domingo, abril 01, 2012

Armas e Liberdade

Velho texto que guarda atualidade em relação à segurança pública no Brasil e no mundo: 


saturday, july 17, 2004


Armas e Liberdade


por Anselmo Heidrich em 28 de julho de 2003
Resumo: Para se discutir a relação entre a posse de armas e cidadania é interessante observar o princípio de direito a propriedade e tecer algumas comparações com “sociedades armadas”, isto é, algumas das quais o direito a posse legal de armas é largamente difundido. Todos conhecemos a cantilena antropológica de que uma sociedade não pode ser considerada como superior à outra. Pois bem, exceto que se objetive algum critério não se pode mesmo. Não se podem ocultar sob um falso “relativismo cultural”, critérios objetivos para comparar determinadas sociedades. E a criminalidade é um deles com íntima relação com a posse de armas legais. 
Por Anselmo Heidrich (25/07) 
© 2004 MidiaSemMascara.org
Para se discutir a relação entre a posse de armas e cidadania é interessante observar o princípio de direito a propriedade e tecer algumas comparações com “sociedades armadas”, isto é, algumas das quais o direito a posse legal de armas é largamente difundido.

Todos conhecemos a cantilena antropológica de que uma sociedade não pode ser considerada como superior à outra. Pois bem, exceto que se objetive algum critério não se pode mesmo. Não se podem ocultar sob um falso “relativismo cultural”, critérios objetivos para comparar determinadas sociedades. E a criminalidade é um deles com íntima relação com a posse de armas legais.

Muitos desses mesmos relativistas são extremamente duros quando se trata de analisar a sociedade americana, por exemplo, mas fazem claras vistas grossas aos massacres em países africanos como Ruanda, Congo (“democrático”) ou a atual Libéria como sendo imanentes de sua formação cultural. Seu porquê é algo bem conhecido da mentalidade terceiro-mundista/antiamericanista que grassa em nossa mídia e meios intelectuais. Tais países, onde centenas de civis têm sido trucidadas por milícias de infantes, não têm merecido a “análise crítica” que nossa mídia dedica de modo contumaz aos homicídios nos EUA. Nem ao menos uma consideração de cineastas politicamente corretos como Michael Moore embasados em um pacifismo de ocasião. Talvez por que lá não haja chefes de estado que assumam seus atos como um Bush...

Também há o forte componente luddita que rejeita os benefícios da sociedade urbano-industrial (capitalista-liberal, antes de tudo) e o órfão socialista que aproveita as chances que as turbulências econômicas mundiais apresentam por trás desse ódio inconseqüente aos EUA. Preferem, é claro, a estagnação da paz dos cemitérios que todos os socialismos e seus congêneres geraram ao redor do globo. Mas como argumentar contra quem atribui o mesmo grau de contribuição à humanidade entre o que veio depois da Revolução Industrial e uma tribo de canibais?

O que se tem que deixar claro é que existem direitos individuais conquistados no mundo ocidental e que estes não existem para servir aos governos. Pelo contrário, são os governos que existem para proteger os direitos dos indivíduos como bem explicitou a alma sábia de John Locke. Aí se inclui o direito inalienável a vida, a liberdade e a busca de sua própria felicidade. Assim, é que se insere o direito à própria defesa.

Mas gente como os senadores Hélio Costa e Renan Calheiros pensam o contrário1, propondo um absurdo controle de armas pelo Estado no sentido do total desarmamento. Bem, não é preciso ir longe em nossas especulações para saber no que resulta o total controle de uma determinada produção do que quer que seja pelo Leviatã. Se nos deixássemos guiar por tais princípios, anularíamos o princípio da razão e dos direitos que tornaram possível o desenvolvimento e aplicação da ciência e da tecnologia, assim como da moderna sociedade industrial. Uma vez liberta dos grilhões da tirania, dos dogmas religiosos ou do controle estatal, a mente humana encontra o progresso científico e tecnológico. A compreensão das leis da natureza, a invenção da maquinaria, a produção em larga escala, em suma, a criação da riqueza. Por sua vez, esta riqueza reverte em mais invenção e produção. Assim, as carroças foram substituídas pelos carros de Henry Ford ou pelos vagões de Andrew Carnegie, ou as lâmpadas de Thomas Edison. Enfim, após um milênio de luta, o homem se tornou o mestre de seu meio ambiente. Isto não teria sido possível sem o clima de liberdade propiciado pelo capitalismo. Portanto, qualquer tentativa de controle da atividade produtiva pelo estado corrobora contra este ‘espírito’, contra estas iniciativas de desenvolvimento. Talvez os senhores Luz e Calheiros não tenham se apercebido disto, mas suas atitudes e propostas não só tendem a bloquear os espíritos livres da criação, mas também a liberdade humana e um de seus mais sagrados direitos, o da autodefesa.

O resultado deste espírito capitalista foi o incremento da liberdade, da riqueza, saúde, conforto, aumento da expectativa de vida sem precedentes na história do mundo. Seus princípios da razão e direitos foram implementados mais consistentemente nos Estados Unidos da América do que em qualquer outra nação do mundo. Por contraste, foi justamente no chamado “terceiro mundo”, os quais não abraçaram a razão, os direitos, a tecnologia, aonde o povo mais sofreu (e ainda sofre) na maioria de desastres naturais e perpetrados pela ação humana (fome, pobreza, doença, ditaduras) e onde a expectativa de vida foi (e é) a mais baixa. Dizem que esta vida primitiva está “em harmonia com a natureza”, mas em realidade eles são simples vítimas de vicissitudes da natureza – se algum ditador não os matar primeiro.

A grandiosidade de uma nação guiada pelos princípios da liberdade e dos direitos individuais não implica na exclusão da responsabilidade. O dito popular de que nossos direitos acabam quando começam os dos outros é dos mais sábios e gera um equilíbrio social que por mais extensivos que sejam os poderes estatais, não se pode recriá-los na mesma atmosfera de legitimidade. Portanto, se há um único padrão exato para julgar uma cultura ou sociedade é aquele nos quais os valores centrais destas são pró ou antivida. Culturas pró-vida reconhecem e respeitam a natureza humana como um ser racional que deve descobrir e criar as condições nas quais sua sobrevivência e felicidade requerem – a qual significa que elas advogam a razão, direitos (liberdade combinada com responsabilidade) e progresso tecnológico.

