A teoria dos "ódios de classe" e a massificação dos intelectuais brasileiros
Utilizando como fio condutor uma entrevista do ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira tecemos breves considerações sobre as origens, os desdobramentos e a influência exercida pelo que chamamos "Teoria dos Ódios de Classe". Inicialmente formulada por intelectuais como a filósofa Marilena Chauí (USP) tal ideologia permeou a mídia e o cotidiano, bem como a academia e os negócios
José Roberto, 2 de março de 2015
A semana que se iniciou, assim como a anterior, assim o fez sob efeito de mais uma manifestação de intelectuais acadêmicos com respeito aos rumos da política nacional, o aprofundamento dos prospectos de crise econômica e recessão e de expectativas pessimistas de deperecimento institucional do país.
Desta vez, ao invés de se verificar que o protagonista dos eventos era um petista histórico o que se tem é justamente a mensagem de um ex-ministro do governo tucano que precedeu o do Partido dos Trabalhadores. A saber o economista Luiz Carlos Bresser Pereira.
Reproduzamos aqui parte de sua fala com seus argumentos no jornal Folha de S. Paulo( Aqui):
"Surgiu um fenômeno que eu nunca tinha visto no Brasil. De
repente, vi um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, contra um
partido e uma presidente. Não era preocupação ou medo. Era ódio".
"Aí vem o Lula, que se propõe a formar novamente um pacto nacional-popular, com empresários industriais, trabalhadores, setores da burocracia pública e da classe média baixa. O governo terminou de forma quase triunfal, com crescimento de 7,4%, e prestígio internacional muito grande. Mas esse pacto desmoronou nos dois últimos anos do governo Dilma."
"Por quê? (Pergunta da Folha)
"O motivo principal foi que o desenvolvimento não veio. De repente, voltamos a crescer 1%. Houve erros nos preços da Petrobras e na energia elétrica. E o mensalão. Aí os economistas liberais começaram a falar forte e bravos novamente, pregar abertura comercial absoluta, dizer que empresários brasileiros são todos incompetentes e altamente protegidos, quando eles têm uma desvantagem competitiva imensa.É o que explica o desparecimento de centenas de milhares de empresas. O pacto político nacional-popular... A burguesia voltou a se unificar."
"Dilma está na direção certa? (Pergunta da Folha)
Claro. Mas não vai se resolver nada enquanto os brasileiros não se derem conta de que há um problema estrutural, a doença holandesa. Enquanto houver política de controle da inflação por meio de câmbio e política de crescimento com poupança externa e âncora cambial, não há santo que faça o país crescer. Juros altos só se justificam pelo poder dos rentistas e do sistema financeiro. Falar em taxa alta para controlar inflação não tem sentido.Qual pacto seria necessário?Um pacto desenvolvimentista que una trabalhadores, empresários do setor produtivo, burocracia pública e amplos setores da baixa classe média. Contra quem? Os capitalistas rentistas, os financistas que administram seus negócios, os 80% dos economistas pagos pelo setor financeiro e os estrangeiros."
Bresser Pereira como se nota repisou a "teoria do odio de classe" da filósofa uspiana Marilena Chaui e similares (sobre a qual falaremos a seguir neste artigo e em outros).
Nem parece se recordar do odio de que foi alvo quando passou pelo MARE, nos anos 1990, e aprovou a Emenda Constitucional n° 19/1998, levando adiante a reforma administrativa.
Talvez nem se recorde dos livros que escrevera nas decadas passadas prevendo a inaptidão do PT para um projeto de modernização política e institucional no Brasil (na epoca ele preferia o PMDB ulyssista).
É no minimo ironico como o Petismo se apoia cada vez mais em gente que ele espezinhava ou abominava (vide Delfin) e cada vez menos em seus proprios intelectuais - a cada "manifesto" ou carta são menos signatarios. Porquê será?
Por fim, sobre o lead da entrevista, somente se pode dizer uma coisa sociologicamente: individuos tem sentimentos. Coletividades não. Qualquer assertiva que ultrapasse isto é falacia ecologica.
Em outras palavras, Bresser parece vivenciar um momento do tipo "esqueçam o que eu escrevi". Comparemos com que o ex-ministro disse esta semana com o que ele dizia em 2005. (Aqui)
Passemos ao exame do que aqui chamamos de "Teoria dos Ódios de Classe" e à maneira como esta impregna o cotidiano político do país - segundo o descrevem alguns e à maneira como alguns fazem dela arma de combate ideológico contra seus oponentes (reais ou imaginários).
