sábado, maio 06, 2017

Os detalhes despercebidos da sociedade




Muitas coisas que me deixavam infeliz na política partidária, mesmo entre os ditos liberais é a mania de só enxergarem grandes temáticas. Fernando Gabeira quando retornou do exílio e se disse inclinado a lutar por causas ambientais, raciais ou sexuais foi acusado de "se preocupar com as minorias" por seus colegas de partido. Pois bem, qual retórica está viva hoje em dia? A da luta de classes ou a de gênero, meio ambiente ou cotas? Quem "estava certo" em estabelecer um programa ideológico? Não estou afirmando que Gabeira estava certo quanto ao objeto em si de sua preocupação, mas que esta preocupação o levou a uma estratégia vitoriosa. Aliás, tão bem sucedida que hoje nem sabemos a paternidade. Paternidade essa que nem é dele. Para dizer a verdade foi gestada pela New Left, só não sei se europeia ou americana. Tendo a achar que foi europeia devido aos frankfurtianos (Adorno, Horkheimer, Marcuse etc), mas como sempre 'amplificada' nos EUA, país que exporta tudo de bom e de ruim também.
Michel Foucault, de quem não gosto nas premissas e conclusões, mas aprovo (parcialmente) no método de estudo foi muito feliz no título de sua coletânea, Microfísica do Poder porque dá importância a aspectos legados a segundo plano (ou terceiro ou quarto...) pelas esquerdas. Dentre os quais, a arquitetura e conformação dos espaços urbanos – o urbanismo – como formadores (ou pretensamente formadores) de padrões comportamentais, em suma, domínio. Tentei em vão chamar atenção de meus colegas sobre, p.ex., a importância das calçadas, dos espaços públicos como fomentadores, instrumentos que facilitam a sociabilidade de cidadãos na constituição de uma sociedade que valorizaria o respeito, a tradição e se oporia a corrupção já nos pequenos e constantes serviços urbanos. Sabe quando te olham como se tu estivesse aramaico? Pois é... Mas é justamente aí que a coisa se cria e reflete em marcroestruturas da sociedade, uma coisinha que os militantes desconhecem, o cotidiano. Quando discutia isto, inclusive com ancaps (anarco-capitalistas, supostamente mais sensíveis às práticas anárquicas), cheguei a ouvir que prefeituras não eram interessantes de se assumir, pois não tinham autonomia frente ao poder federal. Ora! Se não se muda padrões de comportamento (prestação de serviços e gastos) aí, em outro nível não é que vai se convencê-los do contrário. Óbvio que nem discuto com socialistas, mais centralistas que quaisquer outros, mas os liberais deveriam ser mais atentos a isto por princípio. No entanto, ainda são muito pouco sensíveis a aspectos cotidianos que não passam por questionamentos clássicos.
Bem... Com o tempo espero que isto mude. Mas que fique claro, nada muda naturalmente, mas por insistência erosiva da ideias contra as rochas da ignorância. 

2 comentários:

  1. Bastante elucidativo, sobretudo a respeito da própria esquerda, sempre se tornando a cada geração mais ignorante, superficial, infantil. Você laçou uma luz de longo alcance sobre as reentrâncias. altos e baixos no conjunto das idéias de Foucault, enxergando os pontos válidos, sem cair no maximalismo burro "tudo ou nada" da Direita X Esquerda. Além do chamado á ação, lembrando que as idéias avançam por ATRITO e não por INÉRCIA. Enfim: esse seu ensaio é uma aula de maturidade. Que bom seria se todos os intelectuais fossem assim...

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  2. Meu trecho favorito (embora sendo esta sua uma dissertação, não devo jamais valorizar uma parte acima do todo);

    "Muitas coisas que me deixavam infeliz na política partidária, mesmo entre os ditos liberais é a mania de só enxergarem grandes temáticas. Fernando Gabeira quando retornou do exílio e se disse inclinado a lutar por causas ambientais, raciais ou sexuais foi acusado de "se preocupar com as minorias" por seus colegas de partido. Pois bem, qual retórica está viva hoje em dia? A da luta de classes ou a de gênero, meio ambiente ou cotas? Quem "estava certo" em estabelecer um programa ideológico? Não estou afirmando que Gabeira estava certo quanto ao objeto em si de sua preocupação, mas que esta preocupação o levou a uma estratégia vitoriosa."

    Todo Cientista Político deveria guardar estas palavras PRA SEMPRE.

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