Mostrando postagens com marcador Jurerê Internacional. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Jurerê Internacional. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, março 11, 2020

Florianópolis 0 X 10 Jurerê Internacional (II)


Outro dia, um amigo me cobrou um detalhe, que realmente fez falta no meu texto sobre Florianópolis e seu bairro, Jurerê Internacional, o acesso ao mesmo, que vive entupido por filas de carros durante a temporada de verão (e mais até). Parece-me um efeito normal de um bairro que funciona como uma ilha de bem-estar em meio a uma cidade crescentemente caótica, mas aceitar o caos como normalidade é que é a verdadeira causa de nossas mazelas sociais: o costume.

Então, para procurar um caminho para as soluções temos que nos desacostumar e como tal, temos que ver a cidade como algo diferente do que sempre vemos, uma paisagem urbana imutável. Não, a cidade é tudo menos isso, ela é feita para mudar, ou melhor, a cidade é feita de mudanças. Que me perdoem os saudosistas da velha Florianópolis, dos poetas nativos, dos manés, mas isso tudo atrasa a cidade, assim como em Porto Alegre, cidade onde me criei, a cultura do “patrimônio público” é outra chaga que apodrece as instituições e leva a cidade a sua estagnação econômica e, consequentemente, decadência social.
Vejamos, a cidade é produto de demandas, ofertas, produções e imaginação. Imaginemos então, a cidade como um mercado de bens e serviços. Em determinado bairro, no caso, o Jurerê Internacional, melhores serviços no seu todo são oferecidos à população, no que se formam filas, exatamente como ocorreria em um supermercado com produtos de melhor qualidade e preço mais em conta. Logo, os outros supermercados e mercadinhos da região e bairros vizinhos acabam limitando sua clientela àqueles consumidores que não querem se deslocar e se conformam em pagar mais caro por produtos piores só para não ter um transtorno de perder tempo, o que, diga-se de passagem, também é outra commodity cada vez mais importante nos dias de hoje. Você e eu até cogitamos em comprar aquela carne mais dura, um arroz de pior qualidade (aquela desgraça de arroz parboilizado) ou um erva-mate seca e sem cor para não ter que ficar mais de uma hora no carro. O bom se tornou dispendioso e nos agregou um custo maior.
Este custo maior se transforma em um preço, quanto mais gente, menor (proporcionalmente) a oferta e, portanto, maior o valor dispendido para obter aqueles bens. Os supermercados se tornam caros, os alugueis se tornam caros, os passeios, as baladas, as roupas, as compras e consumo de ocasião, um simples cachorro-quente ou churros viram “produtos gourmet” e o bairro fica “gentrificado”,[1] ou seja, o bairro se tornou um bairro chique, caro pra dedéu. Isto vai levar a busca de alternativas (outros bairros, geralmente vizinhos) e a necessária descentralização. A alta dos preços empurrou parte das pessoas para fora dos limites daquele bairro.
Mas um bairro e sua terra não são exatamente produtos da mesma espécie que os encontrados nas prateleiras dos supermercados, eles têm maior ingerência de leis municipais e urbanas. Em parte, são propriedade pública, então, comparemos com serviços públicos como, p.ex., a saúde. Em Florianópolis, capital tida como referência em atendimento público de saúde, há postos de saúde que são muito melhor preparados do que outros. Aqui, é público e notório que certos postos de saúde e policlínicas (centros de atendimento maiores e mais diversificados) são mais requeridos, mas como os usuários (clientes divididos pelo Sistema Único de Saúde, SUS) são “regionalizados”, i.e., divididos por regiões administrativas e obrigados a frequentar os postos e policlínicas de sua região, não se tem o livre-arbítrio de escolher o melhor atendimento. Eu, morador do Rio Vermelho, sou obrigado a buscar atendimento no posto do meu bairro, reconhecido pelos meus vizinhos como de péssima qualidade. E eu entendo o porquê da separação/regionalização: se liberassem todos para ir para os melhores postos, estes viveriam saturados, sempre.
