segunda-feira, outubro 02, 2017

A Autonomia da Catalunha


Ontem, catalães votaram a favor da independência do Reino da Espanha em massa, 90% segundo o governo da região. Sua ditadura no final dos anos 30 levou à centralização do país e supressão de traços regionais importantes que davam unidade aos diferentes povos, como a proibição do idioma catalão em 1939. Por força de lei, se proíbe, mas na prática, a tradição e sua preservação constituem uma forma de unidade, de senso de comunidade, de distinção e dignidade que podem se traduzir como resistência a algum regime se forças políticas souberem capitalizar isto. E foi o que aconteceu a partir da crise de 2008 em que a região passou a receber menos recursos, inclusive para geri-los de forma autônoma, regionalizada, o que só fez aumentar o sentimento de indignação e separatismo, como seria de esperar. Some-se a isto, o fato do partido ora no poder, o Popular estar envolvido em 65 casos de corrupção.
Pesquisas psicométricas divulgadas pelo The Atlantic mostraram que o sentimento de emancipação diminui após o voto porque este tem a função de catarse, isto é, de liberação de energias. Então, se numa escala de valores, antes do plebiscito, o catalão dissesse que estaria apto “a perder a vida pela independência”, após o seu voto, o sentimento caia sensivelmente sendo substituído por outros como “estou disposto a perder meu emprego pela independência”. Raciocine, o que realmente muda após a independência se tu não sabes o que virá, não tens comprovação fática do que está por vir? É muito mi-mi-mi, nós vivemos sob a “ditadura do mi-mi-mi”, ao invés de nos concentrarmos em questões econômicas perdemos muito tempo com símbolos que traduzem, irracionalmente, o que esperamos como conjunto de soluções. Estas são chatas, requerem estudos, estão inseridas em um método de ensaio-e-erro, já o símbolo, esteja ele atrelado a alguma religião, causa política, da qual o nacionalismo é uma das mais emblemáticas faz o serviço rápido que dispensa a análise exaustiva e comparação constantes. É um refúgio dos preguiçosos – quem pensou no “O Sul É Meu País” para o nosso caso acertou. De machos revolucionários pré-plebiscito passamos a militantes para depois sermos indignados e quando a economia melhorar futuramente, conformados e acomodados. Duvidam? Por que a Espanha já não virou uma Iugoslávia há tempos? Comparem suas economias e como têm evoluído nas recentes décadas. Ou analogamente, vocês acham que estaríamos falando tanto de separatismo e secessão aqui no Sul do Brasil se não fosse nossa crise política, institucional e econômica?
E o governo espanhol, Madri, onde foi que pisou no patê? Se opôs ao plebiscito e perdeu a chance de fomentá-lo? Como assim? Sim, eu estou dizendo que se Madri conduzisse o próprio plebiscito poderia manipulá-lo a seu favor, NÃO roubando ou mentindo sobre os resultados, mas sim DISPONIBILIZANDO MAIS OPÇÕES. Pesquisas feitas ANTES do mesmo mostraram que os militantes pró-independência da Catalunha (mais de 40%) caiam para 35% se houvesse mais opções como “estado federal”, “maior autonomia regional” etc. Mas, a opção pelo confronto, de bloquear locais de votação, de prender militantes, no envio de milhares de guardas para a região teve como resultado inflamar ainda mais o sentimento anti-unionista contribuindo como combustível para algo que mais ou mais tarde se tornará uma força difícil de reverter.
Visto de cima, o que temos na Europa hoje, uma vez que o sonho de uma unidade e federação europeias naufragou é o retorno dos nacionalismos e o verdadeiro risco que este nos traz é seu subproduto ideológico conhecido como fascismo. Se tivéssemos uma maior descentralização real, via pacto federativo, o comércio interno com maior desregulamentação e liberalismo os manteria unidos. Mas vai colocar isto na cabeça de um burocrata…
Anselmo Heidrich

Um comentário:

  1. De um comentário do Financial Times:

    a comment on the FT article about the referendum

    Lets look at the numbers as it is easy to understand what is going on once you do. Cataluña's public debt rose 475% since the 2008 crisis and is first in public debt as of 2017 (76.7 Billion) a hair less than double that of Andalusia (33.9 Billion) and double that of Madrid (32.6 Billion)...leaving Valencia as its only rival for first place sitting at 45 billion. Cataluña's debt is so large that their credit rating is at junk status (BB).

    The only reason they are not defaulting is because the central Government is backing (guaranteeing) their debt, which makes their debt service payments (also subsidized by Madrid) manageable.

    Problem now is that Catalan politicians cannot fund their own programs as they cannot borrow any more money (cut off from the debt market since 2012) and Madrid cannot send them more money as there are much poorer regions that need funds. Since they can't exactly tell the population that they are broke due to corruption and serious financial mismanagement, they invented a boogeymam in Madrid that robs them off their taxes (the fact that Madrid pays even more into the system then it gets out compared to them is strangely ignored).

    So they lied to the public to cover themselves, and are using the noise generated by the referendum as a smokescreen to divert the corruption investigations from their affairs. If you have ever engaged in discussion with the average Catalan who supports Independence, you will see quite readily just how ignorant of the reality of the situation they truly are.

    You cannot reason with them because they have been indoctrinated on these issues for years, and will simply ignore any facts they don't agree with.

    ResponderExcluir