segunda-feira, dezembro 30, 2019

Pense bem antes de responder


Há quatro anos atrás…
Contar um causo de tresontonti pr’ocês.
Estava na farmácia com meu filho (3,5 anos) e ao me dirigir ao caixa ele me pergunta:
— Papai, o que é isso?
Bem em frente a ele, na altura de seu rosto, várias camisinhas, embalagens coloridas etc.
— Ah… isso é pra dar segurança quando for namorar.
O guri me olhou como sem entender nada. Meu papo não tinha pé nem cabeça. Só que eu não desisto fácil…
— Isso é pra não nascer ninguém e não ficar doente. Pegar vírus ou ter nenem.
A essa altura não era só ele que me olhava como se eu fosse um ET tentando cantar em russo, o atendente do caixa já apertava o lábio segurando uma risada.
Às vezes a sabedoria manda recolher o time e tentar uma outra vez, mas a situação já tinha virado uma questão de honra para mim.
— Ah… É tipo uma luva de boxe, tu põe no xixi para dar soco…
Eu deveria ter calado minha boca. Ele me olhava como se eu estivesse drogado. Apareceu uma mulher do nada também se segurando pra não rir e o atendente, provavelmente com pena de mim dizia “é… dá, tipo uns socos mesmo”.
Bem… conclusão da história:
1) Se eu fosse um estatista baixaria um decreto proibindo a exposição de camisinhas a menos de 1 metro do piso;
2) Como eu sou um liberal fui pra casa pensando em estudar uma forma de explicar o assunto pro garoto.
Mas por ora, FELIZ ANO NOVO PRA VOCÊS!
Anselmo Heidrich
31 dez. 19

