domingo, dezembro 29, 2019

Porque Feliz Ano Novo



Nove anos atrás topei com um sueco maluco que me disse tanta asneira que só um litro de Coca-Cola foi capaz de me trazer à Razão. Dois dias antes do Natal desejei a todos felicidades, inclusive aos malucos. Hoje, com outra tropa de doidos rondando as pessoas mentalmente sãs, eu vos desejo um Feliz Ano Novo.
Anselmo Heidrich
29 dez. 19


Porque Feliz Natal

Hoje foi um dia de cão. Comprei 3m3 de brita para preencher espaços com terra no pátio e passagens. São ótimas para drenagem e… Gosto do barulhinho que fazem. Mas, o caminhão não pôde entrar no terreno e deixou a carga junto ao portão. Quando vi o que teria que carregar para dentro de casa com um carrinho de mão, pude sentir a plenitude da palavra arrependimento. O que que eu fui fazer… Não imaginava como é difícil manter uma vida com certa autonomia. Seria tão mais fácil contratar um pessoal melhor preparado por 50 pila para dar conta do recado. Como o tempo nublado convidava a um esforço, agi sem pensar e comecei a usar a pá.
Quem passava ao lado ou de longe de carro dizia “vai emagrecer, meu!” ao que respondia “é… to precisando.” E eis que surge, de bicicleta e capacete meu vizinho sueco, jazzista, saxofonista coisa e tal. Um cara descolado, como se diz por aí, que resolveu abandonar o estilo de vida do 1º Mundo para se aproximar da Natureza. Vendo-me naquela situação e, vai saber por que, simpatizou comigo e deu uma paradinha para uma prosa. Paradinha essa que estragaria o seu dia. Acometido pelo espírito natalino, distribuí algumas pedras nos buracos da rua.
— Se a prefeitura, ao menos aplainasse a rua, me disse.
— Só que daí teria um custo muito grande para fazer com todas, redargüi.
— A solução então é fazer uma ravina para drenagem, com a rua côncava.
— Olha, se for para resolver mesmo, calçamento com lajota então, mas já daria para fazer os canais laterais fixando grama nas suas paredes, evitando com isso a erosão precoce para que não se formassem voçorocas.
O papo ameno ia neste sentido, mas me enfadei e, numa leve mudança temática perguntei-lhe o que está por trás da acusação de assédio sexual de Julian Assange? Refiro-me ao mantenedor do site Wikileaks, que alega deter 250.000 arquivos do Deptº de Estado americano.
— Nem entro no mérito de se foi ou não pedofilia, mas por que foi acusado justo agora?
Meu interesse era entender alguma ligação entre o governo sueco com o exterior, de que forma, o que dizem etc. Por meu vizinho ser sueco imaginei que tivesse uma análise. Uma análise, não uma teoria da conspiração como o que viria a ouvir:
— Isso veio de cima… Julian Assange é gay assumido desde os 15 anos… As meninas que tiveram caso com ele se vangloriam do fato em seus blogs, etc. etc.
Até aí tudo bem, mas…
— George Soros está por trás disso.
— Por quê? 
Perguntei. Não houve resposta coerente e inteligível. Bem, na verdade houve uma hipótese com lógica para quem for bastante tolerante com a falta de fatos que a sustentem ou, em outras palavras, verossímil para aqueles que crêem em duendes: “eles querem controlar a internet!” Em primeiro lugar, “eles” quem? E como controlar a internet se o procedimento é, justamente, descontrolando-a? Sabe… Se fala tanto em legalizar as drogas… Para quê? A troco de que se muita gente hoje em dia já apresenta os sintomas sem usufruir delas?
Tentei dizer que havia informações importantes que tornariam a política externa mais realista, embora muito do que foi divulgado já se presumia como o desejo saudita de que o Irã seja atacado ou a opinião da cúpula petista sobre as Farc etc. A conversa involuiu a passos largos, embora eu estivesse me recuperando de horas a fio carregando brita. Tentei, em vão, demonstrar a ilogicidade de seu argumento ao que meu oponente replicou “o problema é o capitalismo, esse sistema que esgota os recursos” e “que essa guerra ao terror é que é um absurdo”. Disse-lhe que estava confundindo os temas ao falar de capitalismo quando se trata de decisões políticas e que se a guerra ao terror é controversa, o combate ao terror me parece totalmente legítimo. Veja o caso do muçulmano que estudou na Inglaterra, mas que tentou detonar duas bombas na Suécia, país que tinha endereço e trabalho. Fui rechaçado como preconceituoso, que os árabes são vítimas da pior entidade terrorista, o Estado de Israel e nem quis saber se o caso nada tinha a ver com a situação do Oriente Médio.
