quinta-feira, novembro 12, 2009

Um reles indivíduo


Ao pensarmos sociedade nos acostumamos com grandes e numerosos atores capazes de fazer história. Ora são as nações, ora as classes sociais, ora as etnias etc. O engraçado é que num mundo tão povoado, cada vez mais povoado por indivíduos sobre tão pouco espaço para esta categoria de análise: o indivíduo.
Pois o caso em questão aborda precisamente isto: como um indivíduo pode e, de fato, conseguiu mudar uma larga e tradicional cultura produtiva. O Sr. Leontino Balbo Junior divergiu de um arraigado modo de produzir açúcar de cana, divergiu da cômoda taxa de lucro do curto prazo, de colegas empreendedores que viam com maus olhos sua campanha contra as queimadas nos canaviais, de uma indústria de insumos que oferece soluções rápidas a “pragas” e doenças da lavoura... Enfim, trata-se de um indivíduo que divergiu da tradição. É interessante notar que ainda soa estranho acreditar que o empreendedorismo, a atuação de um self-made man tenha peso ao ponto de mudar todo um estado de coisas. Sobretudo quando nos acostumamos a pensar que o modo de produção capitalista impingiria contradições inexoráveis em sentido contrário ao conceito de sustentabilidade sócio-ambiental. Então, duas categorias que são verdadeiras “vacas sagradas” do pensamento social militante, a força do coletivo e a superação do modo de produção foram postas em cheque neste caso pessoal.
Uma questão importante que se põe para nós, portanto, é: será que as grandes inovações são mesmo processos anônimos, coletivos dependentes de uma lenta e gradual curva da evolução social ou podem partir de mudanças bruscas que sejam conseqüência da mera força da imaginação? É difícil para os ecologistas militantes crer que vários pressupostos seus, como a criação de uma matéria orgânica (húmus), o retorno da vida selvagem (mais de 100 espécies animais), independência de produtos químicos etc. não tenha partido de uma superação econômico-social nem de um pacto social entre governos, empresários e movimentos sociais, mas simplesmente da vontade de um indivíduo que não abdicou do lucro, como empresário que é, mas planejou sua atuação para auferir uma maior lucratividade no longo prazo. Então, como fica todo discurso de que capital e meio ambiente não combinam, neste caso?
Mais difícil ainda para os militantes de esquerda, com os quais, grande parte do discurso ecologista se confunde, é admitir que a sustentabilidade econômica e ambiental seja possível com uma empresa que detenha 14.000 hac, 90% do mercado de açúcar orgânico nacional, mais de 60% do internacional, atue em 67 países.
Portanto, o mais fácil é crer que se não temos uma solução definitiva para a problemática ambiental, ao menos temos indicações que nos levem a um processo. E este, ao que sugere a experiência do Sr. Balbo não é pré-determinada segundo um script político, não segue um deducionismo rigoroso, mas se pauta na velha e boa tentativa e erro. E por trás deste empirismo ocidental, uma boa dose de paixão e fé.

sábado, agosto 01, 2009

Rússia vs. Geografia




Sobre o artigo The Geopolitics of Russia: Permanent Struggle aqui vai uma pequena análise e resumo:



Sempre achei interessante esta "teoria do estado-tampão", ela é tão exata e matemática para uma realidade humana que dá para desconfiar que não seja tão exata e lógica assim. Mas, o site dá a dica quando diz que os militares russos necessitavam de uma grande rede de inteligência e informação para sobreviverem sob constante ameaça.


E essa avaliação de que a Rússia sempre teve que fazer um 'malabarismo' entre Ocidente e Oriente, eu tenho uma dúvida: parece uma análise "muito geográfica", calcada quase que exclusivamente no mapa. Se Moscou já foi chamada de a "Terceira Roma", ela não parecia "estar entre", mas ser um dos pólos que exercia pressão. Claro que tudo é relativo, mas a análise parece justificar as ações da Rússia ao longo da história como reação, só reação.