Mas não é estranho que os apologistas do controle absoluto do estado (e contrários à autodefesa) sejam tão enfáticos em criticar os EUA, mas não esbocem o mínimo descontentamento com a escalada terrorista? Ou de fanáticos religiosos que tentam solapar a separação entre Igreja e Estado em todas as latitudes? Ou de intelectuais que tentam anular os direitos fundamentais em nome dos “direitos especiais”?! Estamos nos dirigindo cegamente para a destruição dos valores fundamentais e para o fim mortal da civilização em nome do niilismo. Este engrossado por anos de coqueluche nietzscheana nos campus universitários...

 A transferência de renda ou o roubo legitimado pelo estado

Qual o sentido de liberdade e justiça para todos? Parece simples, mas na verdade encerra um debate complexo que é pertinaz quando grande parte dos crimes apresenta como justificativa a desigualdade de renda. Segundo Gary M. Galles2, como pode haver a possibilidade de liberdade e justiça para todos quando, em nome da justiça, as pessoas clamam direitos de renda, alimentação, moradia, educação, saúde, transporte ad infinitum? Nós não podemos garantir todos esses direitos simplesmente. Não por falta de recursos, mas por que não é possível garantir todos eles sem ter que violar outras liberdades, como a de tomar alguma renda sem consentimento. Eles são apenas desejos, convertidos em benefícios para alguns somente pelo emprego do estado para violar outros direitos.

Quando o cidadão que construiu seu patrimônio tem seu direito de propriedade violado, dentro dos limites legais, ele tem o direito à autodefesa. Mas há quem conteste que o direito a autodefesa seja extensivo ao direito de propriedade. No seu fantástico livro, Anarquia, Estado e Utopia, Robert Nozick3 argumenta que um aspecto interessante sobre a discussão do direito de herança é que se leva em conta o direito de herdar, mas não o direito de quem passa a herança. Seria algo como assegurar os direitos do consumidor, mas sem levar em conta o dos produtores. Sua pergunta fatídica é “por que tudo isto é ignorado?” (p. 188). Isto ocorre na mesma base em que se pensa a redistribuição sem se perguntar se há a violação ao direito individual. Uma vez que nossa sociedade é fundada na idéia de um contrato social, não se pode priorizar uma parte em detrimento da outra. Mas a ênfase atual na parte que recebe, é a base para se falar em “direitos especiais” que garantiriam a redistribuição compulsória de renda. Não é de se estranhar que este raciocínio labiríntico tenha servido inclusive de base para que o ex-Secretário de Segurança (Bisol) do governo estadual petista no Rio Grande do Sul tenha afirmado que o roubo pode ser uma alternativa à questão social e a desigualdade de renda existente...

Analogamente, o “estado de bem-estar social” que justifica a extração de uma parte do que aufere o trabalhador para se manter os que preferem (ou que, simplesmente, não se encontram na condição de) não trabalhar. Isto se baseia no princípio (de um comunismo primitivo) de que não é necessário mais do que o mínimo para garantir a sobrevivência e/ou as necessidades básicas do indivíduo. As horas a mais de trabalho, além das “necessárias”, são vistas como um luxo, como um excesso ao “estilo de vida saudavelmente modesto”. Mas, qual é o absolutamente necessário à vida e, como estabelecer parâmetros éticos corretos, além dos quais a vida se torna excessivamente opulenta? Quais são os objetivos legítimos de cada cidadão no seu padrão de consumo? É possível se estabelecer um padrão de consumo aceitável e correto para todos? Creio que não. Se eu sou um hippie que prefere gastar parte do meu tempo observando e se inspirando no pôr-do-sol, qual a legitimidade que possuo em auferir, indiretamente, o produto do trabalho de horas despendidas por quem suou a camisa em um torno mecânico ou queimou neurônios em cima de uma prancheta de desenho? Que direito tenho, através do estado, de auferir uma parte, mesmo que mínima, de um executivo estressado de um centro financeiro? Teria eu este direito por que um grupo de intelectuais de época acha vergonhosos os desníveis de renda e/ou consumo estabelecidos entre nós? Como poderia eu ter a dor de não trabalhar de modo suficiente ou a dor de não ter o mesmo padrão de consumo sem trabalhar competentemente para melhorar meu nível de renda, como justificativa legítima para ganhar de quem tem uma função social necessária definida pelo mercado? Em suma, a sociedade tem de pagar por minha vadiagem ou opção de vida, sejam quais forem as palavras empregadas para designar minha situação?

Os princípios distributivistas (que se incluem nos tais “especiais”) instituem a posse (parcial) por outros da renda das pessoas, seus atos e seu trabalho. Tais princípios implicam numa inversão/alteração da idéia liberal clássica de propriedade de si mesma para outra de direitos de propriedades (parciais) sobre outras pessoas (idem, p. 192). Tal alteração tem servido de base para a estipulação de princípios que adulam o roubo e a criminalidade. No fundo é como se fosse uma ação (o roubo a propriedade) que precisa ser regulada/legitimada pelo poder estatal. Na verdade, os estatistas, socialistas ou como quer que se chamem, tem neste conflito a deixa para estender os tentáculos do Leviatã sobre o indivíduo.

Portanto, é somente pelo reconhecimento da defesa dos direitos negativos (fundamentais) – proibições contra outrem, especialmente o estado que se tem garantias para prevenir intrusões indesejáveis -, não direitos a coisas dadas, mas a liberdade reconciliada com justiça para todos. Tais direitos negativos são precisamente o que significam a proteção ao indivíduo e sua liberdade configurada na defesa de sua propriedade, o meio físico de sua existência. O direito a autodefesa é uma liberdade fundamental para se evitar a erosão da “descoberta” de direitos positivos (ou “alternativos”) que visem tomar o produto do trabalho (e existência) do indivíduo.

Ao criar novos direitos que se baseiam na perda de direitos fundamentais do indivíduo, o estado tem que extrair recursos para garanti-los, tomando dos outros seus direitos inalienáveis. Esta situação seria, normalmente, considerada como roubo ou furto, exceto quando é o próprio estado quem o faz. Os novos direitos que anulam os fundamentais implicam na autodestruição da própria idéia do que é o direito individual.

No entanto, o direito positivo central deveria ser, tão somente, o julgamento cabível ao estado, mas dentro dos limites de uma constituição que outros direitos delegados ao cidadão não sejam retidos pelo estado. Esta é a garantia contra a opressão e massacres tendenciais contra a liberdade (e responsabilidade) individual acumulados pelo poder sem limites do estado.

