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sábado, agosto 18, 2018

A Economia não determina o Pensamento


A economia possibilita maior ou menor acesso às diferentes escolas de pensamento, mas escolas de pensamento podem plantar o sucesso ou fracasso de economias inteiras.
A posição de um indivíduo na escala social, na sua posição de classe determina seu modo de pensar? Não. Pode sugestionar devido ao padrão usual dentro de um grupo, mas nunca determinar taxativamente.
Em termos gerais, a posição que se tem em um dado estrato da sociedade, seja uma classe, casta ou estamento faz com que se defenda a mesma se se tem vantagens nela. Aí haveria um traço comum em vários grupos privilegiados ou mais abastados de diferentes sociedades, mas os projetos de vida de cada indivíduo em grupos A ou B são muito variados, não podendo ser enquadrados em um modelo ou padrão uniforme. Eles podem variar em função de regiões, religiões, seitas, culturas regionalizadas, subculturas internas a outra geral (guetos, imigrantes etc.). Para dar um exemplo, dentre tantos outros, o movimento trabalhista na Inglaterra é bem mais moderado do que seus irmãos não-siameses, os socialistas continentais, particularmente na França, celeiro de grupos mais radicais.
Vamos pensar em outros casos? Tome um popular russo e veja quantas diferenças em relação a um americano médio (e outras similaridades, por seu turno) e mesmo dentro dos EUA, quão distintos são um californiano de um texano. Esquecemos mesmo que os Estados Unidos são estados diferentes, muito diferentes. E o vizinho ao norte, o Canadá? Se tomarmos um quebecois como exemplo, como ele tem particularidades diferentes do mundo anglófono e por aí vai… A própria religião é menos dominada pela economia e mais um fator determinante para o sucesso ou insucesso desta, como se pode distinguir claramente entre povos protestantes e católicos no passado.
As classes podem ter similaridades em diferentes sociedades, mas as combinações com outros fatores que são peculiares a estas diferentes sociedades produz efeitos diversos. A maneira de ver o mundo sob uma óptica economicista guarda muitos paralelos com o marxismo, quando Marx dizia que uma classe “pensa” de certo modo ao se descobrir ou descobrir o projeto histórico do qual faz parte, como quando passa de uma classe em si para classe para si.
Existem leis gerais sim, mas correspondem a determinações sobre indivíduos, como regras de sobrevivência. Mas se tais agentes estiverem em diferentes classes, regiões, culturas se adaptarão a outras influências ou responderão conforme seu aprendizado, não sendo meros ecos de uma posição conforme a renda ou na estrutura produtiva.
Eu convivo com pessoas com mais ou menos recursos, com mais ou menos dinheiro e já vi algumas, endinheiradas entrarem em ambientes mais pobres se sentindo ameaçadas, seja porque chamam atenção, seja porque não foram criadas com o mesmo espírito de defesa e não sabem como agir. Mas outras, tão ou mais ricas que têm uma espécie de talento inato para relações públicas se adaptam bem em diferentes ambientes tirando de letra qualquer incômodo. Mas eu posso dizer que em função da renda se acaba convivendo com pessoas com padrões de vida semelhantes assimilando ou adquirindo pensamentos e desejos correntes no grupo, mas isto não pode ser chamado de determinação e sim de condicionamento.
Existe um debate interessante datado do Século XIX na Geografia, a oposição entre Determinismo Geográfico Possibilismo Geográfico, o primeiro original da escola alemã e o segundo da francesa. O Determinismo sustentava que a Natureza levava o homem agir de determinada forma, que o impelia a determinadas ações e condicionava o desenvolvimento de um povo inteiro. Já, o Possibilismo mostrava a Natureza ofertando possibilidades ao desenvolvimento humano, ou seja havia espaço para margem de manobra. Embora o Possibilismo tenha ganho debate, até mesmo pela própria evolução tecnológica ignorar completamente o peso da Natureza seria um erro análogo ao ignorar completamente o peso econômico da vida em sociedade.
A pluralidade na percepção dos fatores e combinações sociais não deve nos levar ao extremo oposto que é o da inferiorização ou desprezo por fatores econômicos e geográficos. Eles existem, mas são mediados por outros fatores.
Bem, se não dá para ignorarmos o fator econômico na influência cultural restringir a cultura e o pensamento a uma determinação econômica está totalmente fora de questão.
Anselmo Heidrich
18–08–2018

