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segunda-feira, maio 13, 2019

O Estado-Tampão Ucraniano


O nome Ucrânia significa, literalmente, “ no limite”, “ fronteira”, “ margem” e, embora seja um país reconhecido mundialmente, para a geopolítica russa seu significado etimológico vale na prática. Como bem asseverou George Friedman, “a Ucrânia é tão importante para a Rússia quanto o Texas para os Estados Unidos e a Escócia para a Inglaterra”. O país paga um preço por sua localização estratégica, sempre situada na borda de impérios ou grandes potências. Nos séculos XVII e XVIII foi dividida entre a Polônia, a Rússia e o Império Otomano; no século XIX, pela Rússia e pelo Império Austro-Húngaro; no século XX foi livre por um breve período após a I Guerra Mundial, para, depois, fazer parte da União Soviética na maior parte da sua história moderna.
Em termos de controle territorial efetivo, a Ucrânia é um país dividido em três domínios: o Leste, com as províncias de Donetsk e Lugansk — na denominada região de Donbass — nas mãos de rebeldes separatistas (chamados de “ terroristas” por Kiev); o Centro e o Oeste, sob administração da capital ucraniana; e a Península da Crimeia, sob controle da Rússia. Essa situação começou a ser gerada em 2013, quando o então presidente Viktor Yanukovych se negou a assinar os termos de um acordo de cooperação com a União Europeia para buscar apoio com o Kremlin.
Este foi o estopim para uma série de protestos — o Euromaidan — que se estenderiam por 2014 acompanhados de repressão. Sem condições de governar, Yanukovich deixa o país e se refugia, provavelmente na Rússia, com paradeiro desconhecido. As acusações de violência de um governante pró-russo facilitaram a chegada ao poder de Petro Poroshenko, magnata ucraniano formalmente comprometido com as reformas modernizantes para futura integração com a União Europeia.
Kiev foi o epicentro dos acontecimentos que representavam o centro e o oeste do país, cuja maioria de seus habitantes fala o ucraniano e se sente motivada a integrar a União Europeia. Mas, o mesmo não era válido para o leste e sul, mais “ eurocético”. Na esteira dos acontecimentos, o referendo da Crimeia em 16 de março de 2014 sobre a possibilidade de se juntar à Rússia, com 96,77% de aprovação, deu a “ legitimidade” para que a Rússia anexasse a península e fosse dado apoio militar e humanitário aos rebeldes no Donbass, levando a uma animosidade crescente entre os governos russo e ucraniano.
Restou à Ucrânia manter estratégias complementares em três níveis de atuação:
1ª. Militar — as tropas ucranianas lutam na frente de batalha contra as forças separatistas pró-russas;
2ª. Diplomática — Kiev busca apoio da comunidade internacional, embora seja uma estratégia difícil na medida em que a Rússia faz parte do Conselho de Segurança da ONU, com poder de vetar determinadas Resoluções;
3ª. Econômica — busca de apoio na aplicação de sanções contra a Rússia e na criação de incentivos para o término da guerra.
Seja em seu passado ou no seu presente, a Ucrânia não é só dividida por forças externas, mas também apresenta uma dicotomia interna entre grupos étnicos e linguísticos com opções e visões políticas majoritárias antagônicas. Entre uma nação pró-russa ou pró-europeia há uma terceira via de estruturação política: o chamado “ estado-tampão”. A ideia é seguir um modelo independente em que não se alie a nenhum dos poderes que disputa seu apoio, especialmente sem formular sua política externa de acordo com o interesse de nenhum outro governo estrangeiro, leia-se Moscou ou Washington.
