sexta-feira, setembro 18, 2015

O risco moral da classe política e a circunstância moralmente arbitrária da classe empresarial


O risco moral da classe política e a circunstância moralmente arbitrária da classe empresarial

O risco moral da classe política e a circunstância moralmente arbitrária da classe empresarial:
alguns apontamentos sobre escolhasinstitucionais e desigualdades na (contra) reforma política em curso

Havia prometido a mim mesmo que não opinaria mais sobre o tema, tendo em vista a inércia dos partidos, a dubiedade do Executivo, o enviesamento das propostas correntemente esposadas pela opinião publica e vocalizadas na sociedade civil e a aversão ao risco de nossos parlamentares.


Como já há analises em demasia, com qualidade desigual e diferentes graus de profundidade, sobre os outros aspectos me centrarei na questão do financiamento eleitoral (público, privado ou misto) e em suas conexões com as outras mudanças (ou não-mudanças!) levadas a efeito.

Acerca do financiamento eleitoral, como notamos acerca da proposta do "Distritão", o que se verifica é que ha uma demonização generalizada e profunda e do empresariado por determinados grupos da sociedade civil.

Há uma  disseminação de estereótipos e rótulos que talvez não condiga bem com a realidade dos fatos, ou que sobre estes implique distorções de perspectiva assim como inversões de causa e efeito.

A nosso ver os males que o diagnosotico estilizado e caricatural de certos setores da sociedade civil atribuem ao financiamento privado (empresarial) de campanhas eleitorais se devem tambem:

(i) ao sistema de lista aberta: que tiram o poder dos partidos sobre os eleitos e confere ao eleitor;

(ii)  às coligações proporcionais: que tiram do eleitor o poder sobre os eleitos e dá a estes próprios, uma vez que o eleitor não se recorda em
 quem votou e seu voto é computado para eleger candidatos de outras legendas dentro da mesma coligação (em média apenas 5% dos eleitos em cada legislatura se elegem com seus próprios votos);

(iii) ao instituto da reeleição generalizada para cargos proporcionais e, mais recentemente (pos-1997), para os majoritários: que criou incentivos ainda maiores para o prolongamento das carreiras políticas (sobretudo em cargos legislativos) e portanto para a arrecadação de fundos junto aos financiadores; e, por fim

(iv) o tamanho desmesurado do Estado brasileiro, fato que em qualquer país do globo induz os agentes economicos a investirem recursos no processo politico visando obter favores, benesses e vantagens que a economia de mercado por si mesma não oferece.

São estas quatro coisas que criam incentivos perversos que resultam no achacamento dos agentes economcios pela classe politica. As mesmas seriam três se tivermos em mente que os três primeiros males diagnosticados são relativamente recentes e remediáveis, ao passo que o ultimo é secular e estrutural da sociedade brasileira.

A par desta distorção de perspectiva, temos a inversão de causalidade pois o diagnostico condenatório ao financiamento empresarial (sintetizado no jargão: "Quem financia eleição faz investimento, não caridade!") certamente omite que os empresários se acham primeiramente expostos à circunstancia estrutural e moralmente arbitraria descrita no item (iv) e são assediados por políticos eleitos cuja circunstância (também estrutural mas, por achar-se ao seu alcance a modificação, não necessariamente moralmente arbitraria) prevista nos itens (i) a (iii). Como se não bastasse o facto de que os legisladores não tem quem os fiscalize claramente, sejam partidos, sejam eleitores, e de que para estes o prospecto da reeleição para inumeros mandatos se acha consolidada entre suas escolhas (que não são moralmente arbitrárias, como as dos agentes econômicos), esta mesma circunstância também se estende para os cargos majoritários (inicialmente os senadores, e mais recentemente os presidentes, governadores e prefeitos - ainda que limitada a dois mandatos consecutivos diferentemente dos primeiros).

É notório que coligações proporcionais e listas abertas são institutos antagonicos e disfuncionais, destruindo a conexão entre representantes e
representatos e aumentando o custo de negociação do Executivo para sua agenda no Legislativo. Este último controla parcialmente os prospectos do ator precedente se reeleger como vimos pela generalização da reeleição para além dos cargos legislativos, quando descrevemos o item (iii). Do mesmo modo como a estratégia do empresariado é claramente dominada em relação aos políticos eleitos, também a do Executivo notóriamente o é relativamente a estes - como se nota pelo comportamento do PMDB e da coalizão de nanolegendas que este secunda. Tal custo de negociação, elevado pelos aspectos (i), (ii)  e (iii) fazem com que a dimensão (iv) se perpetue ainda mais no tempo do que seria desejável, saudável ou recomendado por qualquer sociedade ou nação.