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Um fantasma ronda a politica brasileira, o fantasma do "ódio de classe".
Contra ele unem-se intelectuais de diversas perspectivas teóricas e de variados centros de formação cientifica. Contra ele veiculam-se noticias e postagens na blogosfera, redigem-se livros e manifestos, publicam-se opiniões nas seções de leitores dos jornais e revistas.Contra ele mobilizam-se militantes nas ruas, nas universidades, nos órgãos públicos e nas empresas.
A semana passada encerrou-se com as reações às declarações da filósofa Marilena Chauí (USP) afirmando "odiar a classe média" e a atual iniciou-se com os tumultos populares (especialmente nos estados nordestinos) em razão de boatos de que o programa Bolsa Família seriam suspensos.Ambas as ocorrencias vão na contramão de declarações anteriores do proprio governo seja com vistas a transformar o Brasil num "país de classe média" (algo, a nível internacional, muito em voga nos chamados BRICS, especialmente na China), no primeiro caso, seja com vistas a reforçar os programas de transferencia de renda, agregando outros elementos à rede de proteção social preconizada na Constituição de 1988 e vastamente expandida nos últimos governos, no segundo caso.
O que dois fatos aparentemente desconectados e até dissociados no espaço e no tempo teriam a ver entre si? Em que aspectos o comportamento da intelectual se assemelharia ao dos populares enfurecidos ou preocupados nas portas dos bancos oficiais? Haveria alguma conexão de significado discernivel nos dois casos?
O fenomeno é substancialmente interessante e digno de explicação, especialmente por aquilo que consideramos o seu mais relevante desdobramento: a diminuição da distancia entre a massa e os intelectuais (especialmente os ditos "engajados").A contradição da manifestação da filosofa com a fala televisiva da Presidente é apenas aparente, dado que se trata de um discurso que focaliza os segmentos sociais mais refratários às campanhas eleitorais do Petismo, isto é, a chamada classe média tradicional. Marilena por certo não "odeia" a chamada "nova classe média", este aglomerado de pessoas que recebem renda superior a R$ 700,00 (muitas delas beneficiadas pelas politicas públicas redistributivas deste governo e seus antecessores) a quem o atual governo atribui seu sucesso eleitoral.
A animosidade da intelectual é dirigida à chamada classe média reacionária, aquela a quem se atribui a ascensão do fascismo e dos regimes totalitários europeus dos anos 1930-40, mais especificamente na Itália, na Alemanha, na Espanha, em Portugal e outros países. Seria aquele segmento social, que muitos outros cientistas sociais (os de orientação neomarxista sobretudo) consideram responsável pelos golpes militares na América Latina, ao longo dos anos 1950,60 e 70.
Não discutiremos esta segunda tese e as pesquisas que ensejou, não neste momento, más a primeira. Ora, qualquer cientista político ou sociólogo sério, ou seja, empíricamente orientado, sabe que o Authoritarian Personality - obra de TW Adorno e outros, que está por trás da histrionice intelectual da Sra. Chauí - já foi devidamente refutada mesmo. Todo mundo sabe disto... menos o publico brasileiro.
Adorno e colegas delinearam em seus estudos empíricos achados segundo os quais a classe média seria o segmento mais propicio a desenvolver os atributos de uma "personalidade autoritária". Não discutiremos aqui os pormenores, os fundamentos e os desdobramentos da famosa escala F (F-Scale) nem o que a obra representou para o desenvolvimento social, marcando a passagem da Teoria Critica à Ciencia Social Empírica, comportamentalista.
Em poucas palavras, os que experimentam a mobilidade social ascendente e estagnam em determinados momentos de sua biografia ou veem ameaçadas as suas chances de vida ou deteriorado seu status relativo na sociedade são os mais propensos a desenvolver atitudes, ideias, crenças e práticas contrárias à democracia. Chauí e os intelectuais organicos "blogosféricos" vão além dos frankfurtianos (e contra as advertencias e ressalvas destes sobre o conteudo dos achados da obra): não somente os membros da classe média, más ela propria enquanto coletividade social e histórica - esta distinção metodologica é crucial em qualquer esforço sociológico que se julgue digno do nome -, são adversários não apenas da democracia mas ferrenhos opositores daqueles que a defendem ou que supostamente a representam.
Mercê da tremenda reprodutibilidade técnica de mensagens propiciada pela blogosfera temos que esta tese adorniana é incrivelmente popular a despeito de seus propagadores não se darem conta disto. Via de regra não se dá atenção à lógica da inferencia nestes textos "blogosféricos", não se distingue a parte do todo, e qualquer que seja o assunto político tratado a explicação é sempre uma unica: "ódio de classe".
