sábado, dezembro 24, 2011

A origem da diferença

http://www.theatlantic.com/entertainment/archive/2011/08/rise-and-fall-of-the-planet-of-the-apes/243135/
Assisti ontem ao belo Planeta dos Macacos: a Origem. Triste também, um mundo em que o indivíduo símio perde sua referência. A natureza, primitiva, é um útero que nos protege ao mesmo tempo em que estamos vulneráveis. Crescer intelectualmente, como é o processo de Caesar atormenta. O conhecimento e as inseguranças geradas nos tornam reféns da incerteza.
Caesar, o chimpanzé é fruto de uma experiência genética, na qual sua mãe, “Bright Eyes” recebeu um soro desenvolvido para a cura do Mal de Alzheimer. Morta por engano, devido a um acesso de fúria para proteger seu bebê, o órfão passa a ser criado pelo cientista que desenvolvia a pesquisa. Em suma, o filme trata de mais uma revolta da criatura contra o criador, mesmo que neste caso o objeto da revolta não seja personalizado, mas coletivo, nossa própria civilização.
Claro que esta história também não seria imune a clichês, como o do empresário ganancioso que deseja a todo custo comercializar o soro, mesmo que efeitos colaterais já tenham sido detectados, ao mesmo tempo em que o condutor principal da pesquisa é um pobre ingênuo que só queira curar pessoas percebendo tardiamente seu erro. De qualquer forma, a luta que se trava internamente, antes de mais nada, entre quem se deseja ser e o que se é, é um tema sério. Sua evolução para uma batalha campal, na Golden Gate é de grande simbolismo, a própria ponte que liga o humano aos seus primos símios, o melhor cenário que liga civilização e natureza. A ponte é atingida por uma neblina, um fator natural, não previsto, que dá a oportunidade para a vantagem dos macacos contra os humanos. Ou seja, ninguém sabe ao certo o final do conflito, mas ele se tornou possível graças à ação humana, um construto que simboliza nossa civilização, o de conectar mundos, uma ponte. E é nela que tombamos... Afinal, no que Caesar se transformou? O que resta para ele em um mundo dominado por seres mais inteligentes, como ele, mas que o abominam como sendo “diferente” e os seus semelhantes nivelados em uma situação e estágio de bestialidade. Desde O Planeta dos Macacos de 1968, quando o astronauta George Taylor (Charlton Heston) pronuncia suas memoráveis palavras “tire suas patas fedorentas de cima de mim, seu maldito macaco sujo!”[1] até as cenas de afeto desta nova versão em que o macaquinho é carregado no colo e defende “seu avô” em uma briga de rua há uma enorme diferença de perspectiva. Basicamente, nossa percepção e conceito do que é humano não necessariamente mudou, mas foi ampliado. Hoje, uma das questões sobre o que é a vida, quando começa, quando é possível abortar sem que isto signifique assassinar ou sacrificar, amplia o significado de ser vivo para algo além do que é inteligente, nos aproximando de outras formas de vida, anteriormente tidas como “irracionais”.[2]
Retornar a história buscando sua origem com um sentido de culpa, de onde nós erramos ou “que certas coisas não devem ser mudadas” nos faz pensar sobre o valor moral da ciência, mas o certo é que há mais de um momento, entre a origem, o meio e o fim onde a moral se interpõe com conclusões diferentes, afinal quem não irá defender o resultado do avanço científico quando sua mascote ou filho precisar dele? E são esses atos individuais que conjuntamente balizarão nossa percepção e juízo de valor. E, cá entre nós, por mais que isto nos atormente, não será nossa própria natureza buscar o que ignoramos as conseqüências justamente porque só poderemos saber quais são depois? O medo é parte integrante de qualquer animal, mas enfrentá-lo talvez nos distinga nos tornando animais, porém diferentes.
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[2] Cf.: FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Então você pensa que é humano? Companhia das Letras, 2007.

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