Outro dado interessante é que sempre que se fala em população, o que costumamos ler por aí foca em seu tamanho ou, na melhor das hipóteses, na densidade e o texto também avalia sua distribuição e os problemas decorrentes do armazenamento de alimentos.

Quanto a tendência à desintegração de seu império, hoje 'federação', está ok. Mas, sempre que leio o adjetivo 'natural' me indago até que ponto isto representa uma via de sentido único? Afinal, com toda a tendência ao secessionismo, a Rússia angariou vastas terras e perdendo um pouco aqui e ali, conseguiu se manter unida a maior parte do tempo. Outro exemplo do que digo, sobre esta "determinação natural" é sua necessidade de expansão a oeste pela planície polonesa para se defender de possíveis ataques, "o ataque é a melhor defesa". O que faz sentido para mim é que como não há forte desenvolvimento econômico e tecnológico ao longo de sua história, o "destino manifesto" do país é se expandir mesmo.

Se a manutenção do império dificulta a exploração racional ao longo de seu vasto território é um dilema, eu não entendi a passagem, pois me parece que a melhor maneira de manter o império é desenvolvendo-o economicamente. O que o texto sugere é uma oposição entre economia e geopolítica, como se esta dependesse do subdesenvolvimento regional-periférico para continuar centralizando o império. Pode fazer sentido, mas se permite a analogia (guardadas as devidas proporções) fácil e limitada, uma Espanha rica se mantém unida mais facilmente do que poderia querer uma Iugoslávia (que não conseguiu) pobre.

Gostei da analogia com um centro duro protegido pelo frio do norte e pelos Urais. O império aí funcionaria como uma infecção que combatida pelos glóbulos brancos que tentam destruí-lo, sempre recua para depois, novamente, se disseminar ao longo do corpo-território.

Para um texto que inicia acusando o caráter 'indefensável' do território russo admite, no entanto, a dificuldade dos russos serem atacados hoje pela vastidão siberiana. Aí estaria uma (imensa) área segura e de difícil ocupação.

O leste da Ásia Central (Cazaquistão), com três meses de neve, colocado como empecilho e razão(!) principal dos japoneses terem preferido atacar os EUA na II Guerra Mundial foi algo que me chamou atenção. "Principal razão"... Sempre é algo forte suficiente para objetar, mas não deixa de ser uma tese interessante.

Diferente é o caso quando se fica no reino das possibilidades, condicionamentos etc. O Cáucaso, os mares Negro e Cáspio que ajudaram na manutenção do império, onde a geografia não atuou contra a Rússia, mas a favor dela. Já, não se pode dizer o mesmo da fronteira com o Afeganistão, onde começa o problema de sua estabilidade, com um deserto difícil de domar povoado por diversas tribos que, como se sabe, sempre foram marcadas por sua irredutibilidade, ao passo que a fronteira com a Turquia e o Irã divididas por montanhas facilitaram seu domínio.

Mas, achei muito bom mesmo, a consideração de que o principal ponto fraco (ou área frágil) está a oeste, na fronteira com o centro europeu. Enquanto os russos chegam nos Cárpatos, eles têm uma certa segurança criando um estado-tampão na Moldávia (ou Bessarábia), mas com risco ainda de uma investida de além da Romênia. E não é a toa, nem anacrônico dizer isto, haja vista, as recentes expansões de "guarda-chuvas" da OTAN.

O irônico disto tudo é que justamente a estratégia de contenção consiste na criação de tampões que sugam os recursos do estado russo. Ou seja, apesar de terem que sempre lutar contra a entropia geopolítica se fortalecendo mais e mais, acabam com isto semeando sua própria decadência.

Mas, quando se fala em 'decadência' sempre é bom lembrar que mesmo tendo se reduzido territorialmente após o fim do comunismo, a Rússia retornou ao seu tamanho do século XVII, como atesta o próprio artigo. Ou seja, em termos históricos, mais ficou estável do que perdeu, territorialmente falando.

