segunda-feira, setembro 23, 2019

Rambo Até o Fim


Em primeiro lugar, “Rambo Até o Fim” é um bom filme. Para quem gosta dos que abordam defesa da família e vingança, sem dúvida que é um prato cheio. Mas diferente dos filmes com a mesma temática, como aqueles com Liam Neeson, que acabam por resgatar sua filha sã e salva, a personagem de Stallone não consegue o mesmo com sua “sobrinha” (a sobrinha de sua empregada doméstica). Após ter sido sequestrada no México, já do lado americano da fronteira, ela não resiste mais.
O pano de fundo é uma relação familiar mal constituída, pois a garota parte em busca do pai, cujo endereço em uma cidade mexicana de fronteira, foi descoberto por uma “amiga”. Na verdade, uma safada que acaba vendendo-a para agenciadores de garotas, que as escravizam na prostituição após viciá-las, provavelmente, com heroína. 
Se você já está prevendo um filme com toques de preconceito étnico, no qual mexicanos são retratados como sub-humanos está errado, redondamente errado. Fica claro a afeição que o ex-soldado tem pelos desfavorecidos, há uma parte em que esta senhora que trabalha com ele agradece por tê-los ajudado, no que fica implícito que foi a acolhida que Rambo deu a sua família de imigrantes mexicanos. E se você também está pensando que há aí um tom crítico a atual administração Trump também errou, não é nenhuma coisa nem outra, o que torna o filme não oportunista e melhor ainda. Por um lado há as mexicanas oprimidas por quadrilhas de exploração sexual, por outro, um sistema corrupto formado, inclusive por agentes da lei que usam as garotas sedadas ou não para seu deleite estuprando-as. O próprio Rambo caracteriza a força local numa curta frase “a polícia lá não serve pra nada!” ou, na tradução literal “não vale bosta nenhuma!”
Rambo não é o soldado nacionalista, patriota, mas o renegado pelo sistema, como mostra no primeiro filme da série em que um xerife local o persegue porque não quer vagabundos em sua cidade. E tratava-se de um ex-combatente do Vietnã, sem eira nem beira, tentando seu caminho na América. Aqui fica patente a contradição, Rambo é o sinal da nova era americana, um ítalo-americano que entra em rota de colisão contra o típico WASP (White Anglo-Saxon Puritan) em uma sociedade que já se modificou em suas bases demográficas. A ordem calcada no preconceito do pretenso líder de uma cidadezinha com um distintivo de xerife e age como um gangster territorialista de favela é desafiada por um ideal de liberdade e privacidade em que o indivíduo não se submete aos instintos tribais. Ele encarna o espírito imaginário da liberdade americana no mais simples, frugal e essencial, o Direito de Ir e Vir, no que reage conforme foi treinado sem se submeter. Rambo é um lobo solitário com a ética da liberdade.
É violento? Sim, é bem violento e não deveria ser? É um filme do Rambo, pôrra! Esperava o quê? Sei que filmes de ação violentos sem clara definição do Bem e do Mal são lixo para mim, por melhor que seja seu diretor, são lixo para mim. E aqui dou uma direta para o queridinho adorador da violência pela violência, como atributo estético, Quentin Tarantino. Incrível como a mesma rapaziada que adora criticar heróis éticos baba o ovo de quem faz filmes cuja sangueira tem como pano de fundo mensagens intelectualizadas “contra o sistema”. Não posso nem assistir aos filmes desse Tarantino de tanto nojo que me dá… E Rambo, por pior que seja o Stallone enquanto ator (às vezes dá a impressão de ser um robô embaixo da pele), passa uma boa mensagem, cada vez mais ausente nas telas. 
Em uma das cenas mais tocantes do filme, sua sobrinha adotiva Gabrielle (Yvette Monreal) que fora criada pela tia e por Rambo encontra seu pai (Marco de la O) em uma cidadezinha fronteiriça confrontando-o por que havia abandonado ela e sua mãe e, numa tomada de câmera simples e sensacional, ele diz com todo o desprezo que pode caber em um homem tornando-o mais desprezível ainda como ser humano que “depois que sua mãe morreu percebi que não sentia nada por vocês”, segundos antes de bater a porta na cara dela. O rosto da menina é de choque pelas palavras, seus olhos estão úmidos e é possível ver as lágrimas vertendo embaixo da pele. É uma cena forte, mais forte que qualquer porrada, qualquer tiro, qualquer estocada, qualquer granada, explosão, gemido ou grito. É algo que destrói uma pessoa.
Após toda a batalha, que sucede as armadilhas engenhosas de Rambo, numa sequência de trucidação, ele senta na cadeira de balanço em sua varanda, sangrando com o pôr do Sol ao fundo. E fundo também está o toque para quem é pai e mal consegue assistir filmes que tenham crianças sofrendo na trama, o filme é de heroísmo, sofrimento e solidão, com violência sim, mas com a violência que gostaríamos de ver contra quem merece, não com tiros a esmo matando inocentes. Sei que nem sempre é possível acertar, mas é possível se conter quando civis inocentes estão próximos e esta é a diferença entre o que o tal do “servir e proteger” faz em relação a uma caveira como ícone. 
Estou farto de bandidos edulcorados com auras psicologizantes de “vítimas contra o sistema” que “têm que ser compreendidos”. Compreendidos não significam justificados. Mesmo compreendendo o mal, ele deve ser combatido, mas do modo certo, preciso, cirúrgico. Como? É aí que quero ouvir os especialistas. 
Onde estão os especialistas dos “dois lados”? Por que não é possível segurar o tiro quando existem civis na área? Eu não sei como se deveria fazer, mas quero ouvir quem sabe para que a morte de personagens como Gabrielles sejam nossa paranoia em detrimento do tormento da morte de Ághatas.
Anselmo Heidrich
23-set-2019
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Minha dúvida sobre a ambientação: Rambo começa o filme triste porque não conseguiu salvar um casal que se perdeu nas montanhas durante uma forte tormenta prestes a sofrer um deslizamento com lama e árvores. Esgotado, física e psiquicamente, ele volta para casa, no seu rancho no Arizona… Ora! Eu realmente não sou um expert na geografia daquele estado, mas a paisagem das montanhas, florestas e sobretudo, da tempestade remete à costa noroeste, em estados como Oregon e Washington. Se alguém souber de alguma explicação plausível para esta, aparente, inadequação, por favor, me corrija que retifico aqui mesmo.
Uma crítica à apresentação no cinema: que mania horrível é esta agora (fazia tempo que não ía ao cinema) de apresentar trailers narrados que, praticamente, contam todo o filme a seguir? Antigamente, não havia trailers do filme para o qual você havia comprado o ingresso, esta foi uma ideia de péssimo gosto. Horrível.
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