Imagem Condoms (fonte): http://pngimg.com/download/45244

A Reforma do Mercado de Terras na Ucrânia

Paisagem ucraniana

Há décadas que a Ucrânia debate a regulamentação de seu mercado de terras. Grupos antagônicos divergem sobre vantagens e desvantagens da formulação de uma legislação do setor. O fato é que essa reforma é necessária ao desenvolvimento econômico de longo prazo, à sua atração de capitais fixos ao território ucraniano, mas, no curto prazo, do ponto de vista político, ela é altamente impopular.
Existe uma moratória ao mercado de terras há 18 anos e no dia 13 de novembro se ensaiou sua retirada, o que seria uma decisão histórica para o país. O Projeto de Lei adotado permitiria que se comprasse e vendesse terras no país, considerado o “ celeiro da Europa”. Sua aprovação contou com 240 votos, 227 dos quais com o partido do Presidente, o Servo do Povo. Os outros partidos, nacionalistas ou pró-russos, o Solidariedade, do ex-presidente Poroshenko, a Voz, do astro de rock Sviatoslav Vakarchuk, a Pátria, de Yuliya Tymoshenko, e a Plataforma de Oposição — For Life -, pró-russo, foram contra.
Apesar da justificativa para a entrada da moratória em 2001 ter sido a preparação para leis necessárias à introdução do mercado de terras, ela foi regularmente prorrogada. O grande temor é de que a terra ucraniana fosse tomada por estrangeiros, dentre os quais, chineses e árabes. Isto levou ao presidente Zelensky a anunciar que o projeto seria alterado antes de uma segunda leitura para que apenas “cidadãos e empresas ucranianas fundadas por cidadãos exclusivamente ucranianos” tivessem o direito de vender e comprar as terras, com a possibilidade de extensão desse direito a estrangeiros através de um referendo, exclusivamente, ucraniano.
Quem teria acesso à terra?
Com o objetivo de abrir o mercado, o Projeto de Lei apresentava restrições, como não mais que 35% das terras agrícolas poderem ser possuídas por um indivíduo dentro de uma comunidade territorial unificada*, não mais do que 8% do oblast e não mais do que 0,5% (200.000 hectares) no país. Na prática, como grande parte das terras agrícolas já é de propriedade de grandes empresas com participação de capital estrangeiro, as restrições mencionadas no projeto não se aplicarão à maioria delas.
Formalmente, de acordo com o documento aprovado, apenas podem comprar terras:
– Cidadãos ucranianos;
– Entidades legais;
– Comunidades territoriais;
– o Estado.
Mas o que diz a primeira versão do texto sobre a reforma quanto aos estrangeiros?
Eles podem adquirir a terra para fins agrícolas, mas são obrigados a aliená-las dentro de um ano a partir da data da aquisição da propriedade, o que seria um fator de desestímulo às transações. No entanto, há um parágrafo sobre “Disposições Transitórias do Código de Terras”, dedicado a estrangeiros e entidades estrangeiras que proíbe a compra de terras até 2024, mas concede exceções aos que trabalham na Ucrânia há, pelo menos, três anos. Além disso, quando a lei entrar em vigor, terão preferência na compra das terras.
Para os deputados que criticaram o projeto aprovado, os interesses dos grandes produtores agrícolas de origem estrangeira foram garantidos, aumentando o risco de monopolização do setor. Com o fim do comunismo, muitos empresários se formaram arrecadando ativos do Estado com valores abaixo do mercado externo, porém, o setor agrícola permaneceu fechado até que uma lei de terras fosse aprovada, que veio em 2001. No mesmo ano foi declarada a moratória para venda até 2005 e, até hoje, o Parlamento já prorrogou seu fim por nove vezes.
O que os ucranianos pensam sobre o projeto?
Enquanto a União Europeia apoia a abertura do mercado de terras ucraniano, a sociedade ucraniana a rejeita por até 73% da população, segundo pesquisa da Rating, podendo chegar até 80% de rejeição em outras fontes de pesquisa.
Quais seriam as raízes de tamanha rejeição?
O tema é sensível porque o conceito de terra na Ucrânia está intimamente ligado à ideia de nação, tanto que há uma palavra que tem ambos os significados, zemlia. Desde a coletivização forçada de terras pelo regime comunista** que a posse de sua propriedade individual é vista como uma questão de autonomia nacional. Mas, nesse sentido, a terra como propriedade privada é vista, prioritariamente, como terra para os ucranianos. Apesar da predileção dos nacionalistas ucranianos em se integrarem à União Europeia, para esta a abertura do mercado de terras é essencial ao desenvolvimento econômico do país.
Apoiadores da moratória