No entanto, conforme tem sido observado, sua aplicação não é algo fácil, especialmente quando lideranças locais desejam uma maior integração com um outro país, com uma ou outra economia. Enquanto empresários e profissionais autônomos desejam ampliar seus laços com polos próximos, em cidades como Varsóvia ou Frankfurt, o Leste, com a indústria de extração mineral, vê o mercado russo como um porto seguro para seus empregos e modo de vida.
Embora haja casos bem-sucedidos de Estados-tampão na história, como a Finlândia, a Suécia e Áustria o foram durante a Guerra Fria, ou a Suíça durante séculos, nem sempre houve sucesso, como se viu no caso da Bélgica durante a I Guerra Mundial, da Polônia no Entre Guerras, ou do Afeganistão no século XIX. Além disso, não se pode descartar as constantes intrigas internas que irão ocorrer pela busca de apoio externo e acusações mútuas de interferência. Normalmente, Estados-tampão funcionais são aqueles que não apresentam grau de ameaça alguma para seus vizinhos ou potências em disputa, e, conforme se observa, este não é o caso da Ucrânia.
Em termos militares, a vantagem para Moscou nesta disputa é que não há um interesse concreto na invasão militar por parte da OTAN, nem tampouco em armar a Ucrânia, pois os custos e riscos de uma operação desta monta seriam muito elevados.
Para a Rússia, a Ucrânia oferece: (a) posição estratégica e (b) produtos agrícolas e minerais. Enquanto que os últimos têm grande importância, o primeiro é fundamental para a existência da Federação Russa. A longa linha de fronteira e a distância de apenas 490 quilômetros do território ucraniano em uma topografia plana, de fácil travessia, tornam sua defesa imprescindível.
Acrescente-se que os portos ucranianos de Odessa e de Sevastopol na Crimeia são mais importantes que o de Novorossiysk, localizada no Krai de Krasnodar e ponto chave de acesso ao Mar Negro, e permitem a presença e influência russas nos mares Negro e Mediterrâneo. Os outros portos russos ao norte, no Báltico, têm seus mares congelados no inverno e podem ser bloqueados pela Groenlândia-Islândia-Reino Unido a oeste; pela Dinamarca no Báltico; e pelo Japão no extremo Leste.
Uma Ucrânia neutra pode ser algo desejável, mas não é garantia de estabilidade do ponto de vista russo, dadas as possibilidades de mudança da percepção social (como já ocorreu) e de posição política interna. Acredita-se que o caminho esteja na constituição de parcerias internacionais para um desenvolvimento conjunto. Daniel Drezner avaliou a melhor solução para conflito que passa pela restauração econômica do país: “Para salvar a Ucrânia e, eventualmente, restaurar uma relação de trabalho com Moscou, o Ocidente deve procurar fazer da Ucrânia um estado neutro entre a Rússia e a OTAN. Deveria se parecer com a Áustria durante a Guerra Fria. Para esse fim, o Ocidente deveria explicitamente tirar a expansão da União Europeia e da Otan, e enfatizar que seu objetivo é uma Ucrânia não alinhada que não ameace a Rússia. Os Estados Unidos e seus aliados também devem trabalhar com Putin para resgatar a economia da Ucrânia, uma meta que é claramente do interesse de todos”.
A Ucrânia é interesse estratégico para a Rússia, e grandes potências não abandonam seus interesses estratégicos. Nesse sentido, conforme vem sendo destacado por analistas, armar o país é ideia arriscada que potencializaria a crise. Pelos elementos observados, conclui-se que os líderes russos não vão aceitar a retirada da Ucrânia de sua órbita de influência e a solução para o conflito não passa pelo confronto, mas pela diplomacia.
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Fontes das Imagens:
Imagem 1 Encontro entre Viktor Yanukovych e Vladimir Putin” ( Fonte): http://en.kremlin.ru/events/president/news/16298
Imagem 2 Mapa da Orientação Geopolítica da População Ucraniana,2015” ( Fonte): http://soc-research.info/blog/index_files/category-geopolitics.html