A liberdade significa que eu me controlo, protegido pelos meus direitos e, voluntariamente concordo que estes têm a essência da resolução dos conflitos. Quando alguém ou algo os ultrapassa, isto significa que eu tenho o direito a defendê-los, inclusive com a força se necessário. Em contraste, ao endossar direitos alternativos (como a transferência indireta de renda compulsoriamente sem, nem ao menos, um plebiscito) eu estou abrindo mão do que é fundamental, da pedra básica que sustenta todo o edifício social. Ou seja, qualquer um pode controlar as escolhas e recursos tomados contra mim. Mas uma vez que ninguém tem direito a me roubar, não se pode delegar tal direito (de transferência de renda) a um governo para me forçar a providenciar os recursos que sirvam para ajudar os outros, negligenciando quem fornece compulsoriamente a renda. Não se pode penhorar a fidelidade.

 Sociedades Armadas

Já que os defensores do controle de armas gostam de demonstrar como exemplo de sociedade violenta os EUA, é  baseado neles que iniciaremos nossas comparações. Setores da imprensa terceiro-mundista e européia, bem como certos círculos “intelectuais” gostam de retratá-los ora como uma sociedade obcecada por prazeres fúteis, que leva a um grande desperdício de recursos para manter um ostensivo e inconseqüente padrão de vida; ora se perdendo no mau gosto dos programas de televisão, na junkie food; ou por uma política externa arrogantemente neoimperial etc., etc. Qual a grande mídia que, equilibradamente ao menos, que mostra a visão de um país cada vez mais multi-étnico, tolerante e integrado? Que internaliza cada vez mais os valores democráticos e que preservam a liberdade individual frente à opressão de qualquer organização coletivista? Um país que não se furta a sua responsabilidade social mundial, inclusive com aportes vultosos de renda, ao invés de se isolar e dizer “que se virem sozinhos esses países do terceiro mundo”? Que não sucumbe ao internacionalismo hipócrita de organizações como a ONU, sem menosprezar o próprio espírito patriótico? Onde está a tão alardeada coerência da mídia? Mas o fundamental é que se costuma se passar ao largo da característica fundamental desta sociedade, baseada nos direitos individuais que asseguraram o crescimento da maior economia da História.

Noutros hemisférios, já faz 12 meses que os donos de armas de fogo da Austrália foram obrigados a entregar 640.381 armas pessoais para serem destruídas. Bem, o programa teve duas conseqüências diretas: (1o) custou mais de 500 milhões de dólares ao governo; (2o) os homicídios aumentaram 3,2%; o número de agressões cresceu 8,6%; os assaltos à mão armada aumentaram 44%; na província de Victoria, os homicídios com armas de fogo aumentaram 300%; enquanto as estatísticas dos últimos 25 anos denotavam uma clara queda nos roubos a mão armada, essa tendência se inverteu agora que os criminosos têm o monopólio das armas de fogo e os cidadãos comuns estão desarmados; assim como houve um dramático aumento dos assaltos a domicílios e ataques pessoais aos idosos4.

Vejamos este comentário esclarecedor sobre como se comporta nossa mídia tresloucada a respeito do tema:

“Sempre que acontece um desses episódios em que algum maluco armado até os dentes invade algum prédio de escritórios, agência de correio ou escola aqui pelos Estados Unidos, a imprensa brasileira corre a publicar editoriais deplorando o ‘culto à violência’ e a ‘obsessão pelas armas de fogo’ dos americanos. O que esses inflamados artigos sempre se esquecem de fazer é colocar a violência americana no devido contexto. Segundo as últimas estatísticas do FBI, Los Angeles é a cidade mais violenta dos Estados Unidos, com um total de 658 assassinatos em 2002. Para você ter uma idéia, a Folha de São Paulo informa hoje que só no estado de São Paulo, de janeiro a maio, a Polícia Militar já matou 435 pessoas! Esqueça os assassinatos cometidos por civis, estamos falando só das mortes infligidas por policiais. Sem dúvida algumas dessas mortes são justificadas por legítima defesa e outros fatores, mas a dimensão dos números mostra uma violência - essa sim - fora de controle. Na verdade, um exame isento dos números da violência nos EUA e no Brasil mostra que a posse de armas pessoais, longe de aumentar a criminalidade, serve para mantê-la sob controle. Episódios ocasionais de pessoas com problemas mentais causando um grande número de vítimas são excelentes para manchetes de jornais e cobertura televisiva, mas péssimos como exemplos da necessidade de proibir o uso de armas de fogo por cidadãos honestos. Não importa quanta propaganda em contrário a esquerda insista em fazer” (in A violência dos números,grifos meus)5.

Se a violência envolve questões complexas, como até mesmo, distúrbios mentais, características demográficas, o grau de urbanização (e todas as conseqüências que esta palavra encerra), o tipo de cultura em que foi engendrada determinada sociedade ou até mesmo a ineficiência do sistema de justiça criminal, como é possível reduzi-la a mera “questão social”, bem entendido como desigualdade de renda?

No fundo, tudo não passa de um estratagema para diminuir as liberdades (e responsabilidades) individuais em nome de um controle estatal (da produção e uso de armas, inclusive) cada vez mais extensivo e despótico. Numa sociedade cada vez mais refém do crime organizado é curioso como não se ouvem vozes lúcidas do atual governo elaborando um plano para controlar o contrabando de armas. Por quê? E por que o cidadão que possui registro de armas tem que arcar com a possibilidade de ser taxado de criminoso? É como se o crime organizado possuísse armas legalizadas, é como se alguém financiasse nossos parlamentares para elaborar a lei que prevê a restrição do uso de armas do cidadão.

Sendo generoso com os apologistas dessa espécie de totalitarismo, diríamos que partem do princípio de que a posse de armas pessoais induz ao crime, mas segundo as arrebatadoras análises de Tadeu Viapiana6, não é assim que tal ocorre:

Em 1965, quando Londres tinha uma média de 18 homicídios por ano, as cidades americanas registravam apenas 2 homicídios por ano; em 1981 o número de roubos por 1.000 habitantes na Inglaterra era de apenas 4 e aproximadamente 8 nos EUA, ao passo que em 1996, ele subiu para cerca de 8 na Inglaterra e caiu para menos de 7 nos EUA; quanto ao número de assaltos, por 1.000 habitantes, atualmente está em 20 na Inglaterra e cerca de 9 nos EUA (1996); o número de arrombamentos a domicílios está em cerca de 100 por 1.000 na Inglaterra e 60 por 1.000 nos EUA; quanto ao número de furtos a veículos é de mais de 20/1.000 na Inglaterra e menos de 10/1.000 nos EUA.