Neste quesito ao deixar-se vulgarizar pelo senso comum os neomarxistas frankfurtianos brasileiros que se alinham com o discurso da Dra. Chauí muito se assemelham aos cientistas políticos que há quase uma década difundem a tese do "golpe branco" contra o governo de esquerda, a despeito de todas as evidencias (e da propria lógica) em contrário. Morta eu não a, Frankfurt School, se encontra entranhada no país. Diríamos que ela tem serios problemas teóricos e práticos. A propria obra que fundamenta o discurso foi marcante em seu tempo mas se acha ultrapassada pelos desenvolvimentos cientificos ulteriores. E só. O ponto substancial que eu gostaria de enfatizar é apenas este: que somente o publico academico brasileiro não se deu conta disto.
A Escola de Frankfurt realmente agoniza no Brasil. Esta associação entre classe média e fascismo já foi refutada ao menos duas vezes no sec.XX: primeiro por sociologos como Lazarsfeld e em seguida por Lipset. Somente o publico brasileiro não sabe disto a menos que algumas instituições digam a verdade.
Contudo podemos crer que a Escola de Frankfurt é ainda muito forte no Brasil. Ainda hoje não formamos engenheiros em escala suficiente e outro dia uma estatistica revelou que foram as humanidades que mais formaram pós-graduados ao longo da ultima década. Há vultosos investimentos produtivos parados ou adiados por causa disto Muito pelo contrario.Observando os tumultos surgidos em meio aos boatos quanto à extinção do programa "bolsa família" não nos pode faltar evidencias que atestam esta massificação do intelectual brasileiro. Quando milhões de pessoas se acham à mercê da discricionariedade (benevolente e autointeressada) do chefe do Poder Executivo Federal temos um gravíssimo problema, que já afeta diversas áreas de legislação (vide a MP dos Portos ou a lei de licitações p.ex.), más no caso da politica redistributiva tem um componente particularmente explosivo.
Irracionalismo das massas? A tentação a assim qualificar a "mood" ensejada pelo falso alarme é grande, quase irresistível, para aqueles a quem a sabedoria convencional taxaria de conservadores empedernidos. Antes a movimentação toda vem a ser a reação racional de individuos autointeressados na manutenção de beneficios sociais (bem focalizados ou não). Ela não difere formmalmente daquela reação (por vezes tida como "efeito manada") de investidores no mercado financeiro que temem pelos seus ativos e ensaiam a retirada de seus capitais das bolsas de valores brasileiras ou de outros "mercados emergentes". Mesmo os principais partidos de oposição (o PSDB de um Aécio Neves e o DEM de um ACM Neto e alguns governadores), a quem se atribui automaticamente a difusão dos boatos, rendem homenagens a esta lógica, de um modo simétrico ao que o PT, numa cartada politica magistral (e desafiadora contra todos os prognósticos e desconfianças), efetuou ao sinalizar aos mercados em sua histórica "Carta ao Povo Brasileiro" (esta mesma com um teor bastante palatável aos setores de classe média, afetada pelos anos recessivos da estabilização monetária e pela abertura economica dos anos 1990), uma década atrás.
É como se houvesse uma intelectualização das massas, uma sabedoria coletiva ou difusa inerente à democracia majoritária, ao selecionar a proposta politica que lhe pareça mais substancialmente benefica no curto e no médio prazos (ainda que não vislumbre as repercussões a longo prazos), em paralelo à massificação dos intelectuais (i.e. uma tendencia atávica a exibir variações semi-uniformes e duradouras de ponto de vista ao longo do espectro politico partidário). Em assim sendo não se sustenta a tese direitista de que a base eleitoral se manterá "tutelada" ad aeternum, atrelada ao governo, numa espécie de "clientelismo full time". É de amplo conhecimento na Ciência Social que a erupção das expectativas crescentes não poupa nenhuma elite governante, em nenhuma democracia (e mesmo regime não democrático), haja vista a maioria de beneficiários de programas sociais de transferencia de renda, que votou contráriamente aos social-democratas europeus desde os anos 1970 e contra o próprio governo Barack Hussein Obama em 2012.