Originally published at https://ceiri.news on May 13, 2019.

sexta-feira, julho 08, 2016

UE + OTAN 01

  
Após o Brexit, a aliança tradicional se reafirma para não deixar dúvidas de que, como se diz em nosso jargão futebolístico, "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa". As mudanças internas nacionais são sim uma ameaça ao "estado maior dos estados maiores das forças armadas". Isto visto no contexto da reestruturação política e implantação de infraestrutura entre Moscou e Pequim mostra um tensionamento para não permitir o afrouxamento dessas alianças, pois uma Europa esfacelada é o início do fim de uma hegemonia e aurora de outra.

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http://inter-ceptor.blogspot.com/
Fas est et ab hoste doceri – Ovídio
Se concorda, compartilhe.

quinta-feira, agosto 18, 2011

Turquia vs. Curdos - 1


http://www.shalomjerusalem.com/kurdistan/
O apoio à Turquia pelos EUA e U.E. contra o PKK (Partido Trabalhista Curdo), além da condenação a seus métodos terroristas também se dá pela aliança do país a OTAN, fundamental na região do Oriente Médio. O que pode parecer estranho a primeira vista é o apoio iraniano, mas fica fácil se entender na medida em que o país dos aiatolás também comporta uma minoria étnica curda em seu território e que, portanto, pode vir em futuro próximo a pleitear uma seção territorial deste tal como fazem alguns separatistas curdos na Turquia.
Ou seja, centralizar explicações em dilemas étnicos e/ou religiosos para tudo no Oriente Médio não passa de sofisma ou, na melhor das hipóteses, ignorância mesmo.
Uma outra dúvida que surge quando leio matérias sobre o Curdistão, a região que habitam, é quais seriam tais “direitos étnicos” não pleiteados pela minoria curda que não advoga o separatismo, além de ensinar o curdo em suas escolas? Há algo mais aí...
Cf.: Turkey Attacks Kurdish Targets in Northern Iraq After Ambush - NYTimes.com

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quarta-feira, julho 23, 2008

China e Rússia – 1



A geografia desmente a aliança sino-russa*




Em China e Rússia criam uma anti-Otan, Gilberto Scofield Jr. (em junho de 2006) comentava a criação de um bloco de ajuda mútua econômica na Ásia, a Organização de Cooperação de Xangai (SCO, na sigla em inglês), cujos membros além de China e Rússia abarcariam vizinhos: Irã, Paquistão, Índia e ex-satélites soviéticos: Casaquistão, Quirguistão, Mongólia, Tadjiquistão e Uzbequistão, bem como possivelmente a Arábia Saudita.

Hu Jintao, presidente chinês, vaticinava diplomaticamente seus objetivos como assegurar a paz e a prosperidade econômica regional. O teor explicitamente antiocidental (antiamericano e antieuropeu) da organização ficou a cargo do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad definir:



“Podemos transformar a SCO numa instituição forte e de influência econômica e política tanto em nível regional quanto internacional. E desafiar a ameaça das potências dominantes de usar a força contra outros países ou interferir em seus assuntos.”

Deste blefador já se esperava isto... Vladimir Putin, então presidente russo, é quem tinha o argumento de peso:


“A SCO pode ser um forte jogador global. Temos 3 bilhões de pessoas e isso faz diferença - disse Putin, que pregou a união dos países contra ‘ameaças desconhecidas’(Grifos meus).

Zhang Deguang, secretário-executivo, chinês que representa quem realmente manda na organização obviamente assumiu o tom conciliatório ao afirmar que a SCO "nunca procurou o confronto com nenhum bloco". E nem precisa...

Mas, entre os sintomas imediatos como seus membros pedirem a retirada de tropas americanas de seus territórios e a China e a Rússia fazerem exercícios militares conjuntos, o que mais a organização pode oferecer em termos de eficácia e resolutividade?

Da retórica de um mundo multipolar, com a suspeita de uma aliança de potências crescentes a desafiar o império americano – China e Rússia, a primeira com suas taxas de crescimento cavalares e a segunda com seu papel assegurado no fornecimento de matérias-primas, a realidade beligerante entre os dois países continentais é muito diferente.

Em termos econômicos, não há muito sentido em se falar em união entre China e Rússia. O anecúmeno entre Moscou e Pequim requer uma infra-estrutura de bilhões que não existe para fomentar um comércio mútuo, cujos resultados já são atingidos com maior satisfação a partir dos acordos já existentes entre parceiros chineses – o extremo oriente e o ocidente – e russos – a Europa. Isto sem falar que entre as duas capitais, a distância é maior que entre Londres e Washington.

Tudo é uma questão de custo/benefício, como não poderia deixar de ser. Se o comércio siberiano fosse algo mais valioso que o convencional, o brutal investimento em infra-estrutura poderia se justificar. Mas, se há algo que distingue esta “nova era” de tempos pretéritos é que não há mais como manter subsídios sem retorno viável e factível. Se um dia as especiarias e a seda foram suficientes para justifica-los, hoje os objetivos militares têm que mostrar sua fatura.