De que tem adiantado as leis restritivas à posse de armas na Inglaterra?

Mas não é assim que pensam certos meios de comunicação que têm invertido o foco da análise. Ao invés de acusarem o foco da criminalidade é conseqüência da decadência do sistema de segurança e defesa criminal, têm insistido na falácia de que a causa estaria nas armas legalizadas. A tese de que a criminalidade seria causada pela posse legal e uso de armas de fogo desconsideraria a anomia social.

Não cremos que essa posição parta da pura desinformação. É mais fácil acusar um objeto, um instrumento de defesa, a arma do que apontar o histórico de falhas do estado brasileiro em dar segurança, executar a lei e promover o crescimento econômico. Os principais autores do crime e os que deveriam combatê-lo passam ao largo da análise, não interessa. Não parece uma manobra interessante proibir o porte legal de armas para confundir a população com dados falsos de diminuição da violência, enquanto que na verdade o que pode estar acontecendo é simplesmente que os bandidos estarão sendo melhores sucedidos em sua estratégia de atingir seus objetivos?

A volta da anormalidade consentida se dá quando um seqüestro de algum colunável, figurão qualquer é, imediatamente, resolvida pela polícia com a mobilização da imprensa. Uma falsa consciência aponta a raiz da criminalidade nos problemas sociais, descartando a própria hipótese da anomia social, como se o crime fosse uma mera questão de estratificação social. Na verdade, essa tese parte de um pressuposto preconceituoso, como se a gente menos abastada fosse, como que por encanto, induzida e indutora do crime. No fundo, tal tese não passa de um clichê que aponta no capitalismo a causa de todas as mazelas sociais, como já dissemos. Acontece que até algum tempo atrás isto não ia muito além de uma certa classe (pseudo) intelectual, hoje atinge vulgarmente a boca de qualquer “filósofo de boteco”, qualquer cretino com leitura panfletária se julga capaz de analisar fatos sociais complexos sem ter que recorrer a qualquer leitura ou análise estatística. E mesmo quando o faz, especialmente a divulgação estatística sem análise, diga-se de passagem, esta é de segunda ou terceira mão, sem conhecer (ou sequer imaginar) a metodologia de pesquisa adotada. Nesses tempos de vulgarização da mídia, até mesmo raps que promovem a violência fazendo sua apologia são tratados como obras artísticas. Essa análise ridícula e minimalista tem por conseqüência achar que toda a criminalidade é mera conseqüência da divisão de classes, da estratificação social, como se não houvesse uma estrutura criminal altamente organizada que compra facilmente certos homens públicos...

Se for verdade como se tem dito repetidamente que a posse legal de armas de fogo induz ao homicídio e se apenas 20% dos casos têm seus autores identificados pela polícia, se conclui que a primeira afirmação é nitidamente falsa. Falha de raciocínio ou mau-caratismo puro e simples? Nos países escandinavos e nos EUA, onde há um maior índice de porte de arma, a taxa de homicídios é visivelmente menor. Também é óbvio que o bandido prefira assaltar aqueles cidadãos que não possuam porte de arma.

Mas faz parte da estratégia dessa mídia irresponsável divulgar apenas os dados em que portadores de armas legais foram mortos ou tiveram insucesso em se defender, sem com isso ver o outro lado: quantas defesas foram bem sucedidas? Também é óbvio que por terem sido evitados, esses casos bem sucedidos não são, normalmente, notificados à polícia.

Vejamos essa ilustrativa análise de Tadeu Viapiana7:

“Quanto às estatísticas citadas no artigo de Soares, permito-me duvidar especialmente daquela que cita haver ‘mais crianças mortas com armas domésticas (sobretudo por acidentes) do que assaltantes’. Talvez ajude a enxergar essa situação com mais clareza observarmos os dados da pesquisa Injury Facts, realizada pelo instituto americano National Safety Council há dois anos: ‘do total de mortes provocadas por acidentes registrados nos EUA, 43,1% ocorreram com automóveis, 12,9% com quedas, 11% com envenenamentos (...) e apenas 1% envolveram armas de fogo’. Os outros 32% dos casos tiveram diversas outras causas. Que tal propor a proibição da posse caseira de automóveis, motocicletas, bicicletas, árvores, cordas, paus, instalações elétricas, tubulações de gás, fogões e venenos de todos os tipos, já que eles causam tantos acidentes?”

Se essa lei fosse realmente séria, se pretendesse ser eficaz, ela deveria procurar atingir o contrabando de armas.
Mas quem está fazendo algo no Congresso Nacional para combater o tráfico de drogas que nutre os bandidos com armas poderosas e muito mais letais que as armas legais de defesa do cidadão ou a impunidade que grassa em nossa Justiça?

Mas os apologistas da covardia individual ainda poderiam dizer que os EUA são um caso atípico, pois se trata da maior potência econômica do mundo, havendo, pois, pouca propensão à criminalidade. Também faz parte do argumento antiarmamento isolar casos bem sucedidos como se seu sucesso se fosse “anormal”. A Suíça, por exemplo, trata-se de uma das nações com taxa de armas mais elevada do que a dos EUA, mas o impressionante é que aquele país montanhoso pouco atraente para invasões, praticamente não ostenta crimes com armas de fogo. E é claro que as armas requerem inspeção prévia, além de registro e licença. Mas o que queremos chamar a atenção aqui é que desde os tempos em que aquelas cadeias montanhosas eram povoadas por homens que portavam espadas e flechas, as milícias suíças já existiam. A independência e neutralidade suíças têm a ver com a posse de armas pessoais. O governo central fraco e a idéia de que o eleitor, cidadão suíço é um cidadão armado tem íntima relação. Como diz uma publicação oficial, “o suíço não tem um exército: eles são o exército”. Na prática isto significa 15,2 homens armados/km2 (os EUA e a Rússia apresentam cerca de 0,2). Trata-se de um país 76 vezes mais denso em homens prontos para defender seu país do que qualquer outro (só Israel apresenta índice maior)8. Se a Suíça é um país que tem uma enorme quantidade de armas por cidadão, como pode apresentar taxas de homicídios inferiores ao Canadá, Inglaterra ou Japão? Algo não está errado com o argumento pró-desarmamento?

