segunda-feira, julho 04, 2016

O Separatismo na Visão dos Liberais


Homenagear quem discutiu algo desagradável,
 como a guerra não significa admirar o seu objeto
de estudo. Se você quiser louvar apenas
quem te permitiu sonhar,
poderá acordar em meio a um pesadelo 

(imagem: cafepress.ca). 
Textos liberais tem a capacidade, frequente, de misturar seus desejos com suas análises. Leiam abaixo este A Questão Separatista para entenderem o que digo. O autor advoga que todo separatismo é legítimo. Vejam... Não é que não seja possível se separar, não é que não se adquira apoio para se separar, mas é extremamente ingênuo achar que o oposto também não ocorra, que seja possível unificar, que haja legitimidade para lutar pela união. O que diferencia um movimento de outro é, essencialmente, a força e a capacidade de efetivação. Não há uma moral essencialmente superior de um lado frente outro. Pode se argumentar que "eu não sou liberal então", pois para um liberal, a questão da secessão sempre se faz legítima... Desde quando? Eu diria. Pois a secessão não se desenvolve até o nível individual, que é a célula social na qual se baseia a política, a economia e a cultura liberais. A maioria (se não a totalidade) dos separatismos/secessões tem como premissa o ideal de nação, que é algo totalmente coletivista. Mesmo que se diga que é um passo, uma transição, pois migra para um "coletivismo menor", digo que isto é totalmente imaginativo, um wishful thinking, pois não há regra, não existe uma lei natural para que este movimento político, muito menos uma legislação que foi criada determine que quanto menor, melhor. Um México pode ter menos liberdades civis que um Canadá, cujo território é bem maior; ou, se preferirem, em termos populacionais, uma Venezuela também tem (inegavelmente) menos liberdades civis que o Brasil. E a recíproca para extensão territorial ou população também é verdadeira, também temos pequenos estados ou sociedades onde se é mais livre. Em suma, liberdade não depende do tamanho, mas da qualidade da administração e de seu estado. O problema libertário aí contigo é, evidente, assumir que há estados e estados. Enquanto se ficar nesta infantilidade (sinto dizer, mas não vejo outro nome) de que o estado é essencialmente mau (em determinado momento do texto, o autor chega a dizer que "o estado é um absurdo em si mesmo". Ora, isto é mera poesia, nada sociológico, pois se algo existe e funciona há séculos não há absurdo aí, pois, bem ou mal funciona. Sendo maduro, se quer um estado menor, se quer um estado melhor, se quer uma organização política que permita, em um futuro, em um projeto, utopia sei lá, a sua inexistência (que a priori não descarto) tem que se partir do que existe de concreto. E por concreto, não basta só a vontade, mas também a capacidade. Esta capacidade está apenas engatinhando, p.ex., com a Bitcoin e outras moedas virtuais. Agora, a postura de "partir do aqui e agora e vamos de qualquer jeito" terá um resultado bem previsível: o fracasso. Por isso, o gradualismo é sempre mais inteligente que o "agorismo" ou, dito de outra forma, as reformas são cientificamente eficazes, pois partem do ensaio e erro, ao contrário dos processos revolucionários. A esquerda não aprendeu, mas será que os liberais também terão que errar por décadas sem aprender para serem alvo de chacota? E tem mais, mesmo que haja como cidades se manterem autonomamente, com o desenvolvimento de umas, e decadência de várias outras, a migração desmedida irá inflacionar a demanda por serviços nas bem sucedidas. Como nossos luminares liberais pensam que se manterá este jogo funcionando? Sem impostos, como se manterá cidades minimamente viáveis? Ou vocês acham que um mar de submoradias (favelas no entorno e cortiços incrustados) não irá causar tamanha montanha de externalidades negativas, efeitos colaterais sociais, mazelas não previstas etc. que a própria população original irá protestar por leis mais rígidas e, com elas, tchan-tchan-tchaaaannnn... Um aparelho de repressão, cujo nome se não me falha a memória é o estado! Acho que já vi esse filme... Blééérrrghhhh! Que coisa né? Pois é, tudo isto poderia ser previsto, mas os sonhos são tão melhores que o levantamento de conjecturas e debate consciencioso. E tem mais, seria muito bom que nossos liberais, antes de se enamorarem com a escrita de Murray Rothbard dessem mais atenção ao velho Adam Smith, que analisou porque o capitalismo cria riqueza, excedentes: devido à especialização. E é aí que eu quero chegar... Supondo que tenhamos concluído nosso processo de autonomia urbana e tenhamos várias, centenas de cidades autônomas no território do que um dia foi o Brasil, quem garantirá sua defesa? Ou nossos liberais creem mesmo que forças bélicas não verão aí ovelhas desgarradas fáceis de serem trucidadas, espoliadas e submetidas? Mesmo que se libere o armamentismo, mesmo que todos nós tenhamos nossas Glocks, AK-47s etc., nada se compara com um grande contingente que vive só disto e é (ecos de A. Smith misturados com lições de Carl von Clausewitz), sumamente ESPECIALIZADO.

No entanto, creio que movimentos separatistas são bem vindos, úteis para forçar um debate sobre injustiças tributárias e uma reconfiguração federalista. Também sonho com este mundo bem mais liberal, mas por processo diverso: com a formação de federações sustentadas sim, por mercados livres. Mas, o estado sempre existirá, mesmo que reconfigurado. Este é meu desejo, não uma profecia que uso como auto-engano. O que não podemos, se quisermos mesmo reconfigurar a sociedade e economia brasileiras (e quiçá mundial) é nutrir falsas esperanças para depois de velho sentar e chorar dizendo "onde foi que eu errei?"

Confira aqui o texto que me inspirou a responder com meu comentário acima, cuja visão é oposta a minha: 
A questão separatista
http://www.institutoliberal.org.br/blog/urss-ue-e-questao-separatista/#.V3qGrui0tDk.twitter

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http://inter-ceptor.blogspot.com/ Fas est et ab hoste doceri – Ovídio
Se concorda, compartilhe.   

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