Grosso modo, se pode dizer que há três métodos para se entender o mundo:
1. causalidade, muito usada nas ciências físicas: b por causa de a;
2. funcionalismo, muito usado nas ciências biológicas: b acontece para um bem maior do 'sistema';
3. estratégia, que deveria ser usada nas ciências sociais: b quer x, mas faz y por que a pode usar x.
Acontece que quem diz que em um ecossistema também não há estratégia e que esta só valeria para um sociossistema?
As chamadas ciências humanas procuram caminhos fáceis – herdados ciências biológicas do séc. XIX – onde os acontecimentos fazem parte de um processo que caminha para um determinado fim. É o caso da história para Marx, p.ex., onde o objetivo aponta um bem maior, o comunismo.
Para não sermos reféns de nenhum pensamento sistemático desses se faz necessário indagar qual dessas metodologias são utilizadas em uma análise. Por mais fraca ou imaginativa que sejam, muitas teses se baseiam em pressupostos fáceis de desconstruir.
Como fazemos para descobrir os pressupostos de certas análises, então? Testando sua extensão, i.e., trazendo mais fatos à tona para ver se são sustentados pelas explicações.
Agora tentem encaixar o excerto abaixo em uma dessas metodologias:
(...)
Ora, no caso norueguês a única campanha de propaganda que se observou foi voltada contra o próprio terrorista, mas associando-o a evidentes bodes expiatórios, os sionistas e os cristãos conservadores. A regra áurea, na análise de atentados terroristas, é: veja contra quem vai a campanha que se segue, e entenda que a autoria do crime vem necessariamente da direção oposta.
O próprio Anders Behring Breivik deu-nos uma indicação preciosa ao declarar, no seu Manifesto, que não era um cristão, mas apenas um darwiniano persuadido de que a civilização cristã Ocidental era evolutivamente superior às outras. Isso não apenas desmentia a versão oficial da "grande mídia", mas alinhava decididamente Breivik no padrão ideológico da Nouvelle Droite Francesa, materialista e evolucionista, chefiada por Alain de Benoist.
E outra coisa que os iluminados comentaristas políticos não sabem é que a Nouvelle Droite é uma aliada incondicional... do "projeto Eurasiano" de Alexandre Duguin e Vladimir Putin!
Baseado nessa informação, anunciei no meu programa True Outspeak, de 27 de julho último, que, por trás de todas tentativas perversas de inculpar sionistas e cristãos, a verdade não tardaria em aparecer ostentando na testa um rótulo de três letras: K,G,B, ou, em versão modificada pela enésima vez, F,S,B.
Não tardou nem 48 horas: sexta-feira, 29, recebi da minha amiga romena Anca Cernea esta notícia da agência russa RiaNovosti: Breivik esteve várias vezes na Belorússia, aí recebendo treinamento terrorista da seção local da FSB (v. http://en.rian.ru/world/ 20110728/165436665.html).
É verdade que aí ele teve também contato com um "extremista de direita", Viacheslav Datsik, mas Datsik, preso na Noruega por contrabando de armas, acabou confessando que trabalhava para a FSB.
Para tornar as coisas ainda mais claras, Breivik, no seu Manifesto (v. http://www.asianews.it/news-en/Russia-as-the-mass-murderer%E2%80%99s-political-model-22193.html) declara
que o alvo ideal de sua luta seria substituir a estrutura política europeia, que ele qualifica de "disfuncional", por um modelo de democracia autoritária "similar à da Rússia" (sic).
que o alvo ideal de sua luta seria substituir a estrutura política europeia, que ele qualifica de "disfuncional", por um modelo de democracia autoritária "similar à da Rússia" (sic).
E, de quebra, faz os maiores louvores a Vladimir Putin.
Completando o quadro, o interesse russo em desestabilizar o governo norueguês é o mais óbvio possível: a Noruega é o único concorrente da Rússia no fornecimento de gás ao continente europeu - quer dizer, o único obstáculo que se opõe ao sonho de Vladimir Putin, de um dia colocar a Europa de joelhos mediante a simples ameaça de fechar a torneira.
Como responder a esse tiroteio? Creio que o próprio Olavo de Carvalho (OC) dá a dica, em outro de seus imaginativos textos:
(...)
Não entenderam nada? Não é mesmo para entender. Já expliquei mil vezes que a técnica da difamação exige atacar a vítima por vários lados, sob pretextos mutuamente contraditórios, para confundir e paralisar a defesa, obrigando-a a combater em dois ou mais fronts ao mesmo tempo e a usar de uma argumentação complexa, com aparência sofística, incapaz de fazer face à força maciça da acusação irracional.