segunda-feira, junho 08, 2015

Democracia e Interesse


Democracia e interesse

Não existem em essência “interesses coletivos”. Todos interesses são, no limite, interesses privados. Mas, não raro, quando se demanda por maior força política ocorre a arte da associação. Se eu tenho interesse que meu bairro, localizado em uma área que recentemente deixou de ser rural tenha calçadas, isto vai depender de minha comunicação com os representantes políticos locais e/ou com a própria população. Se esta não demonstrar interesse nisto, terei que me esforçar por convence-la de sua importância. Do contrário, simplesmente não atinjo meu objetivo e fica comprovado que meu interesse particular não encontrou sintonia com o de outros.
Não há neste caso, um interesse coletivo que deixou de ser atingido. A coletividade em questão não achou interessante minha proposta individual, provavelmente por que outros indivíduos têm outras prioridades. O termo “coletivo”, no entanto, goza hoje de um favoritismo, como se fosse o certo ética e politicamente falando. Não é assim. Torna-se mais fácil pensarmos em uma lógica de ação coletiva quando não dispomos do referencial teórico de uma verdadeira democracia liberal. Em uma economia altamente oligopolista como a nossa em que alguns setores empresariais não têm no estado a necessária isenção de interesses políticos e sede por propinas, mas sim um corruptor, se sabe de antemão que jogar segundo preceitos individuais e de livre-mercado é como seguir os Dez Mandamentos numa Sodoma. O mecanismo público de apropriação dos interesses privados que se tornou mais conhecido em nossas latitudes como a malfadada “Lei de Gerson” é uma deturpação do liberalismo e não seu endosso. O que deveria existir para regular os interesses, apenas perverte.
O tão alardeado fracasso da “democracia burguesa” em prol de uma tão utópica quanto nefasta “democracia popular” se constitui em um estelionato sociológico de raciocínios totalitários. Primeiro por que a democracia não é “burguesa”. Burgueses, assim como quaisquer outros grupos têm no regime democrático seu lugar. A raiz do problema está na promiscuidade entre um poder público e os direitos (e deveres) privados, o que se chama patrimonialismo.
Costumamos associar esta perversão só na entidade todo-poderosa chamada de “estado”, esquecendo-nos que ela é, em última instância, um reflexo do que somos como sociedade… Por ocasião da greve da USP, um estudante me disse que “um dos princípios da democracia é o direito de greve”. Pois sim, mas também é um de seus princípios, intocáveis, o de “ir e vir”. Como manter aquele em detrimento deste quando professores e alunos que não simpatizavam com a causa são impedidos de entrar em suas salas de aula? Tão lícito quanto o direito à greve é o de não participar da mesma.
O que não se considera na ação de um agente corruptor incrustado em algum órgão público ou em um militante socialista que finge estudar para se aplicar na política estudantil, é que nossa civilização se apóia, mais do que no conceito de propriedade privada, na idéia de um contrato social. Este pode ser quebrado desde que assumidas determinadas conseqüências. Se eu não quero cumprir com minhas obrigações trabalhistas, este é um direito meu, mas devo saber que sofrerei algum tipo de sanção, que terei que arcar com os efeitos de meus atos. Simples.
Nenhum direito no caso pode subverter o direito à liberdade, que foi o que se viu na greve dos estudantes da USP. Diga-se de passagem, insuflada, pelo sindicato dos funcionários, o SINTUSP.
Ocorre que a mentalidade de sindicatos não se pauta pela lógica de mercado que é, antes de tudo, uma ação coletiva cujos interesses são privados. Se a greve, realmente, tivesse o endosso da maioria, por que não deixar, justamente, esta suposta maioria decidir por si própria se queria ou não ter suas aulas? Por que o temor? O raciocínio sindical não parte da premissa do livre-arbítrio, ele procura anula-lo tal qual um corruptor procura anular a competição em seu próprio favorecimento.
Democracia pressupõe conflito sim, mas um conflito regulado (e regulamentado) por regras transparentes. No fundo, o que fazem os arautos da “democracia direta” ou da chamada “democracia participativa” é transformar a própria democracia numa “soma de opiniões ignorantes”.
A idéia subjacente é que não deve haver governo (“si hay gobierno, soy contra”), todos devem tomar o estado de direito de assalto e, posteriormente, perante uma anarquia reinante, sugerir um governo sim, porém despótico. Nada de doutrina de governo, mas que se doutrinem indivíduos para um governo alheio a eles, parece ser seu mote. Subverta qualquer arranjo institucional em nome de um vago conceito de “ação direta”. Para meliantes deste naipe, as instituições são apenas blocos de poder em que indivíduos não atuam, se submetem. Mas, o que eles fizeram senão submeter os que não concordavam?
O pior é que democracia pressupõe também uma antítese da insociabilidade. E, behavioristicamente, falando, o que mais se viu, foi a manifestação por parte dos estudantes, de um comportamento de matizes totalitárias. Em que pese seu adjetivo preferido: o “social”. Social isto, social aquilo, não teve na realidade nada de “social” em ameaçar aqueles que pleiteavam um raro desejo no Brasil, o de estudar.
Os socialistas gostam de chamar nossa democracia de “burguesa” confrontando-a com uma mágica democracia socialista. Ora, democracia é democracia, que me perdoem a tautologia. E ela não pode ser contraditória, isto é, que pressuponha a eliminação da própria liberdade de expressão, de comércio, de direito à propriedade etc. A democracia não subsiste também sem o republicanismo que separa a coisa pública (res publica) da propriedade privada. As duas são necessárias e devem ser bem definidas para que nenhuma suplante a outra.
No Brasil, só se começou a falar em democracia como princípio absoluto, em nossas academias plenas de marxismo, a partir dos anos 80, quando o socialismo moribundo da Europa já dava seus sinais mal cheirosos de putrefação. A incorporação do conceito por eles é recente e mal compreendido. Tal qual os corruptos do governo ou os que se beneficiam deles, nossos estudantes grevistas destroem cotidianamente a base da sociedade democrática ao misturar seus interesses privados com o que deveria ser comum a todos, a liberdade de opção.