Há também uma grande assimetria que joga contra a Rússia. A leste dos Urais, o país é relativamente
desprotegido se considerarmos sua população, enquanto que a China tem uma gigantesca massa humana na Manchúria na proporção de 15 para 1 contra os russos no extremo oriente. Só o que falta para Pequim é vontade de ocupar a região, o que não ocorre porque o país permanece voltado para si mesmo, seu interior e suas próprias questões.


Se para a Rússia, a vulnerabilidade está na posição – ter que lutar entre duas frentes possivelmente aliadas, China e Otan – para a China, trata-se de uma questão quantitativa e tecnológica: em termos militares/nucleares, a Rússia está muito à frente.

Geograficamente, no entanto, é difícil para a Rússia aproveitar seus recursos com menores custos, como seria o transporte hidroviário. Seus rios, diferentemente da América do Norte não se interconectam e há extensas costas bloqueadas pelos gelos. Sua melhor alternativa reside num remoto Mar de Murmansk, inócuo para o caso de assegurar uma hegemonia siberiana. O leste dos Urais guarda certa similaridade com a realidade africana: demasiado rico em recursos minerais, mas vasto, incomunicável e pobre em infra-estrutura.

Se para os russos, o comércio marítimo é uma necessidade premente, para os chineses, ele é “natural”, com sua população concentrada num litoral de águas tépidas, livre de obstáculos naturais. Analogamente ao comércio e a economia, a Rússia também não tem a primazia militar no meio integrador dos oceanos. Cabe aos EUA o domínio sobre os oceanos com 11 porta-aviões prontos para qualquer ação na região. O poder russo não é naval, nunca foi, mas americano o que lhe confere enorme desvantagem. E se a China quiser manter seu PIB de US$ 14 trilhões em mesmo ritmo de crescimento deve se pautar pela orientação civil e neutra nestas questões. Pequim, simplesmente, não irá matar sua galinha dos ovos de ouro por uma tresloucada aventura geopolítica.

Mesmo o coringa na manga dos russos que consistia em amarrar o fornecimento de gás das repúblicas da Ásia Central para a Europa – que no período soviético serviam ao norte do país – já não é mais o mesmo: estão arriscados a perde-lo. O interesse das ex-repúblicas soviéticas na SCO está nesta intermediação, que o Kremlin usa para obter concessões políticas dos europeus.

A China, por sua vez, tem seus próprios problemas. Com o crescimento econômico, movimentos de descentralização política são fomentados por suas províncias periféricas. Contra eles, duas linhas de dissuasão são adotadas por Pequim: diluindo a diversidade étnica com programas de migração da etnia Han (majoritária) e com o aporte de infra-estrutura (especialmente, ferrovias) no Tibet e Sinkiang. Aí reside um dos poucos pontos em que Pequim pode amenizar sua vulnerabilidade energética frente ao domínio logístico americano, na proximidade das reservas de gás da Ásia Central. Para tanto, seu domínio sobre as regiões tem que continuar num crescendo com a instalação de estradas, trilhos e tubulações. Isto, inevitavelmente, traz problemas a Moscou, cujo monopólio na rede de infra-estrutura (e a vantagem que detém sobre o consumidor europeu) se vê agora ameaçado.

A aliança entre China e Rússia tem na disputa pelos recursos da Ásia Central um nó górdio. E quem está mais próximo de desata-lo é a China para fazer diferença entre séculos de esquecimento da região pela Mãe Rússia.


* Fonte: ZEIHAN, Peter. “China and Russia’s Geographic Divide.” In: www.Stratfor.com. July 22, 2008.


Atualização

Quando pensamos em fronteira, a ideia de conflitos e ameaças de invasão, abruptas ou graduais nos vêm em mente, mas em muitos casos, o que ocorre é simples falta de integração. Independente de quem tem razão, se "eurasianos" ou "atlantistas", como gostam de chamar, o fato é que por terra, sem ferrovias suficientes e mesmo hidrovias pontuais, não vai haver integração. Sem business, só restam palavras. A propósito, eu gostei do que o Eduardo Campos falou, sobre "o Mercosul não poder atrasar o Brasil". Engraçado, ou melhor, triste é que enquantos algumas sociedades têm dificuldades ou até bloqueios físicos, outras simplesmente têm amarras mentais.