Sempre percebi o rock como um gênero ligado a visões de mundo questionadoras e tinha como objetivo investigar a relação entre concepções musicais e política. No início de meu campo, surpreendi-me pelo fato de que poucas bandas apresentavam letras com temas políticos (...) Aos poucos, percebi que sua visão questionadora não era articulada pelo discurso verbal, mas na própria forma de conceber a música. (...)Vale retomar aqui a relação paradoxal entre a forma adorniana de conceber arte e a visão de mundo dos músicos. Para Adorno, hedonismo e diletantismo seriam características próprias à música vinculada à indústria cultural. Adorno critica a racionalização da música enquanto mercadoria, mas não sua racionalização interna, aquela apontada por Weber. O intelecto desempenha um importante papel na concepção artística adorniana. Assim, repare-se que a oposição entre arte e comércio própria à abordagem adorniana é concebida e construída de forma particular no universo das bandas.A originalidade, tão importante para o rock, é uma forma de conquista de um território simbólico demarcado por uma visão de mundo que prioriza o prazer e a diversão em detrimento de trabalho, mecanização e obrigação. É disso que trata a questão da "ideologia da banda". Por meio de sua proposta original, não corrompida pela "comercialização", a banda constrói um universo particular que expressa sua visão de mundo. Quando deixa de seguir suas concepções, cedendo aos "padrões" racionalizados da comercialização, abandona esse universo. (...)
Só quem não conhece o trabalho musical de centenas de grupos de rock para falar tanto e tão confuso assim. Primeiro lugar, música é trabalho sim, incansáveis shows, treino e horas compondo. Se no meio de tudo isto sobra espaço para diversão, muitas vezes se faz uso de drogas para aguentar o pique, que acaba sendo contraproducente ao longo do tempo por diversos fatores... Mas, o que mais me irrita na montanha de bobagens acima é a tentativa (pseudo-)intelectual de justificar o trabalho anárquico da composição artística por racionalizações e conceituações de um Adorno, quem provavelmente desaprovaria o rock assim como já desaprovou o jazz em outras oportunidades. Quanto a Weber então, por desencantamento do mundo, ele nunca quis dizer que não sobraria espaço para arte e/ou diversão. Se tratava de outro conceito... Weber estava se referindo a racionalização do mundo e a busca pela explicação baseada em teorias não mágicas, calcada no mais das vezes em fatos. Isto não significa em hipótese nenhuma que a criação artística não tenha o objetivo assegurado de sensibilizar seus apreciadores. A doutoranda aí confundiu alhos com bugalhos.
Ora, obviamente, que a originalidade não é para todos. O mesmo vale para outros estilos musicais. Atribuir, portanto, a falta de criatividade a um vínculo comercial mais intenso é uma estupidez. Há quem o vincule ao capitalismo ou até mesmo a todo o Ocidente. Qualquer sociedade atual a tem, em maior ou menor grau. No Islã, assim como na China existem hits prá lá de bregas associados a melodias típicas. E por falar em uniformização, se esquece que muitas culturas tradicionais estão, neste presente momento, sendo suprimidas, esmagadas por outras que atuam na forma de um verdadeiro imperialismo cultural. A música berbere dos Montes Atlas no Magreb, p.ex., está sendo atacada pelo imperialismo cultural árabe e muçulmano naquela parte do continente africano. Assim como esta, outras culturas étnicas vêm sendo continuamente sufocadas. E não é de hoje... Foi assim com a cultura celta, da dança das jigas, perseguida constantemente pelo domínio católico etc. Há coisas que não devem ser ignoradas: religião é domínio e não há nada mais uniformizador do que isto. Nesse contexto, o capitalismo é fichinha, coisa de criança. Se há algum mal à cultura sob o capitalismo é o "capitalismo de pobre", aquele com pouca diversidade de consumo, pois nos países centrais, a "cauda do dragão", i.e., o consumo de elite intelectual é que permite que músicos e artistas étnicos sobrevivam em condições muito melhores do que o fariam em suas miseráveis tribos sob isolamento geográfico e social presas nas malhas da subsistência. A propósito recomendo o selo nova-iorquino Ellipsis Arts CDs que promove trabalhos de rincões esquecidos da Terra. Os músicos depois têm espaço para shows e reconhecimento que lhes garante mais do que só dinheiro, lhes garante a perpetuação de uma arte esquecida. Além disso, os festivais permitem trocas de influência e estilos que cria novos caminhos artísticos que o solilóquio sequer poderia imaginar.
Aprendamos pois, não há um capitalismo, mas capitalismos porque enfatizar a análise no modo de produção e uma mítica "indústria cultural" não passa de vício intelectual marxista, o que afinal faz a Escola de Frankfurt apenas com mais refinamento. Pensar a cultura sem sua capacidade de reação e transformação é uma verdadeira surdez dos sentidos.
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