Dentre os opositores, além dos produtores rurais já estabilizados no mercado interno ucraniano, encontram-se partidos que solicitaram referendo popular sobre o Projeto de Lei, como a Pátria (Batkivshchyna), de Yuliya Tymoshenko, e o partido pró-russo, a Plataforma de Oposição — For Life. Junto a estes, o partido conservador-nacionalista Freedom (Svoboda), que não obteve nenhuma cadeira no Parlamento nas últimas eleições ao Legislativo, participaram de manifestações contrárias à liberação. Somando forças, mas por razões diversas, o partido liberal, Voice (Holos) também se opôs ao modelo de reforma. Como ponto em comum, todos acusam o risco de monopolização do mercado de terras. Segundo comunicado do Svoboda: “De fato, o sentido dessa ‘reforma agrária’ é semelhante à privatização de cupons da indústria ucraniana. Quando todos os cidadãos ucranianos que assinaram vales em papel em suas mãos supostamente se tornaram proprietários, mas, vários clãs oligárquicos se tornaram os verdadeiros proprietários da indústria. Com o ‘mercado de terras’ será semelhante: de fato, todos serão coproprietários, mas, de fato, oligarcas e empresas estrangeiras se tornarão donos de terras ucranianas”.
Para Yuliya Klymenko, parlamentar do partido Voice, de corte liberal, que, em princípio, apoia a liberação do mercado de terras, a situação é confusa, o que levou seu partido a não apoiar o Projeto de Lei: “Até eu, como parlamentar, não entendo completamente qual conceito final no mercado de terras nos será sugerido. Toda semana temos um novo modelo. Qualquer mudança no modelo leva a mudanças drásticas que refletem os resultados econômicos”.
Apoiadores da reforma
O argumento primordial contra a abertura do mercado de terras é pelo risco de monopolização do setor, mas, como ele se organiza hoje? Em 2001, 74% das terras aráveis da Ucrânia pertenciam a sete milhões de proprietários e80% dessa terra está sob controle de pequenas empresas agrícolas ou fazendas. Os 20% restantes (6,3 milhões de hectares) da área total das terras aráveis estão nas mãos das 100 maiores empresas, 12 das quais controlam um pouco mais da metade da área (3,2 milhões de hectares). Ou seja, mesmo com o objetivo de proteção aos pequenos e médios proprietários, a moratória à liberação do mercado acaba por proteger os grandes grupos já consolidados, evitando a competição.
Esta argumentação é a base dos defensores da reforma, que classificam as forças contrárias como atrasadas e as culpam por corresponderem aos interesses dos grandes proprietários de terras já existentes. Também refutam os alertas de que a reforma não beneficiaria a maioria dos ucranianos. Esse tipo de temor se ampara na visão de que estrangeiros tomariam as terras ucranianas não restando nada aos nacionais, mas, não foi o que ocorreu em todos os momentos de entrada de capital no país. Em um prazo de 20 anos, da independência do país até 2010 observou-se:
1. A privatização da Kryvorizhstal, a maior siderúrgica integrada da Ucrânia, quando entraram 4 bilhões de dólares em receitas (aproximadamente, 16,4 bilhões de reais, conforme a cotação de 23 de dezembro de 2019);
2. A abertura do setor bancário para estrangeiros em 2004, o que trouxe dezenas de bilhões de dólares para o país;
3. A liberalização de vistos para cidadãos da União Europeia em 2005.
E é isto que os defensores da reforma esperam, um dramático aumento dos investimentos, caso caia a moratória.
A posição da União Europeia
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ( CEDHdecidiu contra a moratória da venda de terras ucranianas e em favor dos proprietários em 2018. Segundo ele, a moratória viola os direitos dos cidadãos ucranianos como proprietários de terras. A situação é instável desde o ano passado (2018), com o risco de a Ucrânia ter de arcar com pesadas indenizações pela compensação da extensão da moratória. Imposta pela primeira vez em 2001, com prazo para terminar em 2005, ela foi prorrogada a cada ano desde então.
Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Segundo Ivan Lishchyna, Agente Governamental no Tribunal Europeu de Direitos Humanos do Ministério da Justiça da Ucrânia, o julgamento do CEDH, segundo o qual a moratória viola os direitos das pessoas, deve ser respeitado: “Caso contrário, o CEDH, em algum momento, perderá a paciência e começará a conceder uma compensação nesses julgamentos. Em seguida, haverá bilhões de grívnias*** em compensação via Estrasburgo para todos os proprietários ucranianos de terras agrícolas que desejarem (aplicar ao Tribunal)”.
Consequências e perspectivas
Uma decorrência lógica desta situação restritiva é a instauração de um mercado paralelo na compra e aluguel de terras, isto é, que funciona ilegalmente. Segundo matéria de 2018, houve 3,2 milhões de transações em dois anos, quase 95% dessas são herdadas ou arrendadas, além, é claro, do desenvolvimento de várias modalidades de corrupção.
Há décadas que a Ucrânia debate a regulamentação de seu mercado de terras. Grupos antagônicos divergem sobre vantagens e desvantagens da formulação de uma legislação do setor. O fato é que essa reforma é necessária ao desenvolvimento econômico de longo prazo, à sua atração de capitais fixos ao território ucraniano, mas, no curto prazo, do ponto de vista político, ela é altamente impopular.
Os solos negros de chernozem na Ucrânia estão dentre os mais férteis do mundo.