Portanto, a desigualdade de recursos existente na sociedade não é necessariamente a causa das mazelas do sistema político. A descrição mais acurada e honesta é a de que estas ofereçam às primeiras as condições e os meios de se reproduzir tendo em vista as ações impremeditadas dos agentes da classe política.

Soa até ironico que determinados setores da sociedade civil esposem esta bandeira e tenham como seu principal representante um partido que comprovadamente é o que detem maiores volumes de financiamento empresarial (vide os dados do TSE das ultimas tres eleições presidenciais) e o que mais demanda recursos junto aos financiadores privados (vide as provas testemunhais e documentais recolhidas pela Operação Lava-Jato, da Policia Federal e do MPF).

Além do facto da legislação de doação eleitoral ter enrijecido o status quo, portanto se tornando ainda mais disfuncional, a mesma criou ainda
 maiores complicadores para a rastreabilidade contabil das contas partidárias. Ao estipular que pessoas juridicas somente podem financiar exclusivamente os partidos e as pessoas físicas os candidatos e/ou partidos, fica patente que o mediano da legislatura visou o partido governista (o PT) até agora mais alvejado pelas revelações da Lava-Jato.  Contudo fortalece os demais partidos e esta é uma virtualidade positiva. A negativa, é que o custo de fiscalização e monitoramento das doações de pessoas fisicas apenas aos candidatos se eleva exponencialmente a ponto de neutralizar as potenciais vantagens auferidas com esta decisão.

Soa também irônico que a oposição tenha aquiescido na votação nominal do projeto de lei, ao longo da presente semana, para abolir o financiamento privado por empresas, e um dia depois, apoiado a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para permitir novamente o mesmo mecanismo de alocação de recursos em campanhas eleitorais.

Na verdade a oposição se dividiu, assim como o situacionismo. Ou a proposta do "distritão" foi lançada para dividir a oposição e esvaziar a proposta bornhauseniana do "voto distrital misto". Não se sabe. Prevaleceram a confusão e a ignorancia gerais.

A par de tais suspeitas, maior impredictabilidade de decisões coletivas e maior instabilidade de maiorias que estas na legislatura ha muito não se
observava no Legislativo brasileiro. A estratégia dos legisladores individuais com relação aos temas da reforma política é clara e reiteradamente
dominante em relação aos outros players (Executivo, eleitores, financiadores, formadores de opinião, movimentos da sociedade civil etc).

No máximo Com respeito ao instituto da reeleição ser vetado novamente para cargos executivos tem que se mitigou parcialmente o item (iii),
concernente ao risco moral dos Presidentes da República. A notar que a reeleição quando aprovada imaginava-se que iria funcionar similarmente ao verificado na expêriencia da IV República Francesa (pós 1958), mitigando a instabilidade do gabinete e aumentando a perenidade e a consistencia das políticas públicas. Porém o mesmo instituto se revelou uma instituição desequilibradora ao potencializar os incentivos perversos ao comportamento de legisladores e grupos de interesses organizados, bem como encorajando uma vocação caudilhesca que so havia latentemente entre nos e era explicita em nossos vizinhos.

Se os alinhamentos de forças se revelaram pouco previsíveis à luz do que se verificava há tempos recentes ou remotos na evolução dos debates, não soa estranho que, dentre os formadores de opinião consolidados e influentes neste cenário, os estudiosos e especialistas do tema comoemorem tão efusivamente a manutenção de um sistema eleitoral e político reconhecidamente tão disfuncional e perverso para a sociedade.

Não por acaso a aversão generalizada por esta classe politica vem a ser o unico sentimento que une toda a sociedade, independentemente da ideologia ou da crença ou não. Isto não causa surpresa. O que surpreende é que os legisladores tenham adiado mais uma vez a débacle do sistema político e o fantasma da ingovernabilidade social diante de uma sobrecarga de demandas que o primeiro seria incapaz de processar.

O que os legisladores fizeram ai foi plantar as sementes da próxima crise institucional decorrente de escândalos de corrupção. 
E problemas estruturais empurrados para debaixo do tapete.


Portanto, o que se tem em termos líquidos é algo que somente pode ser descrito como uma reforma cosmética, superficial e potencialmente inócua. Ou menos eufemísticamente: uma autêntica contra-reforma!

Rio de Janeiro/RJ, 29-V-2015.

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* Por José Roberto Bonifácio, Sociólogo (UFES) e Cientista Político (IUPERJ).

Texto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, da OAB, que pediu a declaração dainconstitucionalidade da doação de pessoas jurídicas a partidos políticos e campanhas eleitorais.: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4650&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M
Como prometido mando tambem o video e se possivel o texto do voto do Gilmar Mendes, para valorizar mais o conteudo:

https://www.youtube.com/watch?list=PL4fQwwgA67zJXDhrCZQ361d1ebnILJAu5&t=25&v=iUrDnuF0s6k

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