domingo, novembro 18, 2018

O Anátema do Globalismo - I

A figura mitológica de uma hidra com várias cabeças está no imaginário popular de um monstro que com vários tentáculos ou cabeças que fazem parte de um só organismo que, na sua forma atualizada chamam de “globalismo”.

E o tal do Globalismo, hein? Recentemente pesquei esta de um tuiteiro:
“Globalismo é a ideologia que preconiza a construção de um aparato burocrático — de alcance global, centralizador e pouco transparente — capaz de controlar, gerir e guiar os fluxos espontâneos da globalização de acordo com certos projetos de poder. Não confunda uma coisa com outra.”
“Aparato burocrático” que gere “fluxos espontâneos” e dá-lhe acrobacia retórica!
E do guru dos novos cruzados tupiniquins… Conhecem também?
“Nada é mais ingênuo (ou talvez mais esperto) do que apresentar o quadro atual do mundo como se fosse o de um combate entre as grandes empresas e o Estado, ou, o que dá na mesma, como se não fosse senão uma reedição ampliada do velho conflito do princípio capitalista com o princípio socialista. Esse giro sutil que o enfoque esquerdista impõe à visão da realidade mundial reflete uma intenção de usar a salvação das nações como pretexto para salvar, isto sim, o que ainda possa restar da estratégia comunista mundial.
“É falso dizer que o neoliberalismo favorece as empresas em detrimento dos Estados; ele favorece abertamente certos Estados contra outros Estados, e favorece sobretudo a ascensão da burocracia mundial, a qual não é nem empresa privada nem Estado-nação, mas uma terceira coisa especificamente diferente dessas duas. Esta coisa, seja lá o que for, é o verdadeiro inimigo dos Estados nacionais — sobretudo dos pequenos e fracos — e, ao mesmo tempo, o verdadeiro inimigo das empresas privadas, ao menos daquelas que ainda confiam no princípio liberal e não sonham com um monopolismo à sombra da proteção do Estado global.
“É preciso, absolutamente, distinguir (…) o Estado enquanto princípio abstrato e os Estados enquanto realidades históricas concretas. O globalismo neoliberal se volta contra estes últimos, ao mesmo tempo que favorece o primeiro — sobretudo quando este se apresenta sob a forma monstruosamente inflada de Estado mundial –, mostrando, com isto, que de liberal só tem o nome. A prova é que, na mesma medida em que os neoliberais condenam as legislações nacionais de controle da economia, eles louvam a adoção de idênticos controles quando ampliados à escala mundial. Isto não é combater ‘o’ Estado: é combater ‘alguns’ Estados, sobretudo os pequenos, e favorecer outros Estados, sobretudo os maiores, sobretudo o maior de todos” [Estados e Estados, http://www.olavodecarvalho.org/estados-e-estados/]
Nesta longa nota, necessária, pois rica em contradições é que vemos quão insustentável é este esboço de teoria sobre o “globalismo”.
No primeiro parágrafo, Olavo de Carvalho (OdeC) diz que o argumento da Esquerda de opor a empresa ao estado é uma estratégia, última (até esta data) comunista para criar uma falsa oposição de liberais defensores da livre-empresa contra o princípio de existência do estado. Neste ponto, se vê uma divergência filosófica de OdeC com o libertarianismo e ele não está errado, pois o livre-comércio não prescindiu historicamente de acordos entre estados, mas continuemos…
No segundo parágrafo é que começam as incongruências. Primeiro porque não há consenso sobre o que venha a ser neoliberalismo, para liberais mesmo (ou libertários como se chamam nos EUA), não existe isso. O que existe seria um grau menor ou maior de intervenção estatal e o neoliberalismo seria um liberalismo aviltado pelo estado. Eu, particularmente, não vejo assim… Isto é tema para outro artigo, mas vejo uma diferença de conteúdo entre liberais e neoliberais, particularmente após a Grande Depressão quando estes passaram a admitir a atuação estatal para conter este tipo de crise, mas voltemos ao raciocínio de OdeC… Ele sustenta então que o que se forma através da arquitetura global proposta pela cúpula neoliberal (embora ele não tenha utilizado esta expressão, não é contraditória ao seu pensamento), uma ordem econômica se forma para benefício de grandes países — potências, dir-se-ia — em detrimento de “pequenos países”. Bem, aqui começam os problemas, o que OdeC quis, exatamente, chamar de “pequenos países” não é claro. Pelo contexto do artigo presume-se que sejam países economicamente mais fracos, mas isso é relativo, pois, na verdade, a maior parte desses países economicamente atrasados são, justamente, aqueles que não adotam princípios da economia de livre-mercado. Basta acompanhar o desempenho de países mais pobres no Índice de Liberdade Econômica (ILE) para saber do que estou falando. Inclusive, países com pequenas populações, parcos recursos naturais, não raro apresentam elevado desempenho econômico, como é o caso de Dinamarca ou Nova Zelândia por adotarem princípios liberais na economia. Portanto, esta suposição de que economias mais fracas são fracas porque são alijadas de uma “ordem econômica neoliberal” não faz o menor sentido.
Bem, o terceiro parágrafo é a conclusão de OdeC, a cereja do bolo em cima desse glacê pantanoso a guisa de teoria, o de que o neoliberalismo — segundo ele, essa série de acordos entre “grandes estados” — ajudaria a sedimentar o poder de um grande estado, o “maior de todos” e que seria um “Estado mundial” (mais tarde, a ONU virará o alvo do ataque de OdeC em outros artigos, assim como de seus seguidores olavettes). Isto, simplesmente, não tem a menor evidência empírica, mas como OdeC constrói sua justificativa? Em uma frágil argumentação de que existe uma distinção entre estados, como “realidades históricas concretas” e o estado como “princípio abstrato”, como se este ente abstrato se sobrepusesse àqueles. Este é um erro fácil de detectar com o menor esforço de pesquisa histórica… Existem diferentes estados, com diferentes origens e que por isso suas realidades não servem para explicar um ao outro. Diversas circunstâncias históricas favoreceram alguns, até mesmo situações geográficas particulares, enquanto que outros foram mais acometidos por ataques, invasões e entraram em guerras que retardaram ou dificultaram seu desenvolvimento econômico. Neste mundo competitivo internacional de realidade hobbesiana ampliada à escala global, alguns estados impõem sua força aos demais e, quando estabilizada, predominam hegemonicamente através de estratégias do Soft Power, interrompidas episodicamente por doses de força militar aplicadas “homeopaticamente”. Não há, portanto, uma articulação global, mas articulações que se impõem sobre o globo e competem entre si formando várias polaridades. Estes centros de força, não raro se engalfinham em suas “guerras por procuração” que se tornaram, particularmente frequentes da Guerra Fria até os dias de hoje.
Embora não citada neste artigo em particular, a ONU é frequentemente tratada como uma espécie de hidra mundial dominando ou exercendo influência determinante sobre os países. Para quem conhece minimamente o que a ONU através de suas agências tem sugerido aos países pode perceber que dista quase que completamente de qualquer “agenda neoliberal”, tendo esta minimamente algum compromisso com o liberalismo. Não faz o menor sentido, além de que a ONU tem como principal centro decisório, o Conselho de Segurança, constituído por um grupo seleto de países mais poderosos, como membros permanentes, EUA, Rússia, França, Reino Unido e China. E também, para quem acompanha minimamente a política internacional sabe que há mais divergências nas questões geopolíticas do que sincronia entre eles.
Acho que não preciso insistir na explicação de que o “Estado mundial” olaviano não passa de uma falácia.
(Continua…)
Anselmo Heidrich
18 nov. 18

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