Segundo a Constituição Ucraniana, em seu Artigo 14, a terra é a grande riqueza nacional. Mas, nas economias contemporâneas, ela é um meio para a produção de riquezas e, diferentemente de outros recursos minerais, como petróleo, minerais metálicos etc., finitos por natureza, a terra pode ser preservada e manejada sob o conceito da sustentabilidade. Isto, no entanto, requer investimentos em insumos e mão de obra. Com a elevação desses custos, boa parte das propriedades tem sido alugada ou vendida, ainda que ilegalmente. A organização logística das vendas, o financiamento bancário para compra de insumos e maquinário, a infraestrutura necessária para distribuir a produção nos mercados regionais e nacional no atual estado tornam mais fácil aos moradores de Kiev comprar maçãs polonesas que ucranianas. E é este mercado que tem que ser levado em consideração, para que proprietários, investidores e consumidores possam atingir um ótimo comum, que lhes permita fugir das armadilhas monopolísticas de um mercado restrito ou de uma privatização seletiva.
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Notas:
Comunidade territorial unificada, segundo a legislação “Sobre o autogoverno local na Ucrânia”, em seu “Capítulo I, Disposições Gerais, Artigo 6”, as comunidades territoriais podem unir-se em uma comunidade rural, assentamento, comunidade territorial urbana, formando “órgãos unificados de governo local”.
** *** Grívnia, moeda ucraniana que, de acordo com a cotação em 19 de dezembro de 2019, equivalia a 17 centavos de Real. A coletivização forçada de terras pelo regime comunista foi um processo de expropriação de propriedades privadas, sobretudo agrícolas, ocorrido entre 1929–1931, quando Josef Stalin estava no comando da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A drástica concentração de propriedades passando de 21 milhões de unidades para cerca de dois milhões (1931) trouxe enormes prejuízos na produção. Para a Ucrânia, particularmente, foi muito mais do que uma má política com consequências administrativas e logísticas negativas, pois implicaria em um processo deliberado de perda da produção, aproveitado como arma política, causando a morte de, no mínimo, sete milhões de ucranianos, conhecido como Holodomor, o “Holocausto Ucraniano”, entre 1932 e 1933.
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Fontes das Imagens:
Imagem 2 Tribunal Europeu de Direitos Humanos” ( Fonte): https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Courtroom_European_Court_of_Human_Rights_01.JPG
Imagem 3 “Os solos negros de chernozem na Ucrânia estão dentre os mais férteis do mundo”( Fonte): https://www.flickr.com/photos/[email protected]/6400943409