A confusão que OC faz é proposital. Se o autor se declara “cristão”, de repente não o é porque admira o darwinismo. Mas, que darwinista se declararia também cristão? Ou seja, vale desmoralizá-lo acusando-o de darwinista, mas de jeito nenhum como cristão, pois não é um “puro”, seja lá o que isto quer dizer. Agora me digam leitores, quais formas puras de cristianismo que existem? Ou de outra forma, o que é mais fácil encontrarmos? Cristãos de várias seitas ou darwinistas que imaginam teorias evolutivas a seu bel prazer? Se há algum vínculo maior de Breivik este é com qualquer coisa que justifique seu ódio ao imigrante que pode ser um cristianismo ou um darwinismo distorcido. Qualquer coisa. Só um imbecil para querer atribuir o CEP da insanidade a uma filosofia, uma teologia ou uma ciência.
Óbvio que o sujeito deveria admirar um regime autoritário se era contra o atual governo democrático e estado de direito norueguês. Não é de admirar que busque um modelo de oposição regional, que tem sido simbolizado historicamente pela Rússia. Mas, como justificar o interesse russo num maluco insignificante? Baseando-se no velho argumento do hidrocarboneto, dos tesouros nacionais. Não foi assim que as esquerdas acusaram os EUA de promoverem a guerra ao Iraque? Embora houvesse fortes razões econômicas, mesmo para que a guerra não fosse viabilizada, sendo muito mais em conta a simples importação da matéria prima.
O funcionalismo de OC parece se confirmar com um simples interesse na Rússia manter seu monopólio da distribuição de petróleo na Europa. Ora! Financiar um terrorista para atos tresloucados traz o risco de efeitos claramente contraproducentes. Além, é claro, de tirando a Noruega do cenário da competição no Mar do Norte (como a Rússia teria acesso a tais áreas?) surgiriam neste vácuo de poder vários concorrentes com clara vantagem locacional, como o Reino Unido e a própria Suécia. Se até com a pequena Geórgia, a Rússia teve que deslocar um imenso efetivo para garantir a inviabilidade da distribuição de óleo e gás a partir do Mar Cáspio numa operação claramente imperialista, como poderia fazê-lo com a Noruega? País que, aliás, já tem clareza total das disputas com o gigante russo. A propósito, há um site de um instituto que se dedica praticamente todo a analisar a questão: GeoPolitics in the High North - Home .
E não é de hoje o interesse comum para vários países sobre a região:
Sob controle de oito países, o Ártico tem sido alvo de disputas territoriais, pesquisas científicas e estudos comerciais. Graças ao aquecimento global, o degelo das calotas polares tem ampliado as possibilidades econômicas na região.
Além de uma nova fronteira para a exploração de petróleo, o derretimento do gelo também abre uma rota comercial alternativa para o transporte de produtos para a China. Atualmente, a região é monitorada pelo chamado Conselho Ártico, composto por Canadá, Estados Unidos, Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia, Suécia e Dinamarca.
(...)
Mas ainda há o vínculo ideológico, a FSB, ex-KGB... Só esqueceram de dizer a OC, que isto não importa mais, se é que algum dia realmente importou. O serviço secreto russo buscar informantes e, oferecer algo em troca é plenamente factível, assim como o próprio EUA no passado fez com elementos do Talebã. Isto, por si só, mostra algo muito mais duradouro que ideologias de ocasião – o comunismo, o liberalismo –, mostra os interesses de estado e sua “aliança” com quem quer que lhes dê algo em troca.
Agora, duvido muito que os russos confiassem numa estratégia dessas. Ou Olavo de Carvalho é um paranóide (o que creio ser o caso mesmo) ou Moscou tem antas no seu serviço de inteligência, pois não é possível ser tão contraproducente assim e achar que terrorismo enfraquece um estado de direito, economia sólida, maior IDH mundial e uma população com forte espírito de solidariedade e civilidade. Só mesmo um completo ignóbil para aventar uma tese maluca dessas.
Resumindo, OC desdenha da capacidade estratégica dos indivíduos em teatro de guerras e na política. Para ele, assim como outros malucos de esquerda também, tudo funciona para algo... O chamado funcionalismo de uma ciência biológica já ultrapassada como explicado no início do texto. Conseqüências de um ato servem de motivo, invertendo temporalmente a relação de causa e efeito. No funcionalismo metodológico, o fim ou objetivo de uma ação não é o desejo de atingir um objetivo, mas sim uma causa que condiciona tudo que está na própria conseqüência do ato. Para OC, Breivik não seria um psicopata que buscou uma razão ideológica qualquer contra o que odiava, ele foi um instrumento de um processo de implantação de um governo mundial comunista. Contra isto, não basta dizer que há n possibilidades do tiro sair pela culatra e, que também existem inúmeras chances de fracasso do suposto plano global. Para quem tem fé cega em um esquema diabólico (como justificativa para sua fé em algo divino), toda ação corresponde a uma intenção supra-individual que move os indivíduos como peões num xadrez global. Sinceramente, isto é desdenhar demais da capacidade de inteligência de atores geopolíticos. Essa gente vive de uma subliteratura sem apreço à história e ao rigor factual, só pode.
A propósito, se a Rússia quiser então assumir todas as reservas árticas, vai ter que financiar muito terrorismo por aí. Veja os países interessados na região:
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