Segundo o professor John Lott, autor do livro More Guns, Less Crimes9, a Suíça teve a mais baixa taxa de mortes violentas na Europa, apesar de ter 2,5 vezes mais armas que a Alemanha. Outros países como Israel tiveram queda drástica de homicídios desde os anos 70, quando o país liberou o porte. Pelo contrário, países como Austrália e Inglaterra registraram aumento da violência depois da proibição das armas10.

Como dizíamos algumas linhas atrás, como discutir a criminalidade somente levando-se em consideração o porte de arma ou a desigualdade social? Novamente, voltamos a questão da cultura que, em se tratando de Suíça, é fortemente comunitária. Além disto, sua história registra uma lenta urbanização que ajudou a integrar os recém chegados do meio rural. Ao passo que países europeus levaram cerca de século e meio para se tornarem majoritariamente urbanos, na América Latina isto costuma ser menos de cinco décadas (na África e China atual, menos de três décadas). Naquele país montanhoso também não existem grandes cidades heterogêneas com quistos subculturais. Sua polícia é descentralizada, apresentando uma menor taxa de mobilidade espacial e laços mais próximos com a comunidade. Na verdade, cada suíço se enxerga como um policial.

A questão fundamental é que os governos centrais fortemente centralizados enfraquecem a liberdade (e responsabilidade) individual. Se fosse assim na Suíça, o país não ostentaria os baixíssimos índices de criminalidade. As pequenas unidades governamentais é que encorajam a responsabilidade popular e o controle da delinqüência. Esta é a chave. Em tempo, as escolas também não se perderam em modismos pedagógicos, mantêm a severidade que faz parte da boa educação.

Os íntimos laços familiares entre diferentes gerações com crianças assistindo a limpeza das armas por seus pais são cena comum. E a baixíssima taxa de criminalidade no país tem sido uma conseqüência da alienação evitada no jovem. Em nosso país, a criminalização do porte de arma é uma vã tentativa de materialização do mal, como se este fosse imanente ao instrumento. Erra-se largamente o foco de análise. Mas se o maior número de armas não induz necessariamente ao crime, o oposto também não é, necessariamente, verdade. Tudo depende da cultura implícita a cada sociedade e a brasileira ainda tem, certamente, muito por fazer.

Como poderíamos compreender a manifestação promovida pela ong “Sou da Paz” em Brasília, cidade que só tem 43 cidadãos com porte de arma legal, se não for pela óptica de que se trata da mais bizarra ignorância ao julgar o cidadão armado como fonte da criminalidade?

 Um documentário sobre a fantasia

Na esquizofrênica campanha para o controle das armas e o a favor do monopólio estatal, alguns articulistas têm que evocar um bode expiatório e, em se tratando de imprensa marrom esquerdista, nada melhor que a Caros Amigos. Recentemente, um texto absurdo de sua webletter11 chama o documentário de Michael Moore de “concepção de jornalismo (...) provando que uma boa história supera em muito qualquer pirotecnia visual [onde o autor] como poucos (...) sabe contar uma história”. Bem, vamos por partes: além de ofender toda classe (verdadeiramente) jornalística, comparando-a com um bando de mentirosos e deturpadores como faz Moore, o editorial da Caros Amigos se supera em simplismos e mentiras falaciosas. Não é por que é um documentário que o documentário “foge ao fetiche das avançadas tecnologias de filmagem”, pois recria outra fetichização, a de que a simplicidade equivale à verdade.

A revista diz que poucos sabem contar uma história, narrando-a com sentimento, que se dá o mesmo peso para a fome de uma família de afegãos que se dá para a falência de um banco (como se esta não implicasse em desemprego, fome e desespero...). Ela clama por um “‘novo jornalismo’ que valorize a dimensão humana de um acontecimento”, eliminando os “fatores de alienação” como o mercado, a política, as regras, o chefe. Mas que bazófia é esta? Acaso discutir o mercado, não é procurar entender uma dimensão importantíssima da vida das pessoas? E a política, que constitui uma das esferas fundamentais da vida social desde a civilização fundada pelos gregos? Com assertivas insanas como esta, o editorial da Caros Amigos joga na lixeira de sua verborragia virtual toda a possibilidade de discussão racional de um tema específico, que é a população civil armada.

Se o jornalismo é produto e reprodutor desse sistema que não “valoriza a dimensão humana”, o que é que valoriza? A maneira mentirosa de “contar histórias”, como se elas já tivessem de antemão um culpado e uma vítima como fazem os editorialistas da Caros Amigos?

Diz que Moore sabe ouvir, com sua aparência medíocre com seu bonezinho, um americano típico (sic)... Mas que não é nada medíocre a maneira mentirosa como deturpa causa e efeito da questão das armas nem sua inserção na sociedade americana, isto não é.

Diz que um dos grandes méritos de Moore é o de entrevistar pessoas comuns e não experts em determinados assuntos, mas ao contrário do que se pode pensar esta é sua grande astúcia, a de se fazer valer usando cidadãos comuns que não refletiram profundamente sobre o assunto, manipulando e conduzindo aquilo que deveria ser discutido. Isto é a “neutralidade” de Moore, a “neutralidade” de buscar pessoas desinformadas e sujeitas a serem manipuladas pela sua condução jornalística. Para depois, fazer os devidos cortes na edição de sua filmagem, revelando somente aquilo que interessa a sua tese falaciosa.

Questões simples e diretas como “uma sociedade que defende o porte de armas é menos violenta ou menos sujeita à violência passam ao largo da manipulação de Moore”. Se o diretor convence a maior parte dos que viram seu pseudodocumentário é uma questão em aberto, mas que o editorial da Caros Amigos só convence os que têm uma leitura viciada da realidade e que não desejam a mesma realidade que salta aos olhos, essa é uma verdade absoluta. Não há diálogo algum com a realidade, só a reprodução da mentira.

O que falta a um documentário leviano de Michael Moore “Jogando Boliche em Columbine” é que suas premissas básicas são infundadas, como demonstramos extensivamente. A sociedade americana não é mais violenta devido ao porte de arma. Se fosse assim, a Suíça deveria ser n-vezes pior. Não é o que se vê, nem sugere as sociedades com livre porte de arma. As raízes da violência estão em outro lugar. Moore simplesmente não focaliza o problema. Na tentativa insensata de criticar Bush, ele se perde por completo. Se o seu objetivo imediato é criticar a política externa de Bush, poderia fazê-lo recorrendo a uma análise geopolítica e econômica mais ampla, mas suspeito que não haja envergadura mental para isto no cineasta.

