quarta-feira, setembro 23, 2015

Os bárbaros vão à praia


 
Retratar 'arrastões' como conflito de classes ou o que é pior, de raças, realmente não capta toda diversidade da situação e por diversidade se entende fatos e dados que fogem ao enquadramento de teorias tradicionais de corte marxista ou racial (Imagem: blackwomenofbrazil.co).


Com relação aos recentes ataques, os chamados “arrastões”, aos banhistas no Rio de Janeiro é correto dizer que "os pobres vão à praia"? Sinceramente, a questão aí não é renda, não mesmo, mas modo (ou moda), que não se refere exclusivamente à vestimenta. Lembram-se dos rolezinhos? Pois é, o que aconteceu? Agora, alguém acha que o pobre deixou de ir ao shopping paulistano? Não, não mesmo, eles ainda estão lá, anônimos, mas com seus tênis de marca ou imitando marcas famosas e desejadas. A questão não é a renda do sujeito, mas o comportamento de grupo, ameaçador, exatamente isto. Não é classe contra classe, mas gangue contra indivíduo e a 'elite', tida como tal que se veste um pouco melhor, entendendo isto como algo mais caro simplesmente, reagirá da mesma forma, criando ou organizando gangues.[1] Ação e reação, análogo aquela que hoje vemos na nossa cultura política, na qual um partido que sempre se manifestou com ódio através de sua militância ensejou a criação de um sem número de movimentos e organização e páginas de internet que lhe devotam o mesmo ódio com juros. Aí no Rio de Janeiro, esta cizânia parece ter nítidas cores raciais quando se leva em conta o fator geográfico, “a favela contra o asfalto”, mas aqui em Santa Catarina, não... Em primeiro lugar porque aqui os pobres, na sua imensa maioria, também são brancos; em segundo porque não há uma causalidade exata pobreza/crime. Faz alguns dias, minha mulher acompanhada de nossos dois filhos entrou no drive thru de uma lanchonete fast food e atrás de seu carro, um outro veículo entrou em uma vaga apertada, mas o motorista estacionou mal e atrás dele outro, mais impaciente buzinou para entrar ao lado. Logo, o motorista do primeiro carro pediu tempo porque precisava tirar uma criança de uns 5 anos de dentro e, para qualquer um que seja pai, sabe como é difícil desamarrar crianças de cadeiras próprias, ainda mais quando um dos outros passageiros é um senhor de idade que também tem lá suas dificuldades. O motorista do carro que estava fora da vaga buzinou insistentemente e começou uma discussão, que logo partiu para as vias de fato. A mulher que acompanhava o 2º motorista saiu e começou a filmar a cena com seu celular, ao passo que o senhor de idade que parecia avô da criança do 1º carro dirigiu-se à mulher e a chutou para depois sair correndo com a criança pelo braço visivelmente nervosa balançando o outro bracinho. Minha mulher já tinha ligado para a polícia e não conseguia sair de perto da confusão, pois estava presa na fila e apavorada porque a garota com o 2º lutador lhe disse para não ir ao porta-malas "não, não no porta malas não"... Pelo visto deveria haver algum tipo de arma ali. Beleza. Bairro nobre...
Outro dia, ela foi ao centro evitando obras do norte da ilha (de Santa Catarina), no que arriscou ir pela Lagoa, no que tem que passar por uma estrada pouco utilizada, i.e., um campo perfeito para assaltos. Nisto, um carro lhe tirou um fininho e freava constantemente para fazê-la parar. Ela conseguiu sair dessa situação ao deixar outro carro lhe ultrapassar e ver o veículo ameaçador quase derrubar uma moto quando perdia o controle da direção. Detalhe: eles realmente escolheram-na para ameaçar, pois não perseguiam outros carros, mas reduziam para continuar o jogo de freada constante, quando ela se aproximou tentando ultrapassá-los novamente. Eles só fugiram quando a viram os filmando para pouco depois aparecerem duas viaturas correndo. Provavelmente já eram procurados por esta 'diversão'. Eu soube disto ontem, o que foi suficiente para estragar meu dia e me deixar mais paranoico com relação à segurança.
Vez que outra percebo homens da minha idade de cerca de 50 anos ou próximo disto comentando sobre lutinhas ou brigas de moleques, eles com suas barrigas de chopp, como se o prêmio por sua existência mofada fosse sentar no sofá fedorento assistindo UFC e bebendo sua cerveja aguada no fim do dia. Nada contra defesa pessoal, muito pelo contrário, mas o comportamento de quem põe um adesivo de jiu jitsu no vidro do carro é semelhante ao de quem fala que "comeu não sei quantas mulheres", mas se limita à várias masturbações diárias em sua solitude.
Às vezes penso em fazer campanha para o Bolsonaro, mas a saída nunca é de cima para baixo. Cada vez mais acredito que a guerra é cultural, de falar, falar e falar, expor com técnicas inteligentes na rede o ridículo da situação. Evidenciando quão patético tudo isto é, talvez em 10 anos tenhamos gente de melhor estirpe habitando nossas urbes. Sabe... Não que isto seja uma causa, mas a ausência de calçadas e praças são sintomas de falta de zelo e respeito de nós para nós mesmos. Assim como vagas apertadas não provocam brigas tolas de apressados no fast food, mas são consequência de quem não percebeu como cativar o cliente como consumidor fiel, apenas alguém que passe, leve o lanche sem se afeiçoar ao local. Cativar o cliente depende de gentileza, assim como querer andar nas ruas também. Qual a vontade de ir a um estádio de futebol se é um risco para sua família? Vivemos por acaso em um estado de topor e idiotia para não percebermos com isto nos afeta econômica e socialmente?[2] Para usar uma imagem conhecida, porém perfeita, o que estamos criando é uma multidão solitária.




[1] Após onda de arrastão, moradores prometem vingança nas redes - EXAME.com http://exame.abril.com.br//brasil/noticias/apos-onda-de-arrastao-moradores-prometem-vinganca-nas-redes via @exame_com. Acesso em 24 set. 15.
[2] O fator hostilidade - Sulconnection http://www.sulconnection.com.br/blog/gaucho-no-texas/91/o-fator-hostilidade via @sulconnection. Acesso em 24 set. 15.

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