O que faltaria para que descentralizassem, naturalmente? O que existe nos bairros que levam as pessoas a vazarem fora: um sistema de preços. Sei, sei, um serviço público não pode ter isto porque daí não seria público e sim, privado. Certo? Mais ou menos, isto pode ser adaptado de outra forma, com os pacientes sendo postos em listas de espera para serem atendidos nas melhores unidades. E, com cotas de tempo previamente estipuladas de acordo com metas, para se evitar assim superlotação nos postos com saturação de usuários pela lentidão nos atendimentos. Em duas palavras: monitoramento e fiscalização.
Bom, o que isto tem a ver com o engarrafamento na entrada do Jurerê Internacional? Preste atenção: este bairro NÃO TEM SOLUÇÃO SE PENSADO ISOLADAMENTE. Ele só irá melhorar se houver maior descentralização e isto ocorrerá com monitoramento e fiscalização de porque outros bairros não executam suas tarefas, através das superintendências e poder público municipal. Mas quais seriam essas tarefas? Pense que a cobrança (e pressão) sobre as piores unidades de saúde (postos e policlínicas) levará à melhoria do sistema com uma espécie de competição interna entre elas, cuja consequência deverá ser a maior descentralização interna ao serviço municipal e, ANALOGAMENTE, o mesmo deve ocorrer entre os bairros, na medida em que a melhoria dos serviços urbanos vizinhos leva a descentralização territorial da demanda pelo espaço urbano.
Isto parece ficção científica quando não imaginamos ser possível adaptar o princípio do sistema de preços do mercado privado para outra forma de avaliação do sistema público. E os preços são, antes de tudo, indicadores de preferência: preços maiores significam que são preferidos em detrimento de outros, que irão indicar isto através de preços menores. É possível a equivalência entre público e privado sim, só o executor é que é outro, ao invés da Dona Fulana indo com sua sacolinha na feira, é um técnico de formação na área averiguando, objetivamente, porque um posto X e tão mais lerdo e menos procurado do que Y. Algo como: “O que acontece lá? Por que não funciona? Vamos investigar.” Esses fiscais também trabalhariam em regime de produtividade, assim como policiais que ganham pontos por crimes resolvidos. Se isso não existe aqui, o problema é outro, porque temos que adaptar este princípio de operação e criar um modelo.
E agora eu me pergunto, se podemos fazer com um sistema de saúde municipal, por que também não com a segurança pública dos bairros? Com os arruamentos e calçamentos? Com a iluminação pública? Com o esgotamento sanitário? Com as escolas? Bom… Levaria anos, mas se eu tivesse que começar, faria duas coisas: reforma administrativa com perda de privilégios frente aos trabalhadores da iniciativa privada e o estabelecimento de critérios objetivos ao conhecimento de todos (servidores e usuários) de como o sistema deve funcionar.
Isso, pra começo de conversa. Mas, se não for por aí taca-lhe outro viaduto pro Jurerê Internacional e empurremos o problema com a barriga pra piorar tudo de novo daqui 5 ou 6 anos. Afinal, não é assim que se faz? Não é assim que sempre se fez?
Anselmo Heidrich
11 mar. 20

