quinta-feira, janeiro 30, 2014

Dois debates - 02

Nem tudo que tem lógica constitui uma prova para uma teoria científica...
(...) Em entrevista para a Veja, em 2006, falando sobre seu livro A Vingança de Gaia, lançado naquele ano na Inglaterra, Lovelock brandia o apocalipse. O repórter, não por acaso um dos crentes no efeito estufa, queria saber quando o aquecimento global chegaria a um ponto sem volta. Respondeu o guru, com a convicção dos profetas:

- Já passamos desse ponto há muito tempo. Os efeitos visíveis da mudança climática, no entanto, só agora estão aparecendo para a maioria das pessoas. Pelas minhas estimativas, a situação se tornará insuportável antes mesmo da metade do século, lá pelo ano 2040.
- O que o faz pensar que já não há mais volta?
- Por modelos matemáticos, descobre-se que o clima está a ponto de fazer um salto abrupto para um novo estágio de aquecimento. Mudanças geológicas normalmente levam milhares de anos para acontecer. As transformações atuais estão ocorrendo em intervalos de poucos anos. É um erro acreditar que podemos evitar o fenômeno apenas reduzindo a queima de combustíveis fósseis. O maior vilão do aquecimento é o uso de uma grande porção do planeta para produzir comida. As áreas de cultivo e de criação de gado ocupam o lugar da cobertura florestal que antes tinha a tarefa de regular o clima, mantendo a Terra em uma temperatura confortável. Essa substituição serviu para alimentar o crescimento populacional. Se houvesse um bilhão de pessoas no mundo, e não seis bilhões, como temos hoje, a situação seria outra. Agora não há mais volta.
- O senhor vê o aquecimento global como a comprovação de que sua teoria está certa?
- O aquecimento global pode ser analisado com base na Hipótese Gaia, e, por isso, muitos cientistas agora estão se vendo obrigados a aceitar minha teoria.
Quem se viu obrigado a fazer meia-volta – quem diria? – e negar sua própria teoria, foi Lovelock. Como o planeta teimava em não aquecer-se, Lovelock confessou em abril de 2012 ter sido alarmista: "cometi um erro". (...)
 Faz parte do trabalho científico aventar hipóteses, mesmo inverossímeis. O erro não está em quem as divulga, mas em quem as segue cegamente. Quando comecei a escrever sobre isto (e já abandonei o assunto) lá por 2003, meu intento inicial foi refutar os exageros publicados pela Carta Capital. Vi isto quando de possíveis consequências morfológicas e, talvez, demográficas de um fenômeno climático imaginado (o aquecimento antropogênico), mais rápido do que o normal (este ocorre periodicamente, de ordem natural), o jornalista pulou para consequências geopolíticas com argumentos pretensamente lógicos. E penso que aí é que está o problema: confundir o tema científico em questão, seja climatológico, geológico, demográfico etc. com um tema paralelo, na verdade, "circundante", que é a sua sociologia do conhecimento ou da ciência. Acho que discutir, claramente, o que ocorre politicamente em torno do tema é algo que ainda não tive o prazer de ler, exceto por matérias investigativas jornalísticas, algumas tão ou mais vulgares e alarmistas quanto o próprio alarmismo ambientalista que denunciam. Veja, p.ex., a crítica de cunho liberal(-econômico) que subjaz aos questionamentos à teoria aquecimentista que virou moda a partir dos anos 80. Ela nega a possibilidade de aquecimento para a defesa do capitalismo. Ora, e SE fosse verdade? Para um defensor do liberalismo, o sensato não seria negar o aquecimento, mas sim propor políticas econômicas de cunho não intervencionistas no mercado ou críticas às outras políticas econômicas socialistas, estatizantes etc. Mas, não. O que eles fazem? Negam a possibilidade de aquecimento. Digamos que não haja aquecimento, mas resfriamento global (que é outra possibilidade, talvez iminente, segundo o Molion), qual seria a postura de defensores da produtividade econômica e do engenho humano? Criticar o ciclo geológico e climatológico ou propor o desenvolvimento de novas tecnologias para nos adaptar? Veja, não se trata de defender a teoria, que talvez esteja errada mesmo (sou simpático a esta ideia), mas de colocar as coisas em seus lugares: uma coisa é avaliar o que se passa no ambiente natural, avaliar as pesquisas e, como não somos da área, confrontar o que dizem os especialistas, dando o mesmo destaque para vozes discordantes, uma vez que democracia não é um conceito aplicável à ciência; outra, bem diferente, é analisar o uso político que se faz de uma ou outra ideia. Veja, caso análogo, da "superpopulação"? Quem fala mais nisto? Saiu de moda, sobretudo agora quando o continente europeu passa por um decréscimo na sua taxa de natalidade e envelhecimento da população. Acho um tema instigante os liames entre sociedade e natureza, mas justamente por se tratar de área interdisciplinar é onde mais se encontram, digamos assim... Aventureiros.

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