segunda-feira, dezembro 26, 2011

Quando água e óleo se misturam

Interessante texto sobre a relação entre religião e economia publicado 7 anos atrás no Valor Econômico:


Economistas estudam a religião sob a ótica da oferta e demanda
Joseph Weber e Peter Coy ,
da BusinessWeek Valor Econômico - 29/11/2004 - edicão nº 1146

Economia e religião são como o óleo e a água, não se misturam. É verdade que Adam Smith sondou a religião no clássico de 1776 "A Riqueza das Nações". No entanto, a maior parte dos economistas considera a religião como um continente negro além do alcance de suas ferramentas analíticas.
Mas a religião é grande demais para ser ignorada pela economia, e agora esse abismo está se fechando. Uma nova geração de economistas da religião está seguindo as pegadas de Gary S. Becker, da Universidade de Chicago, que ganhou um prêmio Nobel por aplicar a economia no estudo do crime, das drogas e das interações familiares.


O economistas ainda evitam questões teológicas como a natureza de Deus. Mas elas podem lançar uma luz sobre questões terrenas como a maneira que as pessoas "compram" e "vendem" os bens e serviços - materiais e espirituais -, apresentadas pelas organizações religiosas. Além disso, na esteira dos atentados terroristas de 11 de setembro e da ascensão islâmica, trabalhos recentes sobre a natureza do terror inspirados por motivações religiosas estão atraindo muita atenção, como da CIA e outras agências de inteligência.
Esse interesse súbito é comprovado pelo mais incansável defensor desse campo, Laurence R. Iannaccone, professor de economia da George Mason University, que foi aluno de Becker em Chicago. Ele preside um novo grupo acadêmico, a Associação para o Estudo da Religião, Economia & Cultura.
Os acadêmicos ignoravam a religião em parte pela crença de que ela iria desaparecer sobre o avanço da secularização. Iannaccone diz: "Nós percebemos que a religião continua sendo uma força poderosa na sociedade contemporânea".
Os princípios econômicos da religião são fundamentados na crença de que as pessoas são tão racionais em suas escolhas religiosas quanto na compra de um carro.
"Produtores" de religião - igrejas, sinagogas e mesquitas - competem por "clientes" tentando convertê-los, atraindo membros de outras congregações ou combatendo a influência da sociedade secular. Algumas correntes são "baratas", pois apresentam exigências modestas aos que estão aderindo, enquanto outras são mais caras mas presumivelmente oferecem recompensas maiores aos fiéis.
A idéia de que a religião envolve escolhas racionais se estende até aos homens-bomba, que fazem atentados em nome de Deus. Estudos mostram que eles estão longe de ser lunáticos deprimidos ou "robôs" que passam por lavagem cerebral. Eli Berman, professor-associado de economia na Universidade da Califórnia em San Diego, diz que os homens-bomba são jovens motivados (raramente mulheres), de nível cultural mediano.
Berman, que estudou grupos extremistas islâmicos como o palestino Hamas e afegão Taleban, diz que os homens-bomba compartilham um sentido de obrigação na construção de uma "sociedade de ajuda mútua". "Acreditam que estão fazendo grandes sacrifícios por uma causa - do mesmo jeito que os pilotos britânicos na Segunda Guerra ou os kamikazes."
Como o Ocidente pode combater esse tipo de terror? Berman diz que uma maneira seria promover a prosperidade através de mercados mais livres, o que reduziria a oferta de potenciais homens-bomba.
Iannaccone fornece outra resposta na forma de um artigo intitulado "O Mercado de Mártires", que apresentou à Associação Americana de Economia. Ele argumenta que a oferta de candidatos a terroristas é impossível de ser estancada. Ao invés disso, faz mais sentido acabar com as "empresas" que patrocinam essa demanda.
Embora o terrorismo esteja recebendo atenção, economistas estão estudando como as religiões afetam o crescimento econômico. Timur Kuran, professor de economia na Universidade do Sul da Califórnia, diz que o desenvolvimento de países islâmicos historicamente foi prejudicado por certas regras do Corão, o livro sagrado.
Por exemplo, a lei de heranças do Corão proíbe um pai de transferir um negócio para um filho predileto, exigindo que o legado seja dividido entre todos os filhos (com as mulheres recebendo meias porções). Isso dificulta o estabelecimento de corporações e prejudica o crescimento. Outro obstáculo mencionado é a tradicional proibição do pagamento de juros, mas Kuran diz que isso é contornável.
Mais recentemente, o mundo muçulmano aceitou as convenções legais da vida corporativa, com países modernizados como a Turquia e a Malásia na liderança. Mas Kuran, autor do livro "Islã e Riqueza: os Predicamentos Econômicos do Islamismo", diz que a longamente adiada modernização "começou de uma base pequena e vem se arrastando desde então".
Um sinal do amadurecimento desse campo é que ele está atraindo luminares de fora dessa especialidade, como Robert J. Barro, da Universidade de Harvard e colunista da "BusinessWeek". Junto com sua esposa e sócia Rachel M. McCleary, Barro constatou que altos níveis de crença religiosa podem estimular o crescimento econômico. Os dois concluíram que a fé pode "sustentar aspectos do comportamento individual que reforçam a produtividade".
O economista Milton Friedman certa vez especulou que o livre mercado e o pluralismo religioso ao estilo americano têm andado de mãos dadas, estimulando tanto o crescimento econômico quanto a religião. Práticas religiosas americanas se adaptaram às condições econômicas, diz Carmel U. Chiswick, da Universidade de Illinois em Chicago. Como o tempo ficou mais caro, os americanos passaram a gastar menos tempo - embora, com freqüência, mais dinheiro - com a religião. Chiswick diz: "Quando algo fica caro, você tenta encontrar meios para satisfazer as necessidades de maneira mais eficiente em termos de custo".
Assim como a maioria dos economistas defendem o livre comércio, a maior parte dos economistas da religião acredita que a abordagem do laissez-faire funciona melhor para a religião. Os EUA, diz Iannaccone, "foram o primeiro livre mercado para a religião do mundo" e, em parte por esse motivo, têm sido em grande parte poupados do extremismo religioso.
Ele volta a Adam Smith, que escreveu que a competição entre a fé iria tornar a religião "livre de todas as misturas da insensatez, impostura ou fanatismo". Pode ser difícil encontrar Deus em gráficos de oferta e procura, mas isso não está impedindo economistas de contribuírem com suas próprias visões para a religião.

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