sábado, abril 20, 2019

A Páscoa e seus Significados


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Qual é a tua verdade? Nenhuma. Ninguém tem a sua verdade, ela é uma só.
Não confunda verdade com opinião. Mesmo que tenhamos conhecimento temporário sobre algo, um fato e a explicação deste são objetivos.
É fácil perceber como nos traímos, porque somos escravos de nossos desejos. Quantos não afirmam que a liberação das drogas não deu certo no Uruguai porque a taxa de crimes aumentou, mas ela diminuiu em Portugal. Ora, se aumenta em um país e diminuiu em outro parece evidente que a causa determinante não é a liberação da droga, as o ambiente em que o experimento foi feito.
Cidades europeias têm parques e nesses espaços, geralmente, há espaço para viciados se matarem aos poucos. Embora os países platinos como o Uruguai tenham espaços públicos semelhantes aos europeus, não se pode dizer o mesmo do comportamento nesses espaços públicos. Querer, p.ex., dizer que na Holanda “deu certo a liberação” é esquecer que se fuma maconha, mas nos cafés apropriados. Algo diferente de fumar enquanto dirige seu Uber, certo?
A seleção de dados que nos é conveniente e o método que nos favoreça em nossas crenças é regra geral para os seres humanos que se acham inteligentes porque não assumem a fragilidade de seu raciocínio.
Basicamente deve funcionar assim: quanto mais eu creio em algo, mais tenho que testá-lo. Quem o faz pra valer?
Socialistas latino-americanos são bons em dizer que “o socialismo deu certo porque a social-democracia é o melhor sistema e os europeus não querem destruí-lo”, mas esquecem de dizer que “socialistas” lá não são defensores do “socialismo” como tal apregoado por Karl Marx e sim um sistema que visa tributar o capitalismo para garantir benefícios sociais ao invés de constituir um estágio pós-revolucionário.
Mas se você acha que a ignorância é exclusiva do socialista se engana, os liberais também são patéticos quando falam de “social-democracia”. Primeiramente, isto é mais um rótulo que qualquer outra coisa. Basta uma pequena leitura de fontes originais para ver que as tais “social-democracias europeias” são muito mais liberais economicamente do que as sociedades latino-americanas.
Se for manter benefícios aos militares, isso é votado na Suíça; se for criar um sistema público de saúde ou apenas expandi-lo, isso pode ser negado através de plebiscito na mesma Suíça; se for definir o que será gasto no orçamento municipal (eu disse municipal e não, nacional), isto será votado na Suécia ou outro país com organização similar. Esse negócio de “orçamento vinculado” não é praxe e o que é corriqueiro hoje pode não mais exister amanhã. Enquanto isso, liberais tupiniquins desinformados que são acham que a social-democracia é uma forma de socialismo amainado. E pior, no maior contrasenso dizem que só têm riqueza porque antes foram mais liberais e conseguiram acumular capital. Ou seja, se comportam como aquele sujeito que acha que a riqueza é estática e quem hoje é rico só o é porque seus antepassados acumularam, como se estes patrimônios não fossem facilmente dizimados no nosso mundo de hoje.
São os mesmos desinformados que acham que estados mais conservadores como o Texas tiveram mais governadores Republicanos em sua história, enquanto que foi exatamente o contrário: os Democratas predominaram. E de longe…
Como eu dizia, cada um escolhe o que lhe convém. Outro dia, um sujeito arrogante escreveu no seu story — do Facebook — que “a mídia errou flagratemente todas suas previsões de poucos anos atrás”, no que ele se referia a alterações climáticas. Começou errado ao citar “a mídia”. Qual delas? Que periódico, quando? Não há “a mídia”, mas “mídias” e elas variam — e não é pouco — ao longo do tempo.
Questionei que o buraco na camada de ozônio contribuísse com o aquecimento global. Essa hipótese não é consensual entre cientistas da área, mesmo porque o primeiro facilita a entrada de um tipo de radiação na atmosfera que não provoca o “efeito estufa” (aquecimento necessário feito com outro tipo de radiação).
Por que a insistência? Devido a uma matéria sensacionalista e este foi o dado — que chamo de “fato” — no qual se baseou para desautorizar uma “previsão”, o que chamaríamos hoje de “fakenews”.
Fakenews são, na verdade, bem old. A diferença é a amplificação das redes sociais hoje em dia, mas inventar e/ou condicionar visões de mundo ou a simples manipulação são tão velhas quanto a escrita.
Cada um acredita no que quer e chama a isso de “minha verdade”. É tua ignorância, na verdade.
Tenho algumas frases preferidas e duas delas se relacionam a este tema. A primeira, de Nietzsche que diz:
“Quanto ousa, quanto suporta um espírito.”
E a outra do maior gênio em humanidades que já li, Max Weber, bem na mesma linha:
“Faço ciência para saber quanto posso suportar.”
Que é o que eu dizia lá no início, se crês, confrontes sem cessar. Esse é o princípio de validação o falseamento de uma teoria para verificar sua força e resistência.
Já começou a Páscoa, data comemorativa da Ressurreição de Cristo. Cara… Nessas datas, a sensibilidade dos fiéis está a flor da pele, então fica fácil expiar os males do mundo procurando culpados e nós, ateus somos a bola da vez.
Deixe-me dizer, quando os soviéticos ou maoístas mataram dezenas de milhões, não o fizeram por serem ateus, mas por serem genocidas. Analogamente, da mesmíssima forma, o longo histórico de matança que se fez em nome de deus ou de uma religião não ocorreu por um conceito metafísico de um ente superior e criador, mas por comportamento apreendido e estrutura tribal em que se persegue e mata o que teme. Humanos, somente isto. E para dar uma invertida lógica final, da mesma forma que a imensa maioria de religiosos não sai por aí assassinando hereges, os ateus também não o fazem com crentes. Mas eu sei como dá vontade de explicar o mundo em termos simplistas e querer voltar ao passado, não é?