Na verdade, o pobre documentário de Moore abriu espaço para que críticos de cinema fizessem uma subliminar apologia a ditadura de Saddam. Nada mais conveniente numa época em que órfãos socialistas se travestem de pacifistas denotando sua irresponsabilidade para com uma ordem mundial mais estável e verdadeiramente pacífica.

Os críticos de cinema dizem que “o século terminou não na contenção da pulsão assassina, mas, no controle das imagens”. Então isto deveria valer para as dezenas de milhares de curdos assassinados por Saddam, ou por outros milhares de xiitas expulsos do Iraque meridional. Os EUA são atacados fisicamente e logo depois atacados moralmente por essa mídia leviana que diz que a guerra está “no coração da América”12.

Premiado por seu documentário no Oscar, Moore disse “(...) o que a maioria trazia entalado na garganta: ‘Vivemos em tempos de ficção, em que resultados eleitorais fictícios nos trouxeram um presidente fictício, que nos enviou à guerra por motivos também fictícios’”. A maioria quem, cara-pálida? Não parece ter sido esta a opinião dos americanos no pleito de meados de 2002 que foi de um sucesso extraordinário para George W. Bush, quando os republicanos expandiram seu controle no congresso (câmara e senado, igualmente)13.

Frases politicamente corretas como "espero que as pessoas, tanto as que crêem em Deus como as que crêem em Alá, cheguem a uma solução pacífica" de nada valem para aqueles que deturpam as palavras atribuídas a qualquer deus. É uma ilusão pensar que todos os preceitos muçulmanos prendam-se às palavras do Corão. O que ocorre hoje é uma clara intenção na promoção de um choque de civilizações14.

Mas se o trabalho de Moore contra o armamentismo civil pretende fazer um coro da sociedade americana contra o governo Bush, ele não teria uma validade? Bem, se trata de documentário e não ficção, certo? Para aprovarmos moralmente o trabalho de Moore, teríamos que aceitar os fatos que relata como verdadeiros. Mas, são? Numa matéria sensacionalista, o jornal Valor Econômico (que tem, curiosamente, se distanciado dos assuntos econômicos...), diz que os protestos contra a política externa dos EUA têm tido manifestações “(...) mais amplas, profundas e ativas que as da época da guerra do Vietnã”15.

Na sua análise cheia de clichês antiguerra, a matéria comenta que a imprensa livre dos EUA, não passa de imprensa marrom16, sensacionalismo, covardia, desinformação e vai além nas asneiras ao dizer que o capitalismo não necessita de coerção ou supressão prévia da liberdade de expressão, sugerindo que ela já é conduzida tendenciosamente. Ou seja, é substituída por métodos sutis de controle, como autocensura, incentivos financeiros, dependência econômica, processos que reforçam o ponto de vista do sistema (sic). Chegam a sugerir que europeus não verão mais filmes americanos etc., o que é hilário, pois a maioria destes se posiciona contrária às guerras. Parece que a posição antiguerra e antiarmas legais desses cineastas vai muito além desses meros tópicos: “Quando a União Soviética era um superpoder, o mundo era melhor. A mídia de direita está tentando marginalizar o movimento pela paz.”17

Milla Kette argumenta que “a grande massa de artistas que se opõe à guerra [faz parte] do ‘Eixo da Ignorância’”18. Isto fica mais claro quando pensamos que as farpas hollywoodianas não visam tão somente o presidente Bush, mas o ator Charlton Heston, presidente da National Rifle Association. Como eu dizia, há mais envolvido no debate que uma clara consciência da política externa envolvida.

Outro exemplo desta manipulação explícita vem do jornal supracitado (que já estou me acostumando a chamar de “Valor Ideológico”...), onde Michael Moore é chamado de “a voz da América”19. O “documentário” de Moore pretende ser “sobre como os cidadãos americanos reagem diante de uma situação de medo e de como os poderes (sic) manipulam esse medo popular”, daí a associação do armamentismo civil com a administração Bush. Sofismático, não? Apesar da defesa civil individual ser garantida pela 2a emenda constitucional americana desde muito tempo antes de “Bush Pai” sonhar ser presidente, ela é tida agora, por Moore e seus fãs como “mera manipulação do poder”.

“Tiros em Columbine”, como foi traduzido aqui, é chamado de “divertido mergulho no culto às armas nos EUA”. Bem, em que pese, achar a violência divertida ou alvo de chacotas, o que está em questão é mais do que o armamentismo ou a guerra ao Iraque, ou a legitimidade do presidente George W. Bush. Trata-se, em realidade, de uma crítica leviana às estruturas políticas e jurídicas básicas à sociedade americana, ao seu modo de vida e, extensivamente, ao capitalismo. No fundo, é um brado de órfãos socialistas, mesmo que não assumidos. Mas por que as armas? Por que se trata de um tema de apelo sentimental que, sub-repticiamente, extrapola para questões mundiais, como se uma coisa implicasse, imediatamente, na outra. Para mim particularmente, o “documentário” de Moore aprimora a técnica de propaganda nazista de Goebbels. N-vezes mais eficaz que um Granma cubano ou Pravda soviético, o “documentário” de Moore atinge o espectador não revelando explicitamente suas intenções.

Em entrevista ao Valor Ideológico, digo, ao Valor Econômico, Moore defende o cinema como “instrumento de conscientização política”:

“Valor: O sr. acredita no cinema como instrumento de conscientização política?

“Moore: Se eu conseguir fazer um filme que leve algum tipo de entretenimento as pessoas, acreditarei que dei alguma contribuição política à sociedade. E se esse filme fizer com que as pessoas pensem a respeito do que viram, ficarei mais satisfeito comigo ainda. Não espero que quem for assistir a ‘Tiros em Columbine’ saia do cinema e se junte a alguma organização para controle de armas. O melhor instrumento para uma mensagem política não é um filme, mas uma passeata ou um comício. Conheço o país no qual vivo. Prefiro manter baixas as minhas expectativas em relação ao cinema.”

Ainda bem que ele diz conhecer o país no qual vive, pois eu também acredito que a população americana não se renderá a esse canto que busca atraí-la para o desarmamento e a abdicação dos valores básicos que geraram sua sociedade20.