Originally published at https://ceiri.news on December 27, 2019.

domingo, dezembro 29, 2019

Faça sexo, não faça guerra


Por que sexo e comércio têm um papel preponderante na paz entre as nações? Por que ambos, sexo e comércio, são mais relevantes do que o que chamamos de ‘amor’? E, finalmente, por que o sexo pode ser subversivo e construir novas identidades que confrontam o instinto tribal que leva aos conflitos?

Parece palhaçada, mas acredito mesmo nisso… É comum ouvir “faça amor, não faça guerra”, pois bem, amor tem um sentido muito vago, ainda mais hoje em dia. Já, se substituirmos por outros termos, como sexo ou comércio, todos saberemos exatamente do que se trata e não por acaso, eu acredito que estas duas atividades, amor e sexo é que evitam mesmo a guerra.
Sabe aquela história de que países democráticos não entram tanto em guerra quanto não democráticos (o que é verdade), mas o fato é que são democráticos porque são mais livres econômica e socialmente (imprensa, religião etc.) e, consequentemente, se tornam democráticos porque este regime permite lidar melhor com os dissensos políticos. A democracia, assim como a paz não é a causa, mas uma das consequências de uma estrutura econômica que permite menor dependência de um poder autocrático.
Fica fácil entender porque mais comércio leva a menos guerras, mas e o sexo?
Há quase quarenta anos atrás, quando eu estudava em uma escola na Av. Alberto Bins, em Porto Alegre, tive um amigo de ascendência árabe, o que pouco me importava, pois eu não estava nem aí para esse tipo de identidade étnica. Minhas preocupações com meus 15 anos se resumiam à garotas e música, rock’n’roll para ser mais exato. Era, basicamente, só o que eu tinha na cabeça. Bem… Na verdade, não só isso, já começava minhas divagações com livros como o de George Woodcock, Os Grandes Escritos Anarquistas, mas era algo muito abstrato para me preocupar com a política internacional e seus reflexos na capital gaúcha.
Meu amigo, que vou chamar de Rahid, para proteger seu nome verdadeiro e me livrar de um processo, caso ele não tenha amadurecido porra nenhuma nesses anos todos, era um entusiasta da causa pan-árabe e como tal, um ferrenho anti-semita. Não era só anti-sionista não (anti-Israel), mas odiava judeus ou, ao menos, dizia que odiava…
Com o tempo fui começando a sacar que havia outros ‘envolvidos’ em causas distintas na minha turma e, dentre eles, garotos judeus bem conscientes da sua situação. Havia muitas garotas e não vou me alongar em detalhes aqui para não dar uma de Bukowski, mas eis que chega na nossa turma uma aluninha transferida. Em seu peito, diferente de um crucifixo como muitos portavam, uma bela Estrela de Davi. Óbvio que Rahid começou a resmungar e fingir raiva.
Só que enquanto a doutrinação que lhe foi impingida se reproduzia pela sua língua, muito provavelmente, seus hormônios não ligavam para aquela bobajada. A gurizada logo sacou que ali estava uma espécime que ultrapassava qualquer limite fronteiriço territorial ou mental, uma guria, quase mulher e, como eu disse, não vou dar uma de Bukowski, mas… Seu cabelo castanho claro caindo nos ombros, sardinhas e corpo esguio afetavam Rahid mais do que qualquer um. Porque nós só víamos uma garota e ele não conseguia ver nela só um inimigo, ele estava seduzido por ela.
Aquilo se tornava uma obsessão doentia, não aguentava mais ver o cara só falar da menina. Puxávamos conversa sobre qualquer coisa, futebol, festas, drogas, bebidas, música, até AULAS, mas não queríamos mais vê-lo falar mal de uma guria que não saía da mente dele.
Outro dia, ele e seu grupo, pelo que entendi, seu pai estava envolvido, colaram cartazes da OLP (Organização de Libertação da Palestina) pela cidade. Melhor, por parte dela, no Centro e no chamado Bonfim, bairro boêmio com concentração judaica. Não deu um dia e os cartazes deles foram cobertos com outros denunciando o que era e o que fazia a OLP. Ele ficou puto.
Gostava de ostentar um medalhão, sim, já não era anos 70, mas ele usava um medalhão com a efígie de Muamar Kadafi, ex-Primeiro Ministro Líbio, na verdade um ditador financiador do terrorismo internacional. E como tal, os judeus da turma olhavam discretamente para ele e riam, inclusive a ninfeta da qual falei. Mas o tempo passa… E numa dessas, eles caíram em um grupo de trabalho juntos. Eh eh, a biologia venceu e os dois “ficaram juntos”.
Bem, por que não dá para fazer mais desses encontros? Bem que a ONU podia organizar algum encontro às escuras em zona fronteiriça etc. e tal, mas não dá por isso, por esse apartamento territorial. Sei que isso parece brincar com coisa séria, mas o problema ali é mais behaviorista que religioso de verdade. Se formos puxar lá detrás quem tem razão, ela, a Razão vai mudar de lado conforme a perspectiva histórica. Só sei que não dá para apagar a vida e suas possibilidades porque nos cegamos a essas circunstâncias.
Queria, a essa altura do campeonato encontrar o tal Rahid e tomar uma cerveja com o cara rindo disso tudo e de outras coisas, mas como não dá, só sobra um desejo de que tenham fornicado o suficiente para abafar os estampidos de bomba em suas mentes.
Quando você estiver ouvindo os estouros dos rojões no Ano Novo lembre-se que eles podem ser substituídos por gemidos frêmitos de luxúria. E os mísseis e crateras abertas substituídos por… Bem, vocês sabem o quê.
Boa noite e Breve Feliz Ano Novo,
Anselmo Heidrich
29 dez. 19