[1] Gentrificação “é o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local” (Wikipédia). A origem do termo deriva da palavra gentry, pessoas de boa posição social, especificamente (no Reino Unido), a classe de pessoas logo abaixo da nobreza em posição e herança de berço, membro de uma espécie de pequena nobreza.


domingo, fevereiro 23, 2020

Florianópolis 0 X 10 Jurerê Internacional


Florianópolis é tida (ainda) como uma das melhores capitais para se viver no Brasil, ok, mas eu não diria que seja uma das melhores cidades. As capitais brasileiras são, em geral, muito ruins. Digo, “em geral” porque se procurarmos por qualidades específicas, teremos cidades muito boas, como S. Paulo, p.ex., para a geração e obtenção de empregos, ou Curitiba, pela mobilidade etc.
Mas, quando se fala em Florianópolis, logo se pensa em “qualidade de vida”, seja lá o que isso signifique. O que temos aqui é uma população, relativamente, pequena para um sítio urbano grande, logo há espaços vagos entre seus bairros e distritos que são ocupados por áreas de preservação. Com seu relevo irregular, a maior parte do município se localiza em uma ilha – Ilha de Santa Catarina – que ostentam uma frondosa Mata Atlântica entrecortada por enseadas e suas praias. Pronto, acabaou aí… Acabou porque uma boa qualidade de vida requer espaços públicos, serviços públicos e uma boa mobilidade urbana e habitação.
Vamos por partes, quase não há praças ou parques e quando há se encontram concentrados dificultando o acesso por quem mais precisaria deles, cidadãos de baixa renda; serviços públicos se entendermos o SUS, comparado a outras capitais, é tido como bom, referência, mas se vermos o esgotamento sanitário, Florianópolis é pior do que muito país de IV Mundo, com um baixíssimo índice de tratamento, coleta, coleta de lixo seletiva que é “seletiva” para seus habitantes com poucos sendo atendidos; as escolas públicas são ruins, com alto índice de indisciplina, como na maioria do país (não é nossa exclusividade); a mobilidade urbana é, simplesmente, um LIXO. Quem mora ou morou sabe, S. Paulo, com toda sua frota flui muito melhor. Aqui se é refém das máfias dos taxis e ônibus, com motoristas de aplicativos funcionando nas zonas de sombra de baixa lucratividade e sem permissão para vans operarem para usuários comuns como operam, p.ex., no transporte escolar. E se funciona com segurança para crianças por que não funcionaria para adultos?
E a habitação segue o padrão do Rio de Janeiro, loteamentos irregulares sobem o morro como caramujos surgem após a chuva. Passados alguns anos, a situação é consolidada e nenhum juiz tira barracos de áreas de preservação. Barracos que vão melhorando até se transformarem em casas com qualidade razoável. É a gentrificação da periferia, fenômeno que a hipocrisia marxista impede que geógrafos e urbanistas entendam (ou procurem entender). Juridicamente, 85% de Florianópolis, a “capital do turismo do mercosul”, é uma grande favela. Não tem o aspecto, mas é o que é na prática.
Onde então encontramos um espaço mais justo e equitativo para o cidadão nesta cidade?
Segurem-se nas cadeiras.
No bairro mais elitista, Jurerê Internacional.
Vos digo porque…
Nele, qualquer um tem acesso a sua infraestrutura, não é impedido de utilizá-lo, facilmente se encontra vaga para estacionar, e há várias pracinhas e parques que enchem de usuários que vêm de outros bairros, justamente, pela carência nos seus. A questão básica sem a qual nada disso funciona, a segurança pública é ostensiva, com policiais educados que não te olham como se fosse um meliante.
E a razão disso é simples, como temos um país onde os serviços púbicos vão de ruim a péssimos, um bairro onde é garantido o direito de ir e vir (garantido na prática pela segurança), os instrumentos urbanos são de maioria privada e mantidos pelos moradores e, principalmente, comerciantes. A associação deles, Associação de Proprietários e Moradores de Jurerê Internacional (AJIN) é boa de briga e não deixa barato. Vai contra interesses que tentam prejudicar a moradia e convivência do bairro.
Mais do que a esfera privada e as leis de mercado, são a participação e interesse dos cidadãos locais que mantêm uma cidade aprazível e hospitaleira. Ou, pelo menos, parte dela…
Não é para menos que meus filhos foram em um bailinho de rua naquele bairro, assim como a maioria de seus frequentadores. Portanto, quando falarem com desdém desta área da cidade saibam que é, na melhor das hipóteses, por ignorância e, na pior, ressentimento e inveja.
Anselmo Heidrich
23 fev. 20

Imagem “Jurerê Open Shopping” (fonte): https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jurer%C3%AA_Open_Shopping.jpg