Mas o principal ainda escapa aos olhos neste contraste entre os intelectuais organicos e as massas. Hoje em dia a capacidade de governança no Brasil é avaliada e até mensurada com respeito à capacidade do Executivo em distribuir presentes, em manejar o "saco de bondades" e não em impor sacrificios, coordenar esforços no presente com vistas a assegurar o futuro. Vide os tremendos indices de popularidade presidencial sustentados em nivel elevado por prolongados periodos de tempo. Ficou definitivamente para trás aquela maneira de exercitar a vocação para a politica segundo o lema "sangue, suor e lágrimas". A não ser por uns raros formadores de opinião sofisticados (tanto à esquerda quanto à direita) o entendimento dominante é o de que qualquer decisão coletiva deve ser medida tão somente pelos beneficios liquidos de curto e curtissimo prazos, sem custos visiveis; uma vez que acarrete sacrifícios coletivos é encarada como uma punição ou um açoite puro e simples, quase uma suposta "revanche" da Casa Grande contra a Senzala - para utilizar o jargão da blogosfera. "Elevar a taxa de juros não é engraçado!" diria um famoso economista americano que presidiu o Fed em inicio dos anos 1980 - o qual acarretou grave endividamento externo aos paises subdesenvolvidos, especialmente latino-americanos, verdadeira "década perdida".
Esta sabedoria simples não alcança o nosso entendimento e não acessa nossa consciencia plasmada na mais estreita e maniqueísta maneira de ver as coisas. Por isto, para nós tanto uma decisão de elevar a taxa de juros quanto a de limitar o acesso a programas sociais é encarada como pura e cruel distribuição de maldades.
Tudo isto se acha distante de nossa realidade. Não é que este dictum tenha se tornado romantico ou irrealista, más é que nossa pauta de conduta é dominada pelo free expensive lunch. Ou antes - se esta terminologia parecer cafona ou "reacionária" demais - pelos 15 minutos (ou 4 anos?) de fama.
A "Teoria do Ódio de Classe" funciona assim e prediz que sempre que alguem invoque uma concepção mais ampla e profunda do interesse público (isto é aquela que considera não somente as necessidades e interesses momentaneos, mas as do longo prazo) visando criticar o presente estado de coisas será automatica e instintivamente taxado como "conservador", "fascista" ou "reacionário". "No passarán!" costuma dizer a filósofa, em alusão à guerra civil espanhola e seu contexto ideológico semi-revolucionário. Marilena Chauí é um nome pivotal neste estilo de pensamento atualmente hegemonico no Brasil.
As premissas sobre as quais ela se sustenta, como dito acima, somente aludem a estados ou circunstancias macroagregadas e nada dizem sobre microfundamentos na esfera individuais. Ao mesmo tempo o background histórico que alude à atual conjuntura é estilizado e simplificado ao extremo, em um periodo hegemonico "antes" e um periodo hegemonico "depois" do Petismo. Ignora-se por completo p.ex. que a origem do proprio PT decorreu de manobras do regime autoritário entre fins dos anos 1970 e inicios dos 1980 no sentido de desmembrar a frente oposicionista aos militares. É como se toda a evolução da sociedade brasileira, com suas complexidades e diversidades, se reduzisse meramente à biografia dos governantes de turno e todo o jogo politico fosse parametrizado por sentimentos morais (negativos ou positivos), ditos "de classe", a ele direcionados. Ora a ontogenese do lulismo e do petismo em meio a certas maiorias não se confunde e não reduz a si própria a filogenese da sociedade brasileira como um todo.O Petismo em sua origem foi decorrencia do "Novo Sindicalismo" e, mais ainda, "opção preferencial pelos pobres" por parte... da classe média!
O PT não é o Alfa e o ômega da democracia brasileira. Esta, bem como suas instituições, têm caracteres em seu DNA que são muito mais complexos, sofisticados e paradoxais, e, sobretudo, irredutíveis às peripécias de um mesmo e único partido. Ainda assim os intelectuais "blogosféricos" tem uma dificuldade maior em compreender isto do que as massas. Maiorias estas que, a seu turno, exprimirão preferencias coletivas em outra direção que mais lhe convém.
Contra manifestações tão primárias, e sua pretensão de verdade e convicção, somente resta ao autor deste texto parodiar:Odiadores de classe de todo o Brasil uní-vos!
(Originalmente publicado no Portal Administradores: http://www.administradores. com.br/artigos/academico/a- teoria-dos-odios-de-classe-e- a-massificacao-dos- intelectuais-brasileiros/ 85342/)
repente, vi um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, contra um
partido e uma presidente. Não era preocupação ou medo. Era ódio".
Anselmo, a gente poderia fazer um hagout no google + com o pessoal anti marxista, o que acha? Depois poderia disponibilizar o vídeo para a galera.
ResponderExcluirVou articular isso. Seria legal mesmo...
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