Imagem “Slightly Feminine” (fonte): https://www.flickr.com/photos/21935306@N08/2734821900

Porque Feliz Ano Novo



Nove anos atrás topei com um sueco maluco que me disse tanta asneira que só um litro de Coca-Cola foi capaz de me trazer à Razão. Dois dias antes do Natal desejei a todos felicidades, inclusive aos malucos. Hoje, com outra tropa de doidos rondando as pessoas mentalmente sãs, eu vos desejo um Feliz Ano Novo.
Anselmo Heidrich
29 dez. 19


Porque Feliz Natal

Hoje foi um dia de cão. Comprei 3m3 de brita para preencher espaços com terra no pátio e passagens. São ótimas para drenagem e… Gosto do barulhinho que fazem. Mas, o caminhão não pôde entrar no terreno e deixou a carga junto ao portão. Quando vi o que teria que carregar para dentro de casa com um carrinho de mão, pude sentir a plenitude da palavra arrependimento. O que que eu fui fazer… Não imaginava como é difícil manter uma vida com certa autonomia. Seria tão mais fácil contratar um pessoal melhor preparado por 50 pila para dar conta do recado. Como o tempo nublado convidava a um esforço, agi sem pensar e comecei a usar a pá.
Quem passava ao lado ou de longe de carro dizia “vai emagrecer, meu!” ao que respondia “é… to precisando.” E eis que surge, de bicicleta e capacete meu vizinho sueco, jazzista, saxofonista coisa e tal. Um cara descolado, como se diz por aí, que resolveu abandonar o estilo de vida do 1º Mundo para se aproximar da Natureza. Vendo-me naquela situação e, vai saber por que, simpatizou comigo e deu uma paradinha para uma prosa. Paradinha essa que estragaria o seu dia. Acometido pelo espírito natalino, distribuí algumas pedras nos buracos da rua.
— Se a prefeitura, ao menos aplainasse a rua, me disse.
— Só que daí teria um custo muito grande para fazer com todas, redargüi.
— A solução então é fazer uma ravina para drenagem, com a rua côncava.
— Olha, se for para resolver mesmo, calçamento com lajota então, mas já daria para fazer os canais laterais fixando grama nas suas paredes, evitando com isso a erosão precoce para que não se formassem voçorocas.
O papo ameno ia neste sentido, mas me enfadei e, numa leve mudança temática perguntei-lhe o que está por trás da acusação de assédio sexual de Julian Assange? Refiro-me ao mantenedor do site Wikileaks, que alega deter 250.000 arquivos do Deptº de Estado americano.
— Nem entro no mérito de se foi ou não pedofilia, mas por que foi acusado justo agora?
Meu interesse era entender alguma ligação entre o governo sueco com o exterior, de que forma, o que dizem etc. Por meu vizinho ser sueco imaginei que tivesse uma análise. Uma análise, não uma teoria da conspiração como o que viria a ouvir:
— Isso veio de cima… Julian Assange é gay assumido desde os 15 anos… As meninas que tiveram caso com ele se vangloriam do fato em seus blogs, etc. etc.
Até aí tudo bem, mas…
— George Soros está por trás disso.
— Por quê? 
Perguntei. Não houve resposta coerente e inteligível. Bem, na verdade houve uma hipótese com lógica para quem for bastante tolerante com a falta de fatos que a sustentem ou, em outras palavras, verossímil para aqueles que crêem em duendes: “eles querem controlar a internet!” Em primeiro lugar, “eles” quem? E como controlar a internet se o procedimento é, justamente, descontrolando-a? Sabe… Se fala tanto em legalizar as drogas… Para quê? A troco de que se muita gente hoje em dia já apresenta os sintomas sem usufruir delas?
Tentei dizer que havia informações importantes que tornariam a política externa mais realista, embora muito do que foi divulgado já se presumia como o desejo saudita de que o Irã seja atacado ou a opinião da cúpula petista sobre as Farc etc. A conversa involuiu a passos largos, embora eu estivesse me recuperando de horas a fio carregando brita. Tentei, em vão, demonstrar a ilogicidade de seu argumento ao que meu oponente replicou “o problema é o capitalismo, esse sistema que esgota os recursos” e “que essa guerra ao terror é que é um absurdo”. Disse-lhe que estava confundindo os temas ao falar de capitalismo quando se trata de decisões políticas e que se a guerra ao terror é controversa, o combate ao terror me parece totalmente legítimo. Veja o caso do muçulmano que estudou na Inglaterra, mas que tentou detonar duas bombas na Suécia, país que tinha endereço e trabalho. Fui rechaçado como preconceituoso, que os árabes são vítimas da pior entidade terrorista, o Estado de Israel e nem quis saber se o caso nada tinha a ver com a situação do Oriente Médio.