Ficava cada vez mais difícil argumentar, ainda mais quando não se considera a complexidade da história e que, tratar genericamente os árabes como terroristas é tão equivocado quanto o que ele pensava sobre Israel. O mesmo mecanismo mental levava a suas conclusões sobre a economia de mercado confundindo-a com o mercantilismo e o conluio do estado a grupos empresariais privilegiados. Perguntei então por que não se mudava para Cuba? Ficou indignado e me disse nervoso que eu tinha que dar a graças a deus por não ter nascido no Iraque. Foi embora pedalando instável sobre as minhas britas aliadas.
Eu nunca pensei que fosse trabalhar com um sorriso sádico sob um Sol que me tostava de modo inclemente e o cabo da pá tirando a pele de meu polegar. Dei um tempo e entrei em casa em busca do Merthiolate, que os médicos atuais desautorizam taxando-o de inócuo. Nesta situação, não adianta, sou tradicionalista “o que arde cura, o que aperta segura” dizia minha avó e assim continuei com mais dois band-aids. Uma caneca térmica da Starbucks, empresa global do capitalismo que esgota os recursos naturais saciou minha sede várias vezes antes do ciclista jazista cool voltar bufando menos.
— Olha, por que o cimento brasileiro é tão caro? Por que tu achas que o monopólio disto no Brasil tem seu maior proprietário sempre ao lado de qualquer governante, seja qual for? Isto não é mercado livre, se importar cimento, até o IBAMA inventa que a carga está contaminada até que endureça e te leve a falência.
— É, mas a Coca-Cola acaba com a água, o capitalismo é isso, não deixa esta situação ideal surgir, replicou.
— Mas, a maior contaminação não vem da agricultura? Coma menos, então. Estas conspirações que alegas, são tantas que não dominam, se anulam. Há uma competição sim, mas política, opaca.
Em vão, tentei explicar que o problema está na falta de lisura de procedimentos governamentais e dificuldades impostas por agências de estado. Que sou favorável a imigração generalizada, disse, mas não admito que quem quer que venha de um país com costumes totalmente diversos tente impor sua cultura a quem os recebeu. Este é o ponto.
— Tu estudou física básica? Como prédios gigantescos ruíram? Não pode… Se referindo ao 11 de Setembro.
Daí, chutei o balde, já que o carrinho de mão estava cheio de brita:
— Isto não passa de uma busca obstinada por um culpado majoritário que expie todos nossos males. É coisa de religioso travestido de investigador, quem vai se auto-destruir para combater o terrorismo? Assim como quem vai liberar informações via internet para acabar com a liberdade na rede global? Não passa de teoria da conspiração sem nenhuma base factual e… Onde compraste este capacete?
— Não sei, não me lembro.
— Pois então, onde foi feito?
— Acho que na China.
— E qual o sistema que o produziu?
— Plástico.
— Não! O sistema econômico?
Com um ar de indignação tardia respondeu atônito “o capitalismo”.
— Pois então…
Não se dando por vencido finalizou “eu não tomo Coca-Cola, aquela porcaria (…) ter é algo efêmero, o que importa é o ser.” A bicicleta voltou a rodar trêmula e se foi.
Agora eu estava com sede, entrei em casa e peguei a garrafa pet de Coca-Cola do congelador e me servi um copo tão gelado que amorteceu a testa. Sensação que tive pela 2ª vez na vida, cuja lembrança da 1ª me persegue desde que tomei meu primeiro milk-shake no Rib’s em Porto Alegre. 
Efêmera, efêmera foi minha sede, que acabava de ser saciada com o líquido negro do imperialismo. Saúde!
Nisto passa um gaúcho velho que doma cavalos para passeios no verão:
— Ulha! E aí! Fazendo uma forcinha nesse mormaço?!
— Isso, ta de matar…
Povo não odeia o capitalismo, vive a vida. Quem odeia é a elite privilegiada que se entrega aos prazeres superiores da arte e um cotidiano sem Coca-Cola, nem celebram o Natal porque é contra o consumismo.
Percebi que ter não é grande coisa mesmo. Com o sax meu vizinho entoa odes para os cárceres dos quais refugiados atravessam mares em jangadas improvisadas em busca da liberdade. A liberdade também pode ser efêmera, tal qual um copo de refrigerante e um dia que ocorre só uma vez no ano, mas sua busca não, esta é eterna mesmo.
Qualquer semelhança com a realidade não passa de mera coincidência. Portanto, uma feliz coincidência e um Feliz Natal para todos vocês. Um abraço.

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