segunda-feira, julho 18, 2011

Voltaire


Sou uma parte insignificante do grande todo.É verdade; mas todos os animais condenados a viver,Todas as criaturas sensíveis, nascidas sob a mesma severa lei,Sofrem como eu e como eu também vem a morrer.
O abutre agarra-se a sua tímida presaE fere com o bico sanguinário os membros trêmulos;Tudo vai bem, assim parece, para ele. Mas pouco depoisUma águia despedaça com suas garras o abutre;A águia é trespassada pela seta do homem;O homem, prostrado no pó dos campos de batalha,Misturando na agonia o sangue ao dos semelhantes,Passa a ser por sua vez alimento das aves famintas.
E assim o mundo inteiro geme em cada um dos membros:Todos nascidos para o sofrimento e a morte mútua.
E com relação a este caos terrível direisOs males de cada um fazem o bem de todos!Que bem-aventurança! E quando, com voz trêmula,Mortal e lastimosa proclamais: “Tudo vai bem,”O universo vos desmente e vosso coraçãoContradiz cem vezes o conceito de vossa mente.
Qual é o veredicto da Mente Suprema?Silencio: O livro do destino está fechado para nós.
O homem é um desconhecido para si próprio;Não sabe de onde vem e nem para onde vai.
Átomos atormentados num leito de lamaDevorados pela morte, um escárnio do destino;Mas átomos pensantes, cujos olhos de ampla visão,Guiados pelo raciocínio, estudaram as estrelas,Nosso ser confunde-se com o infinito;A nós mesmos nunca chegamos a ver ou conhecer.
Este mundo, este palco de orgulho e de erros,Está apinhado de tolos que falam e felicidade....
Houve tempos em que cantei, em tom menos lúgubre,As alegrias do império jovial dos prazeres;Os tempos mudaram e, com a experiência da idade,Participando da fragilidade do gênero humano,Procurando uma luz por entre a escuridão crescente,Posso apenas sofrer, porem, não me lamentarei.

Voltaire

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