Ficava cada vez mais difícil argumentar, ainda mais quando não se considera a complexidade da história e que, tratar genericamente os árabes como terroristas é tão equivocado quanto o que ele pensava sobre Israel. O mesmo mecanismo mental levava a suas conclusões sobre a economia de mercado confundindo-a com o mercantilismo e o conluio do estado a grupos empresariais privilegiados. Perguntei então por que não se mudava para Cuba? Ficou indignado e me disse nervoso que eu tinha que dar a graças a deus por não ter nascido no Iraque. Foi embora pedalando instável sobre as minhas britas aliadas.
Eu nunca pensei que fosse trabalhar com um sorriso sádico sob um Sol que me tostava de modo inclemente e o cabo da pá tirando a pele de meu polegar. Dei um tempo e entrei em casa em busca do Merthiolate, que os médicos atuais desautorizam taxando-o de inócuo. Nesta situação, não adianta, sou tradicionalista “o que arde cura, o que aperta segura” dizia minha avó e assim continuei com mais dois band-aids. Uma caneca térmica da Starbucks, empresa global do capitalismo que esgota os recursos naturais saciou minha sede várias vezes antes do ciclista jazista cool voltar bufando menos.
— Olha, por que o cimento brasileiro é tão caro? Por que tu achas que o monopólio disto no Brasil tem seu maior proprietário sempre ao lado de qualquer governante, seja qual for? Isto não é mercado livre, se importar cimento, até o IBAMA inventa que a carga está contaminada até que endureça e te leve a falência.
— É, mas a Coca-Cola acaba com a água, o capitalismo é isso, não deixa esta situação ideal surgir, replicou.
— Mas, a maior contaminação não vem da agricultura? Coma menos, então. Estas conspirações que alegas, são tantas que não dominam, se anulam. Há uma competição sim, mas política, opaca.
Em vão, tentei explicar que o problema está na falta de lisura de procedimentos governamentais e dificuldades impostas por agências de estado. Que sou favorável a imigração generalizada, disse, mas não admito que quem quer que venha de um país com costumes totalmente diversos tente impor sua cultura a quem os recebeu. Este é o ponto.
— Tu estudou física básica? Como prédios gigantescos ruíram? Não pode… Se referindo ao 11 de Setembro.
Daí, chutei o balde, já que o carrinho de mão estava cheio de brita:
— Isto não passa de uma busca obstinada por um culpado majoritário que expie todos nossos males. É coisa de religioso travestido de investigador, quem vai se auto-destruir para combater o terrorismo? Assim como quem vai liberar informações via internet para acabar com a liberdade na rede global? Não passa de teoria da conspiração sem nenhuma base factual e… Onde compraste este capacete?
— Não sei, não me lembro.
— Pois então, onde foi feito?
— Acho que na China.
— E qual o sistema que o produziu?
— Plástico.
— Não! O sistema econômico?
Com um ar de indignação tardia respondeu atônito “o capitalismo”.
— Pois então…
Não se dando por vencido finalizou “eu não tomo Coca-Cola, aquela porcaria (…) ter é algo efêmero, o que importa é o ser.” A bicicleta voltou a rodar trêmula e se foi.
Agora eu estava com sede, entrei em casa e peguei a garrafa pet de Coca-Cola do congelador e me servi um copo tão gelado que amorteceu a testa. Sensação que tive pela 2ª vez na vida, cuja lembrança da 1ª me persegue desde que tomei meu primeiro milk-shake no Rib’s em Porto Alegre. 
Efêmera, efêmera foi minha sede, que acabava de ser saciada com o líquido negro do imperialismo. Saúde!
Nisto passa um gaúcho velho que doma cavalos para passeios no verão:
— Ulha! E aí! Fazendo uma forcinha nesse mormaço?!
— Isso, ta de matar…
Povo não odeia o capitalismo, vive a vida. Quem odeia é a elite privilegiada que se entrega aos prazeres superiores da arte e um cotidiano sem Coca-Cola, nem celebram o Natal porque é contra o consumismo.
Percebi que ter não é grande coisa mesmo. Com o sax meu vizinho entoa odes para os cárceres dos quais refugiados atravessam mares em jangadas improvisadas em busca da liberdade. A liberdade também pode ser efêmera, tal qual um copo de refrigerante e um dia que ocorre só uma vez no ano, mas sua busca não, esta é eterna mesmo.
Qualquer semelhança com a realidade não passa de mera coincidência. Portanto, uma feliz coincidência e um Feliz Natal para todos vocês. Um abraço.