 Compreensão e prevenção não bastam

Voltamos a questão fundamental: a perda de valores é que é fundamental para o aumento da criminalidade e da violência em nossa sociedade. Da mesma forma que se assiste a uma escalada da falta de respeito, seja na sala de aula de todos os tipos de escola (públicas e privadas), o mesmo se dá com relação à vida de modo geral. Gerações passaram por décadas de contestação dos valores, sem propor sua substituição, mas a simples anulação daqueles. Chegamos a bizarra situação onde busca se compreender por que um adolescente age como uma criança quando vê seus desejos não serem atendidos por seus pais, mas não se busca puni-lo quando age como um adulto ao planejar assassiná-los.

Os assassinatos, regra geral, não podem ser enquadrados como atos impensados, pois são estrategicamente pensados e articulados. Desde o caso do assassinato do casal von Richthofen pela própria filha e amigos até o atentado que levou a morte de 200 pessoas em Bali, na Indonésia, 2.000 em Nova York ou milhões em Ruanda, Sudão, Camboja, Bálcãs etc., fazem parte do cotidiano da História. No entanto, isto não significa cair num niilismo simplista em aceitar “supostas inclinações maléficas ao ser humano”, mas que podemos escolher em liberar ou reprimir e educar. Não podemos nos furtar a esta missão social. A discussão moral não pode deixar de nortear a questão da criminalidade e desvio social. Devemos conservar e este verbo nos é muito caro, as implicações morais e, legalmente, culpar seres atrozes. Outrossim, a compreensão distante de pesquisadores sociais não significa perdoar ou justificar infâmias.

Admitir que o futuro seja cinzento, acompanhado do crescimento exponencial da população ou da falta de recursos não deve nos furtar a luta, a boa luta, de tentar traçar nosso próprio destino, perpetuando a luta entre o Bem e o Mal.

E o pacifismo? Depende, pois se o mesmo procurar caminhos que nos faça abdicar de reagir, ele se torna hipócrita. Seja na poesia de ocasião das canções populares ou na demagogia de chefes de estado, o discurso pacifista não impediu que nas quatro décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial ocorressem 150 guerras e menos de um mês de paz mundial. É claro que estamos excluindo do cálculo os milhares de conflitos internos que ocorrem cotidianamente, assim como as verdadeiras guerras civis não declaradas que se observam em países como o nosso.

Mesmo que funcionemos segundo um princípio utilitário de que o que impede o impulso da maldade humana extraordinária é o medo da retaliação, isto não deveria fazer com que justificássemos nossa isenção de julgamento. Seja por motivos essenciais ou práticos, não importa, a repressão, legalmente aceita (e não apenas a prevenção) deve ser buscada, incessantemente.

Por que ao invés de criar essa estúpida lei que criminaliza o porte de arma legal e que deve, antes de qualquer coisa, servir a interesses escusos, não se enfatiza vários exames para a habilitação do porte de arma, incluindo a legislação do controle de armas, testes psicológicos, psicotécnicos, médicos e práticos ministrados pela polícia com carga horária mínima? Também seria útil ter um cadastro de policiais da reserva para situações de emergência.

O que é exceção nos EUA – bairros que viviam aterrorizados como o Brooklyn em Nova York -, no Brasil é que é norma. Paraísos para traficantes, divisão territorial de gangues, população com medo de sair às ruas, medo de sentar em bancos de praças, luzes de prédios estouradas à bala por criminosos etc. e etc. fazem parte de nossa paisagem urbana. Mas Nova York teve o prefeito Giuliani, um homem que nos anos 90 colocou a máfia na cadeia e reduziu os crimes violentos em 60% na metrópole. Sua Tolerância Zero é ironizada em nossas latitudes por apologistas (da deturpação) dos Direitos Humanos que se confundem com os lenientes em seus princípios. Eles dizem que isto estimularia a violência. Mas de qual violência realmente se fala?
A do policial que arrisca a vida pelas vítimas do crime? Ou a de um estuprador que humilha física e moralmente uma mulher? A questão é que hoje em dia se fala em violência sem realmente se adjetivá-las e sem especificar o autor da mesma, como se ela fosse um objeto em si mesmo, um vírus pensante. Não, a violência tem um sujeito identificável, com nome e rosto que precisa ser encarcerado, no mínimo.

Mas hipócritas de plantão existem aos milhares. Uma associação como a Viva Rio vive falando em combater a violência, mas não se digna com a mesma veemência em combater o crime organizado.

Associações hipócritas como a Viva Rio que falam em combater a violência, que não se digna em combater com a mesma veemência o crime, muito menos o crime organizado, identifica somente a “violência policial”. Para ela, o crime cometido por pobres é uma “questão social” e para não demonstrar uma completa inoperância, nossos “lúcidos legisladores” procuram com sua lei que proíbe o porte de armas atacar a parte mais fraca da relação, o cidadão. Tudo em nome do “resgate da dívida social”. Proibir o porte legal de armas tem que efeito, além do mero marketing político? E este ainda pode se revelar como um tiro pela culatra. Querem nos fazer crer que se não tivermos armas, os criminosos sentirão pena, consideração para com suas vítimas. Acredita-se na clemência dos assassinos. O que falta? Pagarmos um imposto ao criminoso para não sermos assaltados.

Acham que estou brincando? Na entrada da favela Vila Vintém, em Bangu, havia abaixo de uma faixa com o símbolo do Exército a inscrição: “Não temos vagas”. Mais abaixo, o nome de uma facção criminosa com a frase: “Temos vagas”. A assessoria militar aos traficantes, ensinando a montar e desmontar armas e granadas, além de repassar técnicas de guerrilha e contraguerrilha, camuflagem e sobrevivência na selva, tem elevado os soldos à até R$ 9 mil por mês. Ex-combatentes também estão sendo recrutados pelo tráfico para fazer o levantamento topográfico da favela para invadir o terreno do inimigo. O valor? A combinar21.

Simplesmente, não se tem focalizado corretamente a questão. Há 250 milhões de armas ilícitas no mundo com cerca de 500 mil mortos por ano. Onde está o plano de combate aos seus efeitos pelo governo federal e nas outras instâncias governamentais?

Reação. É disto que precisamos22.


