esclarecedor, como todos os seus artigos, e especialmente reflexivo. Você está repensando e redefinindo os conceitos HISTÓRICOS de direita e esquerda em seus MÉRITOS enquanto agentes transformadores (políticos, econômicos, sociais, filosóficos). Um caso de estudo acadêmico. Os luminares do Instituto Liberal PRECISAM ler isto.

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