Na 1ª imagem abaixo fica patente que a admiração pelo comunismo das novas gerações não passa de uma busca por mitos, que quanto mais distantes da realidade e dos fatos, mais fácil se torna a adoração. Neste caso, qual a diferença do conceito abstrato de comunismo ou de deus? Forte, não? Te machuquei mesmo? Mas a força da tua fé não é suficiente para te blindar desses meus ataques infantis? Deixe estar, deixe sangrar.
Analogamente, quando um conservador americano criado com Kellogg’s e Donuts enaltece uma América perdida nos anos 50, ele esquece que eram anos de medo do comunismo para depois, nos 60 e 70 ser do holocausto nuclear e da superpopulação e nos 80 e 90, das mudanças climáticas, do envelhecimento populacional, das epidemias, vírus e migrações.
Toda época tem seus fantasmas, por isso precisamos de religiões, deuses e muito Prozac. Mas como já disse o Pirula e Jordan Peterson concordaria com ele baseado em Dostoiévski, ateus é que são a anomalia. Correto. Analogamente… Países prósperos também. Então, curta tua páscoa. Se empanturre com o chocolate, reflita, mas não venha me dizer que “os ateus são responsáveis por isso e aquilo”.
Se quiser fatos, eu os tenho também, nas transformações do leste europeu, dissoluções de estados, guerras civis, como na Iugoslávia com três religiões dividindo o país, um outro, mais ao norte se separou como um casal de velhos amigos, a Tchecoslováquia. Outro dado é o que o índice ateísmo também era o maior da região (2ª figura).


Não sou tolo para querer que a humanidade perca a fé em uma vida no além. Eu mesmo espero que haja alguma coisa, mas não faço disso um cavalo de batalha para discriminar quem diverge de mim, seja por um conceito metafísico, muleta filosófica ou time do coração. Já discuti muito sobre “qual era a melhor banda” na minha adolescência e acho que não quero reviver aquele clima.
Por que atacar os fiéis numa data tão sagrada? Justamente por isso, para mostrar que se se leva a sério as tais lições, tem que me aceitar. Afinal, por que faz tanto sentido defender um humorista e sua liberdade de expressão contra uma sentença injusta de seis meses de detenção e não a liberdade de expressão de um ateu? Que duplicidade ética é esta?
Mas apesar disso tudo, eu desejo uma boa Páscoa a todos, por ser um dia que prezam e nos toca pelos nossos entes queridos, de carne, osso, sangue, sais minerais e consciências ou como preferem chamar, vá lá… “Espíritos.”
Pode parecer coisa de um velho amargo, mas eu já era assim quando jovem. Apenas estou conservado.


Feliz Páscoa!
Anselmo Heidrich
21 abr. 19

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