NOTAS

http://www.prolegitimadefesa.org.br/realizados/agencia.htm

http://www.prolegitimadefesa.org.br/realizados/agencia0506.htm

2 Conferir http://www.washtimes.com/commentary/20030613-083856-6714r.htm

3 Robert Nozick. Anarquia, Estado e Utopia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1991.

4  Conferir http://filial.blogspot.com/2003_06_01_filial_archive.html de quarta-feira, 18 de junho de 2003;

5 Idem a fonte anterior. Veja também os dois lúcidos comentários de leitores a respeito do tema:

“Caro Paulo, é evidente que a posse de armas pelo cidadão comum e honesto mantém a violência sob controle. O problema aqui no Brasil é que as coisas devem ser o contrário do que é aí nos EUA. Obra bem sucedida do ranço antiamericano cada vez maior entre o povo brasileiro fomentado pela nossa mídia tacanha.Um abraço!”
Icarus Homepage 06.18.03 - 7:23 pm #

“Paulo,Ao que parece, mesmo aqui no Brasil, a propaganda antiarmas veiculada pela mídia não tem dado resultado. Participei de duas recentes enquetes eletrônicas sobre o assunto, e em ambas a maioria esmagadora (uns 75%) dos participantes votou a favor do uso de armas de fogo para que o cidadão possa se defender, o que me parece representativo da atual opinião pública sobre o tema. É a tal história: nosso povo não é lá muito brilhante; mas é menos burro do que sua elite letrada.”
Carlos Eduardo Email Homepage 06.18.03 - 7:39 pm #

http://www.midiasemmascara.org/materia.asp?cod=115

http://www.midiasemmascara.org/materia.asp?cod=53

http://www.armaria.com.br/suicos.htm

http://www.google.com.br/search?q=cache:PMIiyPOTgdEJ:www.jt.estadao.com.br/noticias/98/11/08/do1.htm+homic%C3%ADdios+su%C3%ADca&hl=pt-BR&ie=UTF-8
Sobre o efeito reverso que teve a proibição das armas de uso pessoal para combater a criminalidade na Inglaterra:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2003/07/030721_armasebc.shtml.
Para analisar o quadro brasileiro de que mais armas implicam em menos crimes ou que a proibição de sua posse não implicará na diminuição da criminalidade:
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/07/15/cid023.html
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0507200310.htm .

10 No mesmo sentido da pesquisa do Professor Lott, mas com um direcionamento a polêmica que envolve o terrorismo atual nos EUA como sendo possivelmente fomentado pelo acesso as armas, encontra-se o trabalho de Wayne LaPierre, Guns, Freedom, and Terrorism. WND Books, 2003.

11 Michael Moore e um novo jornalismo por Natalia Viana in
http://forums.ecomm.com.br/cgi/dnewsweb.exe?cmd=article&grouhttp://forums.ecomm.com.br/cgi/dnewsweb.exe?cmd=article&grouhttp://forums.ecomm.com.br/cgi/dnewsweb.exe?cmd=article&group=forum.carosamigos&item=2678&utag=

12 Conferir Valor Econômico. Quinta-feira, 20, 27 de março, 11 de abril e 9 de maio de 2003  -  Ano 4  -  Nº 721  -  Eu&. Estranho como um “jornal de economia” esteja se posicionando ideologicamente cada vez mais como antiamericano e condenando entusiasticamente de toda e qualquer forma (até com crítica cinematográfica!) o governo Bush. Talvez fosse mais justo ser chamado de “Valor Ideológico”.

13 http://www.economist.com/displaystory.cfm?story_id=1431698

14 Conferir meus artigos à respeito emhttp://www.oexpressionista.com.br/ensaios/file2003_06.shtm ehttp://www.oexpressionista.com.br/tempos_modernos/file2003_04.shtm

15 Valor Econômico. Sexta-feira, 11 de abril de 2003  -  Ano 4  -  Nº 737  -  Eu&. Estranho... Como os protestos e a discussão social estão mais intensos, como sugere a matéria assinada por Marcel Plasse (“Yes, eles têm censura. Para intelectuais e atores americanos, as vozes dissonantes são abafadas em seu país – A guerra do silêncio imposto”) se a censura recrudesceu? Ué?! Há algo de pobre no Reino de Hollywood, pois como há “silêncio imposto” se os protestos e a “consciência” aumentaram em relação aos anos 70?! Será que para os esquerdistas, pensamento dialético significa pensamento contraditório?

16 “Imprensa Marrom” (ou yellow press em inglês), não tem uma tradução literal por que os meios jornalísticos nacionais achavam o amarelo uma cor muito leve para designar a sujeira ou métodos sujos adotados por essa mídia. Mas a prática sensacionalista com exagero gráfico, temático e lingüístico, hoje se apresenta mais em qual tendência política? Por acaso, não tem nada a ver com a satanização de certos países que se caracterizaram ao longo de sua história por um inestimável respeito aos direitos individuais de seus cidadãos? Essa forma desviante de passar a notícia que leva a descargas de pulsões instintivas pretende, antes de tudo, chocar o público. No caso a que nos referimos, do lobby antiarmas destaca-se um nobre representante desta linha televisiva, Ratinho. No dia 24 de junho, o apresentador fez uma enquete sobre desarmamento com telefones abertos para a participação popular. Detalhe “curioso” é que o telefone destinado àqueles que eram favoráveis às armas era de difícil ligação...

17 http://www.oexpressionista.com.br/queima_roupa/file2003_03_4.shtm

18 Idem.

19 Valor Econômico. Sexta-feira, 9 de maio de 2003  -  Ano 4  -  Nº 754  -  Eu&

20 Veja fotos de uma manifestação contrária a guerra ao Iraque de 16 de fevereiro em San Francisco e suas incongruências, bem como suas verdadeiras posturas ideológicas no site http://www.protestwarrior.org/, seguindo para os links “anti-war protest” ou “protest gallery”.

21 http://oglobo.globo.com/rio/35607318.htm
22 Mas o cidadão comum que sofre na pele, na carne a violência decorrente dos verdadeiros criminosos não pensa como nossos legisladores que propõem o desarmamento. Enquetes realizadas por diversos meios de comunicação o comprovam: 63% não apóia o fim do porte de armas legais, segundo o JB on line, 20/07/03 e 95% em 16/06/03; 82%, segundo Zero Hora, 12/07/2003; 80%, segundo o GloboNews, 07/07/2003; 80,47%, segundo o “Bom Dia Brasil” da TV Globo, 26/06/03; 95%, segundo o portal Interlegis, 24/06/03(www.interlegis.gov.br); 84,25%, segundo a Rádio Bandeirantes, 24/06/03; 83,29%, segundo o Diário de Maringá, 17/06/03; 94,08%, segundo o site http://home.ofm.com.br/ em maio de 2003.

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