sexta-feira, dezembro 20, 2019

O Comunismo está na cabeça dos doidos e dos ministros


O futuro é um mundo desencantado, imperfeito, colorido, multinacional e com muito capital, cada vez melhor, mas com muita gente reclamando. Teremos mais psicanalistas e terapeutas porque sobrará dinheiro. A felicidade estará sempre ali, ao alcance de um pílula, uma boa comédia ou intestino funcionando regularmente, não importa. Sempre teremos doidos nos manicômios ou ministérios porque eleitores demandam pela novidade bizarra que traga sensação de mudança. Nosso bravo novo mundo é mais teatral e a fofoca das redes sociais é como aquela velha que não teme a modernidade. Tudo fica igual com roupagem nova.

A matéria da FSP[*] comenta um artigo do Ministro das Rel. Ext., Ernesto Araújo, sobre uma nova ameaça comunista na Am. Latina, nova no sentido temporal e, especialmente, no seu tipo, pois diferiria daquela clássica, da luta armada, calcada no método da “luta de classes”.
Esta nova ameaça seria pela via ideológica, cultural, “gramscista” como gostam de dizer, imporia o comunismo através do “politicamente correto”, da ideologia de gênero, do ambientalismo e do anti-nacionalismo. Segundo o próprio, a reação contra isso, que chama de “globalismo” já estaria ocorrento em governos como o do Reino Unido, Hungria, Polônia, EUA, alguns países africanos etc. Mais detalhes, na matéria linkada abaixo, agora vamos ao que importa:
  1. É bobagem chamar uma coisa, o comunismo, por algo que ele não é. O que ele descreve pode ser chamado de um “governo progressista”, estatismo avançado etc., mas se tem a propriedade privada dos meios de produção garantida NÃO É comunismo. Chame do que quiser, chame de “sistema demoníaco” se tu for da escola da Damares, não importa, mas comunismo tem um conceito, historicamente dado, e não vai ser essa relativização olavética pra se encaixar numa teoria paranoica que vai mudar o que é por outra coisa.
  2. Os governos que estão reagindo a este estado de coisas que o Ministro atenta são de direita e não são uma palavra final, nem o “fim da história”, dos quais não pode haver uma guinada novamente para partidos de esquerda ou centro-esquerda. São mudanças conjunturais, apenas isso. Trump pode perder, Boris Johnson pode perder futuramente, embora tenha se saído bem recentemente, nada é permanente, nada veio para ficar e a oposição não representa o fim de tudo isso, pois não são partidos revolucionários. Mesmo os partidos de esquerda latino-americanos na sua maioria não são mais revolucionários, são máquinas de hipertrofia dos gastos públicos e corrupção, mas não de revolução armada e instauração do partido único. Seu paradigma, melhor exemplificado, não está no Partido Comunista Soviético ou Chinês, mas no Partido Revolucionário Institucional, o PRI mexicano, que ficou 70 anos no poder e é um exemplo de como uma estrutura corrupta apodrece o estado e se mantém no poder. Este é o exemplo deles e não tem nada a ver com o comunismo, exceto por algumas características retóricas. Veja que o melhor exemplo recente de comunismo latino-americano foi o chavismo e não tem uma estabilidade como os outros partidos tradicionais de esquerda.
  3. Falar em anti-nacionalismo pressupõe que você saiba o que é uma nação e como esta se constitui. Por mais que seja um anti-pluralista, adepto de uma uniformidade cultural, quando mais capitalista é uma sociedade, mais aberta e misturada é por uma simples razão: ela atrai imigrantes e gera informação que é quase sinônimo de criatividade e dissensos. Tome os EUA como exemplo, onde você acha que vai encontrar uma sociedade mais capitalista, em Nova York ou no Nebraska? Claro NYC e seu estado, assim como a Costa Leste e a Costa Oeste, bem como extensas áreas do Sunbelt (o sul moderno e rico) têm o famosos WASP (White, Anglo-Saxan, Puritan) como espécie tão difícil de encontrar quanto o Tapir Malaio. O mundo contemporâneo é cada vez mais uma mixórdia e não adianta chorar, queira ou não, nós vamos nos misturar e ficar cada vez mais impuros. E quer saber? Acho que isto pode aliviar certas tensões políticas anacrônicas baseadas no racialismo.
  4. Movimentos culturalistas, identitários podem ser anti-capitalistas na retórica, contra a “exploração”, o “racismo institucionalizado”, o “patriarcado” e outras bobagens, mas na prática, eles são absorvidos pelo capitalismo. Não são um exemplo do que um liberal de boa cepa chamaria de capitalista, mas eles têm elementos que são tomaddos como meras mercadorais. Veja, p.ex, a revista Raça e vários produtos para negros e pardos, são meras mercadorias, vários produtos para um imenso público consumidor gay, que geralmente tem mais dinheiro para gastar que casais de héteros com filhos, veja a infinidade de produtos “ecologicamente corretos” que às vezes não passam de embuste… Não importa, vende, tá dentro! Dizer que tudo isto vai contra o capitalismo, uma vez que são estragégias comunistas, é coisa de burro.
Pode se dizer que tudo isso “não é o verdadeiro capitalismo”, mas daí eu te pergunto, onde e quando houve este verdadeiro capitalismo 100% liberal? Aprendam, que não existe pureza, todos somos impuros e os sistemas que relfetem nossas sociedades também são. Temos que aprender a entender os fenômenos sociais em graus e não apenas em tipos puros conceituais. Ou é isto ou não entendemos a realidade cientificamente, mas apenas como religiosos fantasiosos procurando fantasmas e unicórnios onde só existem mortais com suas imperfeições. Chamar atenção para as imperfeições dos sistemas não é assumir que não há o que fazer ou jogar a toalha, mas ser cético e consciente de que tudo pode mudar, mas gradualmente, com arestas que precisam ser limadas.
Com o tempo, as feministas radicais vão casar e ficar felizes da vida quando ganharem suas máquinas de lavar roupa e louça, bem como um jantar romântico, os gays ficarão felizes da vida com a adoção de filhos que os farão se sentir aceitos, pastores e quem sabe padres assumirão que são gays e viverão felizes para toda a eternidade, assim pensam… Ambientalistas forçarão a barra e teremos um catavento em cada telhado e composteira coletiva nos condomínios com crianças tendo aula de reciclagem na grade curricular; mais atores negros e pardos com bandidos nazistas apanhando feito joão-bobo, bonecos de super-heróis negros e barbies indígenas sendo vendidas a 500 reais nos shoppings. Todo mundo se sentirá valorizado e psicanalistas ganharão rios de dinheiro fazendo essas pessoas se auto-enganarem pondo seus terapeutas em quadros de família com avós, primos, irmãos e cachorros. E claro! Os cunhados, os malditos cunhados![**]
Enfim, todo mundo vai ficar feliz, vai ter trans pra todo lado, até na Igreja e a propriedade privada será preservada, mas o Ministro, a esta altura estará fazendo parte de alguma confraria teorizando sobre alguma área secreta controlado pelos maçons… No Acre, é óbvio!
Anselmo Heidrich​
20 dez. 19

[**]Desculpem, vcs sabem quem, mas eu perco o amigo e não perco a piada.

Imagem “Thomas Karlsson´s Freud´s Divan, Sculpture Garden outside Konsthallen Hishult (Hishult Art Gallery), Sweden” (fonte): https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Tomas_Karlsson_Freuds_Divan.JPG