O enorme gasto para manter seu território colocou a Rússia em desvantagem frente a seus competidores ocidentais e asiáticos. E, claro, a competição armamentista com os EUA sufocou sua capacidade de desenvolvimento deslocando importantes recursos para este setor, vital para sua manutenção como império.

A perda de toda Europa Oriental como área de influência exclusiva, a Ásia Central e o Cáucaso são provas inegáveis da vitória do capitalismo ocidental. A sorte do país é não ter como vizinho uma China aventureira e expansionista, afinal este país já tem problemas internos suficientes.

Parece difícil uma maior fragilização do cenário russo, mas como assevera o texto, a história tem lá suas mudanças dramáticas e agora, com a expansão da Otan sobre o Cáucaso e Europa, o sentido de auto-defesa russa se aguça mais ainda. Se compararmos a Rússia com o Irã ou China ou EUA, seus objetivos estratégicos não têm sido alcançados: não está segura no Cáucaso; perdeu influência na Ucrânia, Moldávia, Ásia Central; bem como amarga o recolhimento da linha de segurança nos Cárpatos e para aquém do Báltico, o que lhes é inaceitável, assim como a neutralidade da Bielo-Rússia; também não obtiveram um porto livre de bloqueios ocidentais. Estes são alguns pontos que seus vizinhos periféricos vêem como altamente desejáveis.

Mas, penso que do outro ponto de vista, também não interessa uma grande fragilidade interna russa que lhes possa causar convulsões internas que podem se refletir em uma política externa mais agressiva, como se viu claramente no caso da Geórgia ou antes ainda, na Chechenia.

Apesar de algumas dúvidas que o texto me sugeriu, o texto encerra com chave de ouro ao realçar o enfrentamento dos problemas internos russos, assim como a manutenção de seu heartland ser um problema mais geográfico que ideológico. Realmente, um excelente texto.

sexta-feira, julho 10, 2009

Na natureza domada



Dois anos ele caminha pela terra. Sem telefone, sem piscina, sem animal de estimação, sem cigarros. Liberdade definitiva. Um extremista. Um viajante estético cujo lar é a estrada. Fugido de Atlanta, não retornarás, porque “o Oeste é o melhor”. E agora depois de dois anos errantes chega à última e maior aventura. A batalha final para matar o ser falso interior e concluir vitoriosamente a revolução espiritual. Dez dias e noites de trens de carga e pegando carona trazem-no ao grande e branco Norte. Para não mais ser envenenado pela civilização, ele foge e caminha sozinho sobre a terra para perder-se na natureza.

Alexander Supertramp, pseudônimo de Christopher Johnson McCandless 
apud Na Natureza Selvagem[1] de Jon Krakauer. McCandless foi encontrado morto por inanição na carcaça de um ônibus abandonado no Alaska em 1992.





quarta-feira, junho 17, 2009

Dois debates

A influência ou oportunismo governamental com a temática ambiental não é novidade. Desde 1972, com a Conferência de Estocolmo que o debate ecológico tem a nítida presença de governos. Ocorre que naquela época, a preocupação se dava precisamente com apreservação de recursos naturais. Daí, o termo ‘preservacionista’ que, dado o radicalismo ongueiro atual, parece ter saído de moda. Por que é que é a questão... Em parte, porque a maior parte das organizações ambientalistas se compõe de socialistas reciclados que busca outro carro chefe para guiar suas idéias intervencionistas. Mas, não é só isto: alterações ambientais, dentre as quais, as presumidas mudanças climáticas são as que mais chamam atenção e, outras bastante evidentes, que resultam em impactos indesejados que prejudicam a todos indistintamente. De modo que é, no mínimo, temerário vociferar que se trata, tão somente e de modo simplório, de um ataque estatizante contra o capital privado. É muito mais do que isto. Externalidades não previstas (pois, não seriam externalidades se fossem devidamente previstas), prejudicam vários empreendimentos também. O próprio capital, em determinada situação, pode ser prejudicado pela ação de outro agente, seja estatal ou privado. Cabe conhecer o processo na íntegra, para que ações indenizatórias possam resultar em justas compensações (assim como